Lista archport

Mensagem

Re: [Archport] Ainda o portal

Subject :   Re: [Archport] Ainda o portal
From :   Alexandre Monteiro <no.arame@gmail.com>
Date :   Mon, 7 May 2012 12:15:17 +0100

Antes de mais, queria agradecer ao António Valera o ter levantado esta questão, que desconhecia de todo - haver relatórios que não podem ser divulgados porque a informação contida neles pode afectar negativamente o valor de um empreendimento ou complicar o acesso ao financiamento por parte do promotor é algo sinistro e aberrante, soando quase a sonegação de dados (o que deverá, no mínimo, configurar um problema ético, se não mesmo legal, para o promotor da obra).

Seja como for, essa é a perspectivo do privado. 

Do ponto de vista do público em geral (e não sendo eu, de todo, jurista, logo a minha opinião vale o que vale) haver uma divulgação pública e integral de relatórios arqueológicos aprovados,  parece-me ser uma questão clara. Cristalina, até.

Primeiro, porque o património cultural constitui um assunto que não pode deixar de dizer respeito a todos e a cada um dos cidadãos. 

Segundo, ao contrário de parte dos bens culturais, tout court, é necessariamente pública a titularidade  dos bens arqueológicos.

Terceiro, porque mesmo não constituindo o património cultural reserva do Estado, nem das demais entidades públicas, não deixa de ser indiscutível o facto de ser o Estado e demais entidade públicas territoriais (IGESPAR e Direcções Regionais de Cultura insulares) os primeiros e principais responsáveis pela tutela do património, tanto no que importa à sua conservação, estudo e salvaguarda, como no que toca à sua divulgação.

No caso em apreço, parece-me que sobre a mesma coisa - os bens arqueológicos, ou mais propriamente, os estudos feitos sobre os bens arqueológicos, presentes e/ou ausentes, num determinado local - incidem vários interesses juridicamente protegidos: os do dono da obra, condição que acumula geralmente com a de proprietário, que paga o estudo; os da empresa de arqueologia, que realiza esse estudo; os da tutela, que quer fazer aplicar o quadro legislativo em vigor e prosseguir os objectivos consagrados na sua lei orgânica; os interesses difusos dos cidadãos em geral, em formato de "res communis", ou até, quiçá da humanidade em geral, sendo suficientemente forte a importância do sítio (Foz Côa, por exemplo), e finalmente, o interesse cultural.

Havendo que exercer douta ponderação e dirimir conflitos entre todos estes interesses, há obviamente um destes interesses que releva, por estar protegido pela Constituição: o interesse cultural.

Ora o interesse cultural é, presentemente, definido por 3 traços estruturais: a sociabilidade, a imaterialidade e a publicidade.

Atentemos neste último - que mais não é do que  a expressão da fruibilidade universal e necessária dos valores culturais por parte da comunidade - é mandatório que todas as intervenções previstas pelo legislador sobre esse património sejam executadas tendo sempre como fim último a sua melhor fruibilidade social, para motivos de gozo estético, de elevação cultural ou para estudos científicos.

Mas há mais. Não só a sua divulgação está constitucionalmente protegida como esta está  também contemplada nas convenções internacionais a que Portugal está obrigado - Convenções essas que, no nosso ordenamento jurídico (embora ocupando uma posição infraconstitucional) são supralegais, ou seja, dominam por sobre todas as nossa leis. 

E tanto as Convenções de Malta, de 1992 (nos seus artigos 5º, 6º, 7º e 9º), como a de Paris, de 2001 (Pontos XII e XIII do Anexo) são claras: os relatórios de uma escavação são parte integrante dessa escavação, de um sítio, de um contexto e devem ser tornados públicos (a única excepção a esta divulgação pública deve ser a que já está consagrada na lei, sendo de circulação reservada os relatórios quando a fruição pública dos bens culturais neles descrita ou localizada ponha em perigo a sua segurança, a sua preservação e/ou a sua conservação).

Finalmente, relembro que aquilo que o IGESPAR pretende não é bem "por na rua" os relatórios de escavação e/ou prospecção, mas apenas facultar o seu acesso aos utilizadores registados no portal, utilizadores esses que presumimos serem todos arqueólogos, dotados de bom senso e de correcção científica. 

E, mesmo que a única vantagem que este portal tenha seja de a de consubstanciar aos outros intervenieentes no Património as "bibliometrias" de que o António Valera falava  numa das últimas Al-madan, já daria por bem empregue o esforço.




Em 7 de maio de 2012 09:15, <antoniovalera@era-arqueologia.pt> escreveu:
Para além de corrigir a "valização" (naturalmente validação) do comentário anterior, queria acrescentar o seguinte relativamente a disponibilização de relatório e uso da informação:

 - Em alguns trabalhos de Arqueologia de Minimização há contratos que impedem a divulgação e publicação de informação sem autorização expressa dos clientes. Como conciliar esta questão com o livre acesso a relatórios entendidos como publicação de livre acesso e citação? É que estamos perante reações jurídicas contratuais que podem trazer complicações, pois estão enquadrados por problemas que transcendem o "simples" problema arqueológico e podem, por exemplo, ter consequências ao nível do financiamento bancário na ponderação do risco de uma obra ou na valorização / desvalorização de terrenos, etc. Por outras palavras, o assunto pode ser mais complexo do que parece à primeira vista e deverá ser bem ponderado e a decisão final deve ter uma base legal sólida.

António Carlos Valera
Direcção do Núcleo de Investigação Arqueológica - NIA
ERA Arqueologia SA.
Cç. de Santa Catarina, 9C,
1495-705 Cruz Quebrada - Dafundo
antoniovalera@era-arqueologia.pt
www.era-arqueologia.pt
_______________________________________________
Archport mailing list
Archport@ci.uc.pt
http://ml.ci.uc.pt/mailman/listinfo/archport



Mensagem anterior por data: [Archport] Veleia 28 2011 Próxima mensagem por data: Re: [Archport] IGESPAR: Portal do Arqueólogo
Mensagem anterior por assunto: [Archport] Ainda o portal Próxima mensagem por assunto: Re: [Archport] Ainda o portal