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[Archport] Duas notas de leitura

To :   "archport" <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] Duas notas de leitura
From :   José d'Encarnação <jde@fl.uc.pt>
Date :   Sun, 20 Mar 2011 16:15:42 -0000

Epigrafi romane di Transilvania

 

Uma extraordinária surpresa!

Gian Paolo Marchi, da Università degli Studi di Verona, e József Pál, da Szegedi Tudományegyetem (a Universidade de Szeged, na Hungria) juntaram-se para, no âmbito do acordo cultural firmado entre as duas universidades, dar corpo à louvável iniciativa: de apresentarem, em excelente fac-simile, o manuscrito CCLXVII da Biblioteca Capitular de Verona, que se refere (veja-se rosto, em anexo) às Inscrizioni Antiche trovate, e raccolte tra le rovine delle quattro principali colonie romane della Transilvania dal Conte Gioseppe Ariosti…, iniciativa a que o referido Ariosti lançou mãos por ordem do imperador Carlos VI («Sacra Cesarea Cattolica Real Maestà»!...), no ano de 1723.

Consta a 1ª parte das inscrições que foram levadas para Viena, 47 ao todo. Na 2ª parte, as 17 «Inscrizioni restate sommerse nel Tibisco à Segedino»; na 3ª, as 52 inscrições perdidas. Nestas últimas, há anotações de Scipione Maffei, que se reproduzem também: por exemplo, a nº LI considera-a falsa; da nº LII, afirma que não se perdeu, porque a viu e diz onde está «presentemente».

Manuseia-se, pois, esse volume fac-similado como uma jóia que certamente encantará epigrafistas e bibliófilos.

Contudo, a surpresa não termina aqui, pois que aqueles dois investigadores houveram por bem que a edição fosse complementada por um outro volume, de idêntica apresentação exterior (aliás, os dois estão reunidos em elegante estojo de cartão) reservado a estudos elaborados por conceituados autores (italianos, húngaros e romenos) acerca do conteúdo do manuscrito (veja-se capa, reproduzida também em anexo a esta nota), intitulado Epigrafe Romane di Transilvania (Verona, 2010, 415 páginas; ISBN 9788896548066). A intenção era óbvia: enquadrar o volume na sua época (do ponto de vista da história cultural e das mentalidades) e dar conta dos aproveitamentos científicos que dele foi feito ao longo dos anos, tudo isso bem complementado por índices onomásticos, bibliografia e informação acerca das principais localidades da Transilvânia com interesse histórico-arqueológico (preparada por Zsolt Kovács, da Universidade de Cluj). Há mesmo, no final,a reprodução, a cores, do mapa do Reino da Hungria, editado em Veneza (1784).

József Pál começa por traçar o quadro da mentalidade do século XVIII, em que se acentua «la modernità dell’antico» (p. 21-31).

A biografia de Scipione Maffei, «Tra lettere e armi», è traçada por Gian Paolo Marchi (p. 33-64).

A actuação militar e cultural do coronel Giuseppe Ariosti, a quem pertenceu a iniciativa de pôr a salvo as epígrafes identificadas aquando da construção, em 1722-1723, da fortaleza de Carlsburg, no local da romana Apulum, é posta em evidência por Simona Cappellari e Cristina Cappelletti (p. 65-92).

Valeria La Monaca historia a criação do Museu Lapidar de Verona, por acção de Maffei (p. 93-98).

Coube a András Kovács descrever a referida cidade de Carlsburg (p. 99-124).

O aproveitamento religioso – no quadro das contendas teológicas de então (Chiesa Unitaria, por exemplo) – do conteúdo das epígrafes foi posto em evidência por Mihály Balázs (p. 125-131).

O relacionamento, não sem peripécias e omissões, entre Zeno, Muratori e Maffei no contexto do achamento, salvaguarda e transporte das epígrafes é escalpelizado por Michela Fantato (p. 133-145).

Fabio Forner debruça-se, de modo particular, sobre o artigo VII do 1º tomo das «Osservazioni letterarie» de Maffei, que trata do então chamado Museu Imperial das Inscrições, ou seja, o conjunto de epígrafes, de proveniências diversas, recolhidas nas salas de acesso da Hofbibliothek; e procura esclarecer a ou as fontes em que Maffei se baseou, pois não tratou apenas de inscrições da Transilvânia mas também de epígrafes achadas em Cilii (na actual Eslovénia) e em Carnuntum (p. 147-155).

A evocação do contexto histórico romano – designadamente as relações entre a Pannonia e a Dacia – serve de pano de fundo a Zsolt Visy para explicar o interesse que houve, logo desde os primeiros tempos do Renascimento, por este conjunto de inscrições (p. 157-167).

Ioan Piso tece considerações (p. 169-177) acerca das 17 inscrições que, mui provavelmente, ainda se encontrarão no fundo do leito dum dos afluentes do Danúbio, o rio Tibisco, que atravessa a cidade húngara de Szeged, onde, aliás, se situa a sua confluência com o Maros (o latino Marisus), local onde ocorreu o naufrágio de uma das quatro barcas que transportavam as epígrafes para Verona.

«Collezioni e collezionisti in Transilvânia fino al secolo XIX» (p. 179-199) é o tema desenvolvido por Mihai Barbulescu. A presença de ruínas tão importantes como as das fortalezas dácias – Apulum, Sarmigezetusa, Cluj Napoca… – foi aliciante campo de recolha de ‘antiguidades’ que adornaram, numa primeira fase, os castelos dos nobres e, depois, as casas dos intelectuais, logo a partir da época renascentista.

Tímea Kiss e György Sipos abordam, por seu turno, um aspecto não menos interessante, de ordem geográfica: as variações do curso do rio Tibisco em torno de Szeged e na foz do rio Maros, desde a última década do séc. XVII até aos nossos dias (p. 201-222), apresentando bens sugestivos mapas explicativos dessa evolução.

Seis códices transcreveram o corpus das inscrições romanas feito por Ariosti. Gian Paolo Marchi estuda-os (p. 223-238), explicitando o conteúdo e as variantes de cada um.

Como não poderia deixar de ser, também Theodor Mommsen se interessou por este conjunto epigráfico. É o assunto estudado por Michela Sanfelici (p. 239-244).

Finalmente (last but not the least), o estudo epigráfico deste corpus, ou seja, o cotejo das informações do códice com o que hoje se sabe, o que se publicou, o que se pode comentar, o que há de novo a referir. Trabalho imprescindível numa publicação deste género, apresentando-se, no final, as tábuas de correspondência entre os vários corpora e publicações, com bibliografia actualizada. Foi a essa ingente e meritória tarefa que se dedicaram, pois, Alfredo Buonopane e Valeria La Monaca (pp. 245-374).

Elaborou-se uma ficha de cada epígrafe, uma em cada página para mais fácil consulta. Houve o cuidado de reexaminar, sempre que possível, os monumentos disponíveis, mas não houve a preocupação de apresentar observações críticas ou comentários, a fim de não tornar o volume mais pesado, até porque a totalidade das epígrafes está publicada nas Inscriptiones Daciae Romanae.

Reproduz-se, em cada uma, a gravura do manuscrito e coloca-se a seu lado, sempre que possível, uma foto do monumento na actualidade. Neste aspecto, nem sempre o interesse do epigrafista logra concertar-se com os critérios do designer gráfico; compreende-se que é mais… estético colocar lado a lado, no mesmo módulo, gravura e foto; ao epigrafista, porém, muito grato seria se pudesse dispor de uma fotografia actual um tudo-nada de dimensões maiores… para lhe facilitar a leitura!...

E já que se fala dessa comparação entre gravura e monumento real, a questão mas premente, do ponto de vista histórico, é bem posta, de imediato, por Alfredo Bunopane: interessa «appurare il livello di precisone e il grado di attendibilità del lavoro di Ariosti sia nei disegni dei supporti sia nella lettura delle epigrafi, anche e soprattutto per stabilire se sia possibile servirsene con una qualche sicurezza nei casi di monumenti oggi irreperibili, come quelli affondati nel Tibisco, o di molti di quelle collocati nella terza parte della sua raccolta» (p. 250).

E Buonopane conclui, de imediato, que não estamos perante reproduções com intuitos de exactidão, ainda que haja, por exemplo, algum rigor na cópia de nexos ou de letras inclusas: embora a distribuição por linhas seja, em geral, a original, não se respeitou a paginação (o alinhamento é, quase sempre, à esquerda), a pontuação não é a meio da linha, há distracções na cópia (falta da invocação aos Manes na nº XLIV, OTTAVIO em vez de OCTAVIO na nº XXXVIII…). Contudo, o que mais salta à vista é o facto de haver como que uma certa estereotipia na tipologia dos monumentos, que pode dever-se – e Alfredo Buonopane coloca bem as hipóteses (p. 252) – ao facto de Ariosti ter feito inicialmente «rapidi schizzi», no momento em que se observou o monumento e de que não houve, depois, a possibilidade de precisar; ou se trata, afinal, de trabalho levado a cabo «da uno o più disegnatori su commisione dell’Ariosti che si è limitato a fornire qualche sommaria indicazione».

Em suma, podemos dizer – e fiz questão em referir todos os textos incluídos na publicação – que está perfeito o enquadramento de um precioso manuscrito. Precioso em si como peça bibliográfica e precioso pelas informações que veicula.

Há, pois, que nos congratularmos com o facto de um acordo cultural ter permitido, mediante o esforço concertado dos mais diversos especialistas e a cabal compreensão por parte das entidades intervenientes, levar a bom porto tarefa tão ingente.

No transporte das epígrafes desde a antiga Dácia até Verona houve um infausto naufrágio e muitas peripécias; no caso desta publicação, que transporta até nós um saber de experiência feito, nenhum naufrágio ocorreu – e há que dar os parabéns aos ‘comandantes desta navegação’.

 

José d’Encarnação

 

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Boletim de Estudos Clássicos 54

 

Publicação semestral da Associação de Estudos Clássicos (Univ. de Coimbra), dirigida por Maria de Fátima Sousa e Silva. ISSN 0872-2110,

O seu nº 54 (Dezembro de 2010) mantém a linha editorial de sempre: em linguagem simples, abordar temas que possam ter especial interesse didáctico, designadamente no âmbito do Grego, do Latim e do Latim renascentista. «Perenidade da Cultura Clássica» e «Questões Didácticas» são os dois outros temas abordados.

No caso do Grego, Paula Cristina Ferreira estuda o poder da retórica no Ulisses homérico; Fátima Silva continua a série das grandes heroínas trágicas (desta vez, a Helena, de Eurípides); Cármen Soares refere-se aos primeiros livros de culinária na Antiguidade Clássica.

Na rubrica «Latim», Martin M. Vizzotti, aborda a questão do suicídio e da teatralidade, a partir da morte de Catão relatada no De Providentia de Séneca, morte que é, em seu entender, construída «como um fenómeno essencialmente relacional» (p. 68). Dando seguimento à serie de breves textos em que procuro mostrar como as epigrafes podem servir de bom pretexto para a aprendizagem da língua latina, abordo, desta feita, a actualidade do gesto de Augusto em implantar marcos nas margens do Tibre para identificar a zona non aedificandi (texto já disponível em: http://hdl.handle.net/10316/14703).

Costa Ramalho de novo nos mergulha no horizonte do Latim Renascentista, através da análise de uma carta de Cataldo ao 2º Conde de Alcoutim; e Carlota Miranda dá a conhecer um elogio de Santiago de Compostela em hexâmetros latinos.

A perenidade da cultura clássica no cinema: Nuno Simões Rodrigues analisa Spartacus, de Stanley Kubrick (1960); e a poetisa Maria do Sameiro Barroso escreve sobre Anna Louisa Karsch, «a Safo alemã».

Finaliza o volume Cristóvão Pereira com um libelo: devido ao desaparecimento das línguas e culturas clássicas dos currículos escolares, estamos a formar uma «geração de órfãos».

José d’Encarnação


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