Quem guarda os nossos tesouros Casas-fortes
evitam roubo de documentos históricos, mas o crime organizado espreita. O
interesse acrescido por mapas de determinada época indicia a tentativa de
identificar as alterações nas costas marítimas para detectar eventuais achados
arqueológicos". CM,
17/07/2011, por Isabel Faria Quanto
vale a bula ‘Manifestis Probatum' certidão do séc. XII que atesta o
nascimento de Portugal? Ou o Tratado de Tordesilhas, que em 1494 dividiu o
Mundo entre espanhóis e portugueses, hoje reconhecido pela Unesco como memória
mundial? Estes são apenas dois dos documentos de extraordinário valor
informativo e simbólico, inqualificável em termos monetários, que Portugal se
orgulha de guardar nos arquivos centrais da Torre do Tombo, em Lisboa, mas
preserva de olhares públicos. O
furto recente do Códice Calixtino, guia dos peregrinos datado do século XII que
desapareceu da Catedral de Santiago de Compostela e cujo valor comercial pode
rondar os cem milhões de euros, suscitou novos alertas sobre a segurança dos
tesouros nacionais. "Nos últimos anos estas obras têm vindo a atrair redes
internacionais de crime organizado e Portugal tem peças apetecíveis", nota
a inspectora Teresa Esteves, da Brigada de Obras de Arte da Polícia Judiciária.
Oito
casas-fortes No
interior da Torre do Tombo, oito casas-fortes, sistemas de videovigilância a
funcionar 24 horas por dia e apertada segurança humana guardam a memória do
País. "Temos 90 quilómetros de documentos, equivalente a uma estante entre
Lisboa e Caldas da Rainha, e várias obras identificadas como tesouros
nacionais", explica Silvestre Lacerda, director da casa. Com acesso
particularmente controlado, esses documentos - entre os quais se encontram
‘O Livro das Aves', ‘O Apocalipse de Lorvão', os arquivos da
Inquisição, a carta de Pêro Vaz de Caminha sobre o ‘achamento' do Brasil
e a colecção do Corpo Cronológico (83 mil documentos diplomáticos dos séculos
XII ao XVI) - estão catalogados como peças a salvar em caso de catástrofe e a
preservar de qualquer tentativa de furto. A
segurança esteve na base da concepção do edifício, inaugurado há 20 anos e
visitado por vários investigadores internacionais. Um estudo da European
Arcadle Group detectou que grande parte dos furtos deste género de obras ocorre
nas salas de leitura. Aconteceu em Santiago de Compostela e em vários países da
Europa do Norte, alvo privilegiado destas redes. A Torre do Tombo reage ao
perigo. "Seguiram-se critérios de preservação dos documentos e de apenas
se aceder a eles em ambiente reservado. Evitar o contacto com a obra é
fundamental e o que fazemos é digitalizar os documentos e disponibilizá-los
apenas nesse formato. Temos disponíveis 8 milhões de imagens na internet. Mesmo
em caso de grandes individualidades, estas são sempre acompanhadas e obrigadas
a deixar objectos pessoais, como sacos e casacos, no exterior", adianta
Silvestre Lacerda. "Não podemos desconfiar de todos, mas os furtos
acontecem e o acesso aos tesouros nacionais tem de ser condicionado. Há cartões
que identificam os movimentos desde que a porta se abre, além das câmaras
instaladas em vários locais". Jóias
da coroa Alvo
de cobiça, o património português perdeu parte das jóias da coroa, furtadas em
2002 quando foram emprestadas para uma exposição em Haia, Holanda. Entre as
peças mais valiosas, que nunca foram encontradas, estavam um anel de D. Miguel
e dois diamantes em bruto. Nos anos 40 do século passado, 25 Códices
Alcobacenses, iluminuras, manuscritos, incunábulos (primeiras edições
impressas), livros de horas, de música e de missa, gravuras e peças de
numismática foram desviadas pelo então chefe das Secções de Reservados e de
Numismática da Biblioteca Nacional. Detectado o autor do roubo - pessoa até
então acima de qualquer suspeita -, algumas obras foram interceptadas em
antiquários e alfarrabistas, mas muitas tinham sido fragmentadas e vendidas à
peça, o que prejudicou o seu valor histórico. Menos
bem sucedida foi a tentativa de roubo, em 2006, da Custódia da Sé de Lisboa,
peça de arte em ouro com mais de 4 mil pedras preciosas, cujos ladrões
"foram apanhados em flagrante pela polícia, após denúncia de um eventual
comprador", explica Teresa Esteves. Apesar
destas peças, pela sua raridade, serem facilmente detectáveis quando chegam ao
mercado e, por isso, adquiridas por coleccionadores reservados e previamente
dispostos a tal, o perfil do autor do roubo está mais ou menos identificado. "A
maior parte dos furtos ocorre em salas de leitura e muitas dessas pessoas
identificam-se como investigadores, procuram documentos e tentam detectar as
fragilidades dos vários locais por onde passam", explica Maria Inês
Cordeiro, subdirectora da Biblioteca Nacional. Há
cerca de dois anos, o roubo em Espanha de gravuras e mapas em incunábulos
alertou para a existência de rotas criminosas encabeçadas por indivíduos
especializados em Arte e História. "A mesma pessoa esteve em Portugal,
nomeadamente na Biblioteca Nacional, apresentou-se como investigador de uma
universidade, mostrando papéis falsos. Quando detectamos esse perfil, alguém
desconhecido, que tem pouco tempo e vem à pressa consultar documentos raros,
ficamos mais atentos e mantemos sempre a vigilância física", adianta Lígia
Martins, chefe da divisão de Reservados daquela organização. Mais
procura O
furto de obras e documentos históricos aumentou nos últimos dez anos,
abrangendo "peças que não são tradicionalmente material de arquivo, como
mapas, autógrafos e também peças iconográficas, com desenhos, o que é mais
apetecível pelo coleccionador", adianta Silvestre Lacerda. Do
ponto de vista comercial, estes documentos são adquiridos por pessoas que
possuem uma apetência rara por objectos históricos e dispõem de folga
financeira para não perspectivar nova venda em mercado, alerta Teresa Esteves. No
entanto, a informação neles contida pode ter outra rentabilidade e, à
semelhança do que mostram os filmes e livros de ficção, a decifração de códigos
em textos históricos pode revelar tesouros escondidos. "O interesse
acrescido por mapas de determinada época indicia a tentativa de identificar as
alterações nas costas marítimas para detectar eventuais achados
arqueológicos", destaca a inspectora da Polícia Judiciária. Por outro
lado, muitas destas obras podem ter valor de prova. "Possuímos um mapa do
século XVI, de Teixeira Albernaz, que tem indicação dos habitantes à época de
umas ilhas em particular que estão neste momento a ser disputadas pela China e
o Vietname. Provavelmente será uma das peças levada a tribunal como valor de
prova", diz Silvestre Lacerda. Trancas
na porta Apesar
de Portugal ter escapado aos roubos históricos recentes, há um cuidado
acrescido em preservar a História. A actual casa Torre do Tombo, instituição
que data do século XIV, foi construída para resistir a catástrofes. "A
casa-forte central responde em situação de sismo e parte do edifício,
construído em T, desmorona e protege essa zona, à semelhança do que aconteceu
no terramoto de 1755, quando uma zona do castelo de S. Jorge ruiu, abafando e
protegendo do incêndio parte significativa do arquivo nacional", refere o
director da instituição, que tem no restauro e recuperação de documentos outra
das prioridades. Acompanhar
os leilões e recuperar as peças raras ainda dispersas por colecções
particulares é uma das missões da Biblioteca Nacional, onde mais de metade dos
nove milhões investidos nas obras que estão a decorrer foram canalizados para a
segurança. "Construímos uma casa-forte para os tesouros da biblioteca [em
que se inclui uma rara Bíblia Hebraica do séc. XIII] com tectos, paredes e chão
em cimento e ferro e uma galeria a toda a volta que permite vigilância em todos
os pontos". A
Biblioteca Nacional, em Lisboa, guarda uma cópia do Códice Calixtino, cuja
autoria é atribuída ao Papa Calixto II. Datada de 1175, esta versão mais
modesta obedece ao mesmo texto, mas não inclui as páginas dedicadas à música e
possui menos iluminuras, explica Teresa Duarte Ferreira, responsável pela área
de manuscritos. A obra pertencia à Livraria da Ordem de Alcobaça e não está
acessível a consulta pública. http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/outros/domingo/quem-guarda-os-nossos-tesouros# *** ******* This message contains information which may be confidential and privileged. Unless you are the addressee (or authorized to receive for the addressee), you may not use, copy or disclose to anyone the message or any information contained in the message. If you have received the message in error, please advise the sender by reply e-mail and delete the message. |
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