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Re: [Archport] O Alambor do Castelo Templario

Subject :   Re: [Archport] O Alambor do Castelo Templario
Date :   Fri, 16 Sep 2011 15:23:02 +0100

Caro Rui,

Eu como tomarense, independentemente da destruição de um troço do alambor do castelo templário se ter tratado de um  acidente ou de um "incidente", sinto-me triste pelos estragos causados na estrutura em que acenta a fundação e a história da actual povoação nabantina.

Como arqueólogo, sinto-me revoltado, porque se trabalho na arqueologia preventiva desde que me formei, sei perfeitamente que este tipo de acidentes podem acontecer a qualquer um, mas também sei que muito se pode fazer (e não faz) para os prevenir, e também muito se pode ainda fazer após a sua parcial destruição.

Como teu colega de curso até me sinto um pouco embarassado por algumas das tuas afirmações: "ninguem tem o direito de "Crucificar" nem o IGESPAR,nem a dirécção do Convento de Cristo(que é muito competente), e muito menos a equipa de arqueologia que estava no local,pois ninguem sabe o que se passou na realidade,nem irá saber."
Por acaso eu conheço quem viu in loco o que se passou, e só não será do conhecimento público porque as responsabilidades são transversais a todas as pessoas e organismos envolvidos.


De facto, ainda bem que existem em Tomar movimentos cívicos de defesa do património, que, apesar de mal informados, são bastante críticos em relação a muitos dos trabalhos que afectam o património tomarense. São esses movimentos e essas pessoas que legitimam aquela que é a nossa profissão, e se somos criticados por estes, devemos antes de mais tentar entender a critica, em vez de ripostar da forma algo presunçosa que tu o fizeste: "Pessoas que querem dar nas vistas, e nada percebem sobre o assunto".
Eu não conheço as pessoas que organizaram as petições, mas entendo perfeitamente, não as suas criticas, mas sim as suas dúvidas.

São as mesmas que me assolam, e deviam assolar a todos nós:

1 - Os trabalhos que envolvem remoção de terras na envolvente de um monumento classificado, ainda por cima como património da humanidade, não deveriam ser precedidos de sondagens arqueológicas?
2 - O IGESPAR tinha conhecimento concreto do tipo de trabalhos que aí ia decorrer?
3 - Como é possível construir-se um muro de betão daquelas dimensões praticamente encostado a um edificio como o Convento de Cristo, sem justicação aparente, uma vez que os terrenos se encontravam consolidados (irónicamente pela existência do alabor que se encontrava enterrado e agora se encontra destruído)?
4- No momento em que ocorreu a destruição parcial do alambor, os trabalhos estavam a ser alvo de acompanhamento arqueológico? Se sim ou se não, qual a justificação?
5 - Que medidas foram já tomadas para se conhecer a real extensão da afectação?
6 - Que medidas serão em concreto tomadas para minimizar/compensar a afectação sobre esta estrutura?


Claro que qualquer cidadão, poderá colocar estas questões directamente à C.M. de Tomar,à direcção do Convento de Cristo, ou sobretudo, ao IGESPAR. Mas não será obrigação - se não legal, pelo menos moral - destas entidades por si só se reunirem e esclarecerem os cidadãos de forma clara sobre o que estava previsto acontecer, o que de facto aconteceu, e o que se prevê fazer para minimizar os danos causados?

Como arqueólogo, custa-me imenso pensar que os danos resultaram da falta de capacidade de um colega de profissão. Mas se o foram, que se assuma o erro. Se não foram, então que se procure o verdadeiro responsável. A culpa não pode morrer solteira, nunca!
Não se trata de crucificar alguém, mas sim de assumir responsabilidades.

Eu próprio já fui acusado da destruição de um sítio arqueológico, quando nem sequer estava presente no local, e no entanto não se quiseram procurar os verdadeiros responsáveis, porque acusar o miserável arqueólogo é sempre muito mais fácil e menos chato do que chamar á responsabilidade um empreiteiro, dono de obra ou uma tutela.

O caso do alambor é apenas mais um exemplo de destruição do património cujas culpas morrem solteiras, neste nosso país.
Numa crítica muito directa, tornam-se tremendamente ridiculas determinadas exigências (picuices e miudices da treta) a que nós arqueólogos somos sujeitos por meras normas e burocracias (por exemplo já vi um relatório estar condicionado porque um extracto de carta militar deveria ter a representação do Norte e da escala!).
Tomar é um belo exemplo deste paradigma, onde se exumaram mais de 3000 individuos, sem que uma única referência hoje ali exista a tal facto. Não deveria ser obrigação do IGESPAR exigir algum tipo de contra-partidas, mesmo quando se faz a chamada "preservação através do registo arqueológico", que mais não é do que "destruição com recurso a meios ciêntificos"?
Quem quer que se desloque às imediações da Igreja de Santa Maria do Olival desconhece o que ali existia e os trabalhos que ali foram feitos; quem se dirgir àquela zona do Castelo de Tomar não saberá que ali existiu uma estrutura que durou quase mil anos!

De que vale o nosso "registo arqueológico", se na memória das gentes ele se apaga ou nunca sequer existiu? De que vale fazermos acompanhamentos arqueológicos, escavações, termos uma lei de protecção, e um organismo que tutela o património, se no final o resultado aos olhos do comum cidadão é demasiado próximo daquele que teríamos se nada disso existisse?



Citando Rui Bernardino <rsb116@gmail.com>:

> Caros Amigos!
>
> A situação do Alambor foi um incidente de lamentar,mas o facto de o mesmo
> fazer parte do conjunto monumental  do Convento de Cristo e Castelo
> Templario,empulou logo a questão. Pessoas que querem dar nas vistas, e nada
> percebem sobre o assunto(principalmente em Tomar) organizaram
> concentrações,
> petições a favor dos estragos feitos no mesmo.Ora acontece que
> ninguem tem o
> direito de "Crucificar" nem o IGESPAR,nem a dirécção do Convento de
> Cristo(
> que é muito competente), e muito menos a equipa de arqueologia que estava no
> local,pois ninguem sabe o que se passou na realidade,nem irá saber.Vamos ser
> construtivos,ter novas ideias e deixar de criticar aqueles que pertencem á
> nossa classe.Aquilo só acontece a quem trabalha,e não aos outros.
>
>
>
>
> Saudações cordiais.
>
>
> Rui M A Bernardino




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