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[Archport] Quem guarda os nossos tesouros?

To :   <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] Quem guarda os nossos tesouros?
From :   "Paulo Monteiro" <pmonteiro@ntasa.pt>
Date :   Mon, 18 Jul 2011 21:54:13 +0100

Quem guarda os nossos tesouros

Casas-fortes evitam roubo de documentos históricos, mas o crime organizado espreita. O interesse acrescido por mapas de determinada época indicia a tentativa de identificar as alterações nas costas marítimas para detectar eventuais achados arqueológicos".

CM, 17/07/2011, por Isabel Faria

Quanto vale a bula ‘Manifestis Probatum' certidão do séc. XII que atesta o nascimento de Portugal? Ou o Tratado de Tordesilhas, que em 1494 dividiu o Mundo entre espanhóis e portugueses, hoje reconhecido pela Unesco como memória mundial? Estes são apenas dois dos documentos de extraordinário valor informativo e simbólico, inqualificável em termos monetários, que Portugal se orgulha de guardar nos arquivos centrais da Torre do Tombo, em Lisboa, mas preserva de olhares públicos.

O furto recente do Códice Calixtino, guia dos peregrinos datado do século XII que desapareceu da Catedral de Santiago de Compostela e cujo valor comercial pode rondar os cem milhões de euros, suscitou novos alertas sobre a segurança dos tesouros nacionais. "Nos últimos anos estas obras têm vindo a atrair redes internacionais de crime organizado e Portugal tem peças apetecíveis", nota a inspectora Teresa Esteves, da Brigada de Obras de Arte da Polícia Judiciária.

Oito casas-fortes

No interior da Torre do Tombo, oito casas-fortes, sistemas de videovigilância a funcionar 24 horas por dia e apertada segurança humana guardam a memória do País. "Temos 90 quilómetros de documentos, equivalente a uma estante entre Lisboa e Caldas da Rainha, e várias obras identificadas como tesouros nacionais", explica Silvestre Lacerda, director da casa. Com acesso particularmente controlado, esses documentos - entre os quais se encontram ‘O Livro das Aves', ‘O Apocalipse de Lorvão', os arquivos da Inquisição, a carta de Pêro Vaz de Caminha sobre o ‘achamento' do Brasil e a colecção do Corpo Cronológico (83 mil documentos diplomáticos dos séculos XII ao XVI) - estão catalogados como peças a salvar em caso de catástrofe e a preservar de qualquer tentativa de furto.

A segurança esteve na base da concepção do edifício, inaugurado há 20 anos e visitado por vários investigadores internacionais. Um estudo da European Arcadle Group detectou que grande parte dos furtos deste género de obras ocorre nas salas de leitura. Aconteceu em Santiago de Compostela e em vários países da Europa do Norte, alvo privilegiado destas redes. A Torre do Tombo reage ao perigo. "Seguiram-se critérios de preservação dos documentos e de apenas se aceder a eles em ambiente reservado. Evitar o contacto com a obra é fundamental e o que fazemos é digitalizar os documentos e disponibilizá-los apenas nesse formato. Temos disponíveis 8 milhões de imagens na internet. Mesmo em caso de grandes individualidades, estas são sempre acompanhadas e obrigadas a deixar objectos pessoais, como sacos e casacos, no exterior", adianta Silvestre Lacerda. "Não podemos desconfiar de todos, mas os furtos acontecem e o acesso aos tesouros nacionais tem de ser condicionado. Há cartões que identificam os movimentos desde que a porta se abre, além das câmaras instaladas em vários locais".

Jóias da coroa

Alvo de cobiça, o património português perdeu parte das jóias da coroa, furtadas em 2002 quando foram emprestadas para uma exposição em Haia, Holanda. Entre as peças mais valiosas, que nunca foram encontradas, estavam um anel de D. Miguel e dois diamantes em bruto. Nos anos 40 do século passado, 25 Códices Alcobacenses, iluminuras, manuscritos, incunábulos (primeiras edições impressas), livros de horas, de música e de missa, gravuras e peças de numismática foram desviadas pelo então chefe das Secções de Reservados e de Numismática da Biblioteca Nacional. Detectado o autor do roubo - pessoa até então acima de qualquer suspeita -, algumas obras foram interceptadas em antiquários e alfarrabistas, mas muitas tinham sido fragmentadas e vendidas à peça, o que prejudicou o seu valor histórico.

Menos bem sucedida foi a tentativa de roubo, em 2006, da Custódia da Sé de Lisboa, peça de arte em ouro com mais de 4 mil pedras preciosas, cujos ladrões "foram apanhados em flagrante pela polícia, após denúncia de um eventual comprador", explica Teresa Esteves.

Apesar destas peças, pela sua raridade, serem facilmente detectáveis quando chegam ao mercado e, por isso, adquiridas por coleccionadores reservados e previamente dispostos a tal, o perfil do autor do roubo está mais ou menos identificado. "A maior parte dos furtos ocorre em salas de leitura e muitas dessas pessoas identificam-se como investigadores, procuram documentos e tentam detectar as fragilidades dos vários locais por onde passam", explica Maria Inês Cordeiro, subdirectora da Biblioteca Nacional.

Há cerca de dois anos, o roubo em Espanha de gravuras e mapas em incunábulos alertou para a existência de rotas criminosas encabeçadas por indivíduos especializados em Arte e História. "A mesma pessoa esteve em Portugal, nomeadamente na Biblioteca Nacional, apresentou-se como investigador de uma universidade, mostrando papéis falsos. Quando detectamos esse perfil, alguém desconhecido, que tem pouco tempo e vem à pressa consultar documentos raros, ficamos mais atentos e mantemos sempre a vigilância física", adianta Lígia Martins, chefe da divisão de Reservados daquela organização.

Mais procura

O furto de obras e documentos históricos aumentou nos últimos dez anos, abrangendo "peças que não são tradicionalmente material de arquivo, como mapas, autógrafos e também peças iconográficas, com desenhos, o que é mais apetecível pelo coleccionador", adianta Silvestre Lacerda.

Do ponto de vista comercial, estes documentos são adquiridos por pessoas que possuem uma apetência rara por objectos históricos e dispõem de folga financeira para não perspectivar nova venda em mercado, alerta Teresa Esteves. No entanto, a informação neles contida pode ter outra rentabilidade e, à semelhança do que mostram os filmes e livros de ficção, a decifração de códigos em textos históricos pode revelar tesouros escondidos. "O interesse acrescido por mapas de determinada época indicia a tentativa de identificar as alterações nas costas marítimas para detectar eventuais achados arqueológicos", destaca a inspectora da Polícia Judiciária. Por outro lado, muitas destas obras podem ter valor de prova. "Possuímos um mapa do século XVI, de Teixeira Albernaz, que tem indicação dos habitantes à época de umas ilhas em particular que estão neste momento a ser disputadas pela China e o Vietname. Provavelmente será uma das peças levada a tribunal como valor de prova", diz Silvestre Lacerda.

Trancas na porta

Apesar de Portugal ter escapado aos roubos históricos recentes, há um cuidado acrescido em preservar a História. A actual casa Torre do Tombo, instituição que data do século XIV, foi construída para resistir a catástrofes. "A casa-forte central responde em situação de sismo e parte do edifício, construído em T, desmorona e protege essa zona, à semelhança do que aconteceu no terramoto de 1755, quando uma zona do castelo de S. Jorge ruiu, abafando e protegendo do incêndio parte significativa do arquivo nacional", refere o director da instituição, que tem no restauro e recuperação de documentos outra das prioridades.

Acompanhar os leilões e recuperar as peças raras ainda dispersas por colecções particulares é uma das missões da Biblioteca Nacional, onde mais de metade dos nove milhões investidos nas obras que estão a decorrer foram canalizados para a segurança. "Construímos uma casa-forte para os tesouros da biblioteca [em que se inclui uma rara Bíblia Hebraica do séc. XIII] com tectos, paredes e chão em cimento e ferro e uma galeria a toda a volta que permite vigilância em todos os pontos".

A Biblioteca Nacional, em Lisboa, guarda uma cópia do Códice Calixtino, cuja autoria é atribuída ao Papa Calixto II. Datada de 1175, esta versão mais modesta obedece ao mesmo texto, mas não inclui as páginas dedicadas à música e possui menos iluminuras, explica Teresa Duarte Ferreira, responsável pela área de manuscritos. A obra pertencia à Livraria da Ordem de Alcobaça e não está acessível a consulta pública.

 

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