[Archport] A formação em Conservação e Restauro em Portugal
Caríssimos,
Acreditando que seja útil para todos aqueles que lidam com o
Património Cultural, tomo a liberdade de fazer um breve e sintético
historial da formação em Conservação e Restauro em Portugal. As boas
práticas da salvaguarda do Património Cultural passam também, e muito,
pelo recurso a profissionais devidamente qualificados, o que
infelizmente nem sempre acontece, mesmo em instituições nacionais de
referência.
1º Momento - Formação empírica
Desde os finais do séc. XIX até 1981, a formação em Conservação e
Restauro teve um cariz essencialmente empírico. Até então, os
"restauradores", como eram chamados, eram maioritariamente pintores e
escultores das Belas Artes e aprendiam os conhecimentos transmitidos
uns pelos outros ao longo do tempo, sempre sob o olhar do mestre.
Quando necessário, complementavam a sua formação com cursos e estágios
em instituições estrangeiras.
Contudo, existiam alguns conservadores-restauradores portugueses
formados por universidades estrangeiras, pelo menos desde 1962.
2º Momento - Formação institucional
Em 1980, foi publicada a nova lei orgânica do Instituto José de
Figueiredo (IJF) (D.L. 245/80), criando a carreira de Técnico de
Conservação e Restauro. Havendo consciência que aquela fórmula
formativa se tinha esgotado e estava ultrapassada, em 1981
iniciaram-se vários cursos formação profissional de Conservação e
Restauro no IJF, de modo a preencher a carreira criada com
profissionais solidamente formados. Entre mais de quatrocentos
candidatos vindos de todo o país, foram seleccionadas trinta e seis
pessoas que ingressaram nestes cursos, com três anos lectivos, várias
especialidades e professores vindos de toda a Europa. O curso de
Conservação e Restauro de Bens Arqueológicos e Etnográficos tinha dois
anos e seria o único que viria a ser repetido, em 1987, no Museu
Monográfico de Conímbriga.
3º Momento - Formação superior/Bacharelato
Dada a indefinição daqueles profissionais, houve então a necessidade
de sistematizar a formação em Conservação e Restauro e enquadrá-la no
sistema educativo nacional, ao nível do ensino superior politécnico.
Em 1989, foram então criados os bacharelatos em Conservação e Restauro
da Escola Superior de Conservação e Restauro (ESCR) de Lisboa e do
Instituto Politécnico de Santarém (IPS).
Tendo em conta que existiam vários "restauradores" a trabalharem em
museus e instituições públicas e privadas, perfeitamente enquadrados,
foi criado um "sistema de acreditação profissional" que apreciou um
elevado número de processos e conferiu sessenta e seis equivalências a
bacharelato em Conservação e Restauro (D.L. n.º 431/89).
4º Momento - Formação universitária/Licenciatura
À semelhança do que aconteceu em muitos outros países europeus, a
formação superior em Conservação e Restauro foi elevada ao nível
universitário, criando-se em 1998 as duas primeiras licenciaturas em
Conservação e Restauro, na Universidade Nova de Lisboa e no Instituto
Politécnico de Tomar, em substituição dos bacharelatos existentes. A
estas, seguiram-se as licenciaturas da Universidade Católica
Portuguesa (2002) e da Universidade Portucalense (2006), estas no Porto.
Numa atitude verdadeiramente vanguardista, foi publicado o D.L.
55/2001, o diploma que define as carreiras de Museologia e Conservação
e Restauro na Administração Pública, estabelecendo explicitamente que
" o recrutamento para a categoria de ingresso na carreira (do
conservador-restaurador) é feito mediante concurso, de entre
candidatos habilitados com licenciatura na área da Conservação e
Restauro (...)" (artigo 4.º, n.º 2).
Em 2009, os artigos 45.º e 59.º da Lei n.º 107/2001, a lei que
estabelece as bases da política e o regime de protecção e valorização
do património cultural, foram objecto de concretização através do
Decreto-Lei n.º 140/2009. Aplicando os princípios europeus sobre a
formação em Conservação e Restauro, este diploma estabelece claramente
que "relatório prévio" e a "direcção de obras ou intervenções de
conservação e restauro em bens culturais móveis", integrados ou não em
bens culturais imóveis, classificados ou em vias de classificação, são
"da responsabilidade de um técnico habilitado com formação superior de
cinco anos em conservação e restauro e cinco anos de experiência
profissional após a obtenção do título académico."(n.º 1, art. 18-º e
n.º 1, art. 22.º)
Tendo em conta a evolução da profissão de conservador-restaurador, o
legislador contemplou um número neste diploma de modo a incluir os
bacharéis em Conservação e Restauro e os licenciados em Conservação e
Restauro da Universidade Católica Portuguesa, uma vez que esta
licenciatura apenas tinha quatro anos lectivos (n.º 3, art. 18.º).
Como este número tem efectivamente uma redacção subjectiva, é muitas
vezes interpretada abusivamente.
Exposto isto, é fundamental que todas as instituições culturais
nacionais tenham presente que:
- Apenas são conservadores-restauradores os bacharéis em Conservação e
Restauro, licenciados pré-Bolonha em Conservação e Restauro e
licenciados pós-Bolonha em Conservação e Restauro com mestrado em
Conservação e Restauro.
- A todos os profissionais que trabalhavam em Conservação e Restauro
antes da criação dos bacharelatos em Conservação e Restauro
considerados competentes obtiveram equivalência ao grau de bacharelato
em Conservação e Restauro.
- Não entrou nos bacharelatos de Conservação e Restauro, existentes
desde 1989 ou posteriormente nas licenciaturas em Conservação e
Restauro quem não quis ou não teve capacidade para tal.
- Quem tiver alguma dúvida sobre a profissão do
Conservador-restaurador deve dirigir-se à Associação Profissional de
Conservadores-Restauradores de Portugal (ARP), a associação que
representa e defende os direitos dos conservadores-restauradores,
desde 1995. (www.arp.org.pt/mail@arp.org.pt)
Na esperança de ter sido útil, despeço-me com os meus melhores cumprimentos,
André Varela Remígio
Bacharel, Licenciado e mestrando em Conservação e Restauro (UNL), com
onze anos de experiência profissional, incluindo peças pertencentes a
monumentos classificados como Património da Humanidade (UNESCO),
Monumento Nacional e Imóvel de Interesse Público
www.avremigio.com