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[Archport] A formação em Conservação e Restauro em Portugal

Subject :   [Archport] A formação em Conservação e Restauro em Portugal
From :   a.v.remigio@sapo.pt
Date :   Mon, 14 Feb 2011 01:05:08 +0000


Caríssimos,

Acreditando que seja útil para todos aqueles que lidam com o Património Cultural, tomo a liberdade de fazer um breve e sintético historial da formação em Conservação e Restauro em Portugal. As boas práticas da salvaguarda do Património Cultural passam também, e muito, pelo recurso a profissionais devidamente qualificados, o que infelizmente nem sempre acontece, mesmo em instituições nacionais de referência.


1º Momento - Formação empírica

Desde os finais do séc. XIX até 1981, a formação em Conservação e Restauro teve um cariz essencialmente empírico. Até então, os "restauradores", como eram chamados, eram maioritariamente pintores e escultores das Belas Artes e aprendiam os conhecimentos transmitidos uns pelos outros ao longo do tempo, sempre sob o olhar do mestre. Quando necessário, complementavam a sua formação com cursos e estágios em instituições estrangeiras.

Contudo, existiam alguns conservadores-restauradores portugueses formados por universidades estrangeiras, pelo menos desde 1962.


2º Momento - Formação institucional

Em 1980, foi publicada a nova lei orgânica do Instituto José de Figueiredo (IJF) (D.L. 245/80), criando a carreira de Técnico de Conservação e Restauro. Havendo consciência que aquela fórmula formativa se tinha esgotado e estava ultrapassada, em 1981 iniciaram-se vários cursos formação profissional de Conservação e Restauro no IJF, de modo a preencher a carreira criada com profissionais solidamente formados. Entre mais de quatrocentos candidatos vindos de todo o país, foram seleccionadas trinta e seis pessoas que ingressaram nestes cursos, com três anos lectivos, várias especialidades e professores vindos de toda a Europa. O curso de Conservação e Restauro de Bens Arqueológicos e Etnográficos tinha dois anos e seria o único que viria a ser repetido, em 1987, no Museu Monográfico de Conímbriga.


3º Momento - Formação superior/Bacharelato

Dada a indefinição daqueles profissionais, houve então a necessidade de sistematizar a formação em Conservação e Restauro e enquadrá-la no sistema educativo nacional, ao nível do ensino superior politécnico. Em 1989, foram então criados os bacharelatos em Conservação e Restauro da Escola Superior de Conservação e Restauro (ESCR) de Lisboa e do Instituto Politécnico de Santarém (IPS).

Tendo em conta que existiam vários "restauradores" a trabalharem em museus e instituições públicas e privadas, perfeitamente enquadrados, foi criado um "sistema de acreditação profissional" que apreciou um elevado número de processos e conferiu sessenta e seis equivalências a bacharelato em Conservação e Restauro (D.L. n.º 431/89).


4º Momento - Formação universitária/Licenciatura

À semelhança do que aconteceu em muitos outros países europeus, a formação superior em Conservação e Restauro foi elevada ao nível universitário, criando-se em 1998 as duas primeiras licenciaturas em Conservação e Restauro, na Universidade Nova de Lisboa e no Instituto Politécnico de Tomar, em substituição dos bacharelatos existentes. A estas, seguiram-se as licenciaturas da Universidade Católica Portuguesa (2002) e da Universidade Portucalense (2006), estas no Porto.

Numa atitude verdadeiramente vanguardista, foi publicado o D.L. 55/2001, o diploma que define as carreiras de Museologia e Conservação e Restauro na Administração Pública, estabelecendo explicitamente que " o recrutamento para a categoria de ingresso na carreira (do conservador-restaurador) é feito mediante concurso, de entre candidatos habilitados com licenciatura na área da Conservação e Restauro (...)" (artigo 4.º, n.º 2).

Em 2009, os artigos 45.º e 59.º da Lei n.º 107/2001, a lei que estabelece as bases da política e o regime de protecção e valorização do património cultural, foram objecto de concretização através do Decreto-Lei n.º 140/2009. Aplicando os princípios europeus sobre a formação em Conservação e Restauro, este diploma estabelece claramente que "relatório prévio" e a "direcção de obras ou intervenções de conservação e restauro em bens culturais móveis", integrados ou não em bens culturais imóveis, classificados ou em vias de classificação, são "da responsabilidade de um técnico habilitado com formação superior de cinco anos em conservação e restauro e cinco anos de experiência profissional após a obtenção do título académico."(n.º 1, art. 18-º e n.º 1, art. 22.º)

Tendo em conta a evolução da profissão de conservador-restaurador, o legislador contemplou um número neste diploma de modo a incluir os bacharéis em Conservação e Restauro e os licenciados em Conservação e Restauro da Universidade Católica Portuguesa, uma vez que esta licenciatura apenas tinha quatro anos lectivos (n.º 3, art. 18.º). Como este número tem efectivamente uma redacção subjectiva, é muitas vezes interpretada abusivamente.


Exposto isto, é fundamental que todas as instituições culturais nacionais tenham presente que:

- Apenas são conservadores-restauradores os bacharéis em Conservação e Restauro, licenciados pré-Bolonha em Conservação e Restauro e licenciados pós-Bolonha em Conservação e Restauro com mestrado em Conservação e Restauro.

- A todos os profissionais que trabalhavam em Conservação e Restauro antes da criação dos bacharelatos em Conservação e Restauro considerados competentes obtiveram equivalência ao grau de bacharelato em Conservação e Restauro.

- Não entrou nos bacharelatos de Conservação e Restauro, existentes desde 1989 ou posteriormente nas licenciaturas em Conservação e Restauro quem não quis ou não teve capacidade para tal.

- Quem tiver alguma dúvida sobre a profissão do Conservador-restaurador deve dirigir-se à Associação Profissional de Conservadores-Restauradores de Portugal (ARP), a associação que representa e defende os direitos dos conservadores-restauradores, desde 1995. (www.arp.org.pt/mail@arp.org.pt)


Na esperança de ter sido útil, despeço-me com os meus melhores cumprimentos,

André Varela Remígio
Bacharel, Licenciado e mestrando em Conservação e Restauro (UNL), com onze anos de experiência profissional, incluindo peças pertencentes a monumentos classificados como Património da Humanidade (UNESCO), Monumento Nacional e Imóvel de Interesse Público
www.avremigio.com

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