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Re: [Archport] "Porque é que me pergunta pelos visitantes?"

To :   ARCHPORT <archport@ci.uc.pt>
Subject :   Re: [Archport] "Porque é que me pergunta pelos visitantes?"
From :   Antonio Martinho Baptista <ambaptista1950@sapo.pt>
Date :   Thu, 5 Aug 2010 20:39:04 +0100

Cara Maria José Almeida (e demais archportianos)

Pois a mim nada me custa dizê-lo, mas Helena Matos não tem (nem parcialmente) razão. Porque a uma inimiga de estimação do Côa não se lhe poder dar qualquer pingo de razão. Porque todos os argumentos que lhe vamos ouvindo e lendo por aí, são sempre contra o facto político e económico e cultural e honroso para o país que foi o cancelamento da barragem em finais de 1995. Nunca uma opinião ou argumento lhe ouvi em defesa do excepcional património rupestre do Côa. Que os terá! Ou pensa-se que os políticos de 95 iam tomar tais decisões apenas pressionados por um imaginário bando de maltrapilhos paleolíticos, como verrinosamente nos classifica um tal de Mira Amaral? Por isso, como é usual no debate político (pois também é disso que se trata), nunca se pode dar razão (ainda que meia) ao adversário.
Mas tu tens razão no teu argumentário, porque a minha resposta à 155ª vez (!!!) que me fizeram essa pergunta, não podia deixar de ser outra. 
Mas deixa-me acrescentar algo ao que foi publicado. Estava eu a tentar encetar o ataque a uma taça de arroz doce (confesso-me um indígena que se tornou guloso com a idade) quando me aparece (sem prévia combinata) a simpática jornalista do Público. Nunca por nunca deixei um jornalista sem resposta e enquanto terminava o repasto lá fomos falando. E a minha resposta-pergunta teve um pouco do espírito que o jornal transmitiu. Mas tinha mais. Perguntava-lhe também quem teria sido o autor desse número imaginário que durante anos foi de 200.000 e agora é de 300.000 e sei que números assim não podem ser atirados ao ar sem termos estudos de mercado que os suportem e eu sinceramente não conheço nenhum com credibilidade científica (nem de antes nem de agora). Digo-te só que esse número não é sequer atingido pela mais famosa (réplica) das grutas pintadas paleolíticas europeias, que é Lascaux.
Mas dizia eu mais ainda à jornalista. Se ela alguma vez se tinha interrogado sobre quantos portugueses visitaram já a mais notável pintura primitiva portuguesa que é o políptico de S. Vicente de Fora, há mais de 100 anos exposto no Museu Nacional de Arte Antiga? Eu sei que não foi preciso parar uma barragem para o meter no MNAA (foi apenas retirado de sob os pés de um grupo de operários que o utilizavam como prateleira), nem a fraca afluência de portugueses (tudo isto é relativo) seria razão para o vender a patacos. E também sei que uma entrevista (gravada em dia quente e no remanso de um final de repasto) não pode transmitir tudo o que se diz, até porque a linguagem é coloquial e o espaço do jornal é sempre limitado.

Mas, tendo em atenção o burburinho que se levantou com tal resposta, reafirmo aqui o seguinte: sempre pensei ser inútil responder a esse tipo de perguntas, que no entanto é normalmente a primeira que me fazem quando me pedem entrevistas sobre Foz Côa. Claro que é aos decisores políticos que ela deverá ser endereçada, ou então ao autor da dita afirmação, que parece nos amarrou ad infinitum a essa resposta certamente dada com a melhor das intenções, mas com pouco tacto político (convenhamos). 
E mais direi, pois durante anos conseguiu vender-se a ideia de que o projecto de Foz Côa era um projecto fracassado porque os números de visitantes não subiam... qual é o número mágico, qual é? E lá voltamos ao mesmo. E o resto? Desde logo a salvaguarda, estudo e divulgação da Arte do Côa. Mas também o museu que agora inaugurámos e que (parece-me) honra a arqueologia portuguesa e o país! E que hoje pela manhã, ao início do 5º dia de abertura (já que na 2ª feira esteve fechado) ultrapassou o visitante-pagante nº 1.000, a que se devem juntar as centenas que o visitaram gratuitamente no dia da sua inauguração política. Ou seja, falando de números, em menos de uma semana, por aqui passaram c. de 10% dos tais 20.000 que visitam (pagando) as gravuras anualmente! Mas se queres saber, como investigador, isto pouco me interessaria. Mas interessa-me hoje (e muito), porque o mundo é o que é: um jogo de interesses.
E já agora, só mais uma precisão, para que conste. Não sou o "chefe da equipa de investigadores do parque de Foz Côa". Até porque há muito a investigação oficial estagnou no Vale do Côa. Pelo menos desde que se resolveu liquidar o Centro Nacional de Arte Rupestre... Mas respondo pelos conteúdos científicos do Museu do Côa e isso, posso assegurar, é inatacável, à luz do conhecimento actual.

Saudações cordiais.
 



A 2010/08/05, às 13:10, Maria José de Almeida escreveu:

Por muito que nos custe, Helena Matos tem (parcialmente) razão.

 

A pergunta deve ser feita, tem que ser feita, mas não aos arqueólogos. Porque se for, a resposta arrisca-se a ser sempre a mesma que a foi dada por António Martinho Baptista.

 

A pergunta deve ser feita aos responsáveis políticos, e muito particularmente aos que estão ou estiveram envolvidos nas sucessivas gestões do Ministério da Cultura, depois desse extraordinário momento político que foi a decisão da suspensão da construção da barragem.

 

O principal problema do Côa não é a falta de valor cultural das gravuras – que é inquestionável e incalculável – nem de qualidade da investigação que sobre elas tem sido realizada – que é reconhecida e de qualidade. Os principais problemas do Côa são de ordem económica e social e, consequentemente, política.

 

As estatísticas disponíveis sobre a caracterização demográfica e socioeconómica do vale do Côa são assustadoras: falamos de uma região que está a perder população, onde há cada vez menos emprego, o índice de atractividade empresarial é miserável, o nível médio de escolaridade baixíssimo. Não é um retrato muito diferente de outras regiões do país, é certo, mas nesta há um valor cultural de relevância mundial que podia ajudar a inverter essa tendência. Contudo, a existência do património arqueológico, considerada isoladamente, consegue fazer pouco pelo desenvolvimento regional. O que consegue fazer foi o que já fez no Côa e isso não chega.

 

Os 280 mil turistas que faltam no Côa, faltam porque “as contas que nos deram para Foz Côa” não foram cálculos, mas afirmações políticas irresponsáveis. Que esqueceram também que esses turistas tinham que ter mais motivos para visitar o Côa para além das gravuras, e um desenvolvimento regional sustentável que garantisse as infra-estruturas e meios para os receber.

 

Pegando nas palavras escritas há uns dias nesta lista, nem o Côa pode fazer esquecer o estado actual do exercício da actividade arqueológica em Portugal, nem a inauguração do Museu do Côa e "as contas dos visitantes" devem fazer esquecer o que falta no Côa.
 
Falta uma definição clara do que se pretende para aquela região e um estratégia para o conseguir. Na qual o património arqueológico é uma parte, sem dúvida, mas que não deve ser confundida com o todo. Na qual os arqueólogos devem participar, sem dúvida, mas que é - essencialmente - uma responsabilidade política.
 
A nós, como arqueólogos, cabe-nos fazer o nosso trabalho todos dos dias da forma mais socialmente útil possível. Para não perdermos autoridade quando pedimos responsabilidades aos políticos ou respondemos aos jornalistas.

 

Maria José de Almeida

2010/8/5 Ricardo Charters d'Azevedo ricardo.charters@gmail.com

 

Interessante este artigo da Helena Matos, no “Espaço Público” de o Público de hoje 5.8.2010, pag 33 , subordinado a um título “Podemos perguntar à Rainha de Inglaterra”

 

“SÓ FALTAM 280 MIL -  •Já que estamos em matéria de História e Arqueologia vale a pena reler a resposta-pergunta formulada pelo chefe da equipa de investigadores do parque de Foz Côa, António Martinho Baptista, à jornalista do PÚBLICO aquando duma reportagem deste jornal a propósito da inauguração do museu do Côa: "Porque é que me pergunta pelos visitantes?" Não só a jornalista tem o direito de perguntar como tem o dever. Em 1998 foram-nos garantidos 300 mil visitantes por ano. Actualmente estima-se que esse número seja de 20 mil. O investimento feito na barragem perdeu-se. Tiveram de se construir barragens noutros rios cujo património natural urgia preservar. Noutros locais, como o Alqueva, outras gravuras foram submersas. Faltam 280 mil turistas nas contas que nos deram para Foz Côa e sobram-nos inúmeras perguntas sem resposta.”

 
 
 

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