Voltar a definir os museus ?
Considero oportuno o repto que o Senhor Pedro Manuel Cardoso lançou neste fórum. Na qualidade de Presidente do ICOM Portugal e mesmo sem ter podido ainda consultar os restantes colegas da direcção, direi que, sendo considerado útil, teremos certamente todo o prazer em promover uma jornada de debate sobre a matéria, que poderia ser introduzida pelos contributos mais estruturados que neste fórum venham a surgir.
Voltar a definir Museologia?
A semana passada, numa conversa de roda entre amigos, um dos presentes, actual responsável por um importante museu português, surpreendeu-nos com o seu desabafo. Disse: "Hoje em dia os museus começam a ser lugares perigosos para as colecções". Confesso termos ficado surpreendidos. Porque vindo de quem vinha - sempre um acérrimo defensor da dinâmica, da interacção activa com a comunidade, das novas tecnologias ao serviço do património - não esperávamos um tal comentário. Indagámos o porquê. Explicou que os museus, hoje, estão a transformar-se numa espécie de "bazares do farwest", em sítios para "pic-nics educativos que servem para fazer descansar os pais dos trabalhos familiares", em "locais de encontro social onde se toca música, se faz performance, se vai passear de fugida pelos objectos, e se constroem muitas animações", "tudo o que sirva para aumentar as estatísticas de entrada mesmo que as pessoas não queiram saber para nada das colecções dos museus". Ainda perguntámos se não é assim que deve ser. Encolheu os ombros e rematou: "Há dinheiro, apoios e recursos humanos para toda essa salganhada pósmoderna, mas já não há para valorizar o acervo no seu valor científico e documental".
Talvez valha a pena reflectir.
Lembrei-me do que tinha acontecido, faz este ano, precisamente trinta anos.
Também nesse momento foi decidido que era importante definir, passo a citar, "o que era a museologia". Porque os responsáveis por muitos museus, e toda a gente que gravitava à volta desses acervos, também tinham perdido a noção das fronteiras e dos limites. E com essa confusão quem poderia sofrer era o Património. O inquérito que Villy Toft Jensen tinha feito quatro anos antes ("Points de vue museologiques - Europe 1975") contribuiu para aumentar essa necessidade.
Então, alguns dos mais proeminentes responsáveis pelo património e pela museologia resolveram, em 1980, apresentar publicamente quais eram as suas "definições de museologia".
Justificaram essa decisão argumentando que só assim os seus colaboradores, os responsáveis políticos, o público e outros utilizadores do benefício do Património, podiam perceber o sentido daquilo que estavam a fazer nos museus onde eram directores, e na academia onde eram professores.
Estamos a falar de pessoas que foram: presidente do comité consultivo e presidente do ICOM de 1971-1977; redactores do primeiro número da revista do ICOFOM; director dos museus de França; investigadora do Departamento Responsável pelos Museus e Galerias de Arte da ex-Checoslováquia; director do Museu de História Natural da Suécia em Gotenburgo; director do Museu Nacional de Ciências Naturais do Canadá em Ottawa; director de Estudos de Museus da Universidade de Leicester; conservador de pré-história no Museu Nacional de Praga, e professor de museologia na Universidade Charles em Praga; director dos Laboratórios de Museologia do ex-Museu Nacional em Moscovo; professor e administrador dos Programas de Ensino Superior de Cooperstown no Colégio Universitário de Oneonta na Universidade de New York; professor de Cultura Material na Universidade James Cook de North Queensland na Austrália; director da Galeria de Arte Joe & Emily Lowe e presidente do Programa do terceiro ciclo em museologia no College of Visual and Performing Arts da Universidade de Siracusa (EUA); director do Museu de História da Agricultura e membro do Conselho de Museus do Ministério da Cultura da ex-República Democrática da Alemanha; director do departamento de museologia da faculdade de filosofia da Universidade Jan Evangelista Purkyné em Brno na ex-Checoslováquia; director de pesquisa em antropologia no Carnegie Museum of Natural History em Pittburgh (EUA); professor de museologia na Universidade Hosei em Tóquio; conservador do Museu de Antiguidades Greco-Romanas e de Arte Bizantina e professor na Universidade de Damas na Síria.
Ou seja, estamos a falar de Vinos Sofka, Jan Jelínek, Villy Toft Jensen, Wolfgang Klausewitz, Awraam Razgon, André Desvallées, Anna Gregorová, Bengt Hubendick, Louis Lemieux, Geoffrey Lewis, Jirí Neustupný, Jurij Pisculin, Daniel Porter, Barrie Reynolds, Joseph Scala, Klaus Schreiner, Zbynek Stránský, James Swauger, Soichiro Tsuruta e Bachir Zouhdi. Nomes que são actualmente um referência na bibliografia sobre museologia e património, e responsáveis pela criação do ICOFOM.
Tiveram a coragem de se exporem publicamente à crítica. Não se esconderam por detrás dos seus cargos, do seu estatuto, ou do seu mérito científico. Não se refugiaram na posição cómoda de dizer: «leiam as obras que publicámos, e descubram lá o que pensamos». Não. Decidiram apresentar a sua opinião sobre a museologia, válida para aquele exacto momento. E explicar essa definição no máximo em duas folhas A4. E fazê-lo partilhando esse saber com a comunidade. Com isso contribuíram para um avanço que hoje todos nós podemos usufruir.
Depois seguiram-se muitos glossários, terminologias e obras. Desde as de Rivière às actuais prescritas pelo ICOM, até às publicadas pela AAM ou pelo Smithsionian, ou às publicadas nos últimos cinco anos pelas principais universidades que têm cursos sobre museologia e património dos dez países com maior PIB. Actualmente, incluindo as publicadas já em 2010, deparamo-nos com um conjunto de definições que pouco avançaram em relação àquele longínquo 1980.
Será que os principais responsáveis pelo património e pelos museus portugueses (directores e professores orientadores de teses de mestrado e doutoramento) têm a coragem nesta Lista de apresentarem as suas definições e interpretações sobre «o que é a museologia» para ficarmos todos a saber o que pensam sobre o melhor modo de gerir o Património que têm à sua responsabilidade? Será que têm a mesma coragem do que a daqueles que os antecederam há 30 anos? Ou estará tudo bem assim?
Pedro Manuel Cardoso
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