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Descoberto perto de Silves o vestígio judaico mais antigo da Península Ibérica
0.05.2012 - 11:20 Por Ana Gerschenfeld, Idálio Revez
Trata-se de uma placa de mármore que, ao que tudo indica, terá sido
uma lápide funerária e que data, no mínimo, do fim do século IV da
nossa era.
Quem terá sido Yehiel? Talvez um escravo judeu que viveu - e morreu -
há mais de 1600 anos numa sumptuosa vila romana (uma casa senhorial)
perto de Silves, no Algarve? Talvez nunca venha a saber-se. Mas o que
parece estar garantido é que a descoberta agora anunciada por
arqueólogos alemães, realizada em colaboração com arqueólogos
portugueses, representa o mais antigo vestígio cultural judaico jamais
encontrado na Península Ibérica.
A equipa de Dennis Graen, da Universidade Friedrich Schiller de Jena,
na Alemanha, anda há três anos a escavar as ruínas de uma vila romana
descoberta em 2005 por Jorge Correia no sítio das Cortes, próximo de
São Bartolomeu de Messines e da Estrada Nacional 124. Na altura, este
arqueólogo da Câmara Municipal de Silves encontrara cerâmicas e
mosaicos romanos à superfície.
O concelho de Silves é rico em vestígios históricos. A descoberta foi
há quase um ano, mas só agora viu confirmada a sua importância. "Isto
é uma paixão", diz-nos o arqueólogo português, que, embora não tenha
feito parte da equipa que procedeu à escavação, acompanhou de perto os
trabalhos. "Conheço bem o terreno, e estava aqui todos os dias."
À vista encontram-se as estruturas da vila romana, com mais de cem
metros quadrados, que teriam sido destinadas ao curral e outras
instalações de apoio aos animais. A parte principal da vila continua
por descobrir e, em Setembro, as escavações vão ser retomadas. Mas
enquanto o proprietário do terreno onde decorreram até aqui as
escavações não levantou qualquer obstáculo, o vizinho das terras ao
lado não as autorizou, conta Jorge Correia.
Contactado pelo PÚBLICO, Graen explica de onde veio o interesse da
equipa alemã por aquele local: "Em 2008, estávamos à procura de um
sítio interessante para começar um projecto." O objectivo inicial era
estudar o modo de vida dos habitantes do interior da província romana
da Lusitânia. Enquanto a costa portuguesa já tinha sido bastante
explorada, o mesmo não acontecera no interior algarvio.
Para a presidente da Câmara de Silves, Isabel Soares, a universidade
alemã pode contribuir para despertar ainda mais o valor histórico do
município, pois a comunidade local "não dá muitas vezes valor ao
património". A importância de Silves na época do domínio árabe faz com
que, a cada passo, se encontrem sinais históricos a lembrar esse
passado. A propósito do novo achado na vila romana, diz Isabel Soares:
"A comunidade judaica não deixará certamente de se identificar com
este local."
O contacto entre especialistas alemães e portugueses "foi estabelecido
por Pedro Barros, responsável pela Extensão do Algarve do Igespar"
(Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico),
salienta Graen. "Após termos localizado com técnicas de prospecção
geofísica a posição das estruturas soterradas, começámos a escavar em
2009."
Mas naquela altura os cientistas não estavam de todo à procura de
sinais da cultura judaica. "Na realidade", diz Henning Wabersich, um
dos elementos da equipa de escavação, em comunicado da universidade,
"estávamos à espera de encontrar alguma inscrição em latim, quando
demos com a lápide." Os cientistas demorariam algum tempo a determinar
em que língua estava inscrita.
A placa, de mármore, mede 40 centímetros por 60 e nela lê-se o nome
"Yehiel" (um nome mencionado na Bíblia), seguido de uma série de
letras cuja decifração ainda está em curso. Hastes de veado
descobertas junto da lápide, que foram entretanto datadas por
radiocarbono, remontam ao ano 390 da era cristã, o que sugere que a
lápide não pode ser posterior a essa data.
Bênção do céu
Até aqui, o vestígio arqueológico mais antigo deixado por judeus no
actual território de Portugal era uma lápide funerária com uma
inscrição em latim e uma gravura de uma menorá (candelabro de sete
braços) datada de quase cem anos mais tarde: 482 d.C. "Essa lápide foi
encontrada na basílica paleocristã de Mértola, no Sudeste do
Alentejo", diz-nos ainda Graen. Há também duas inscrições em hebraico
que, salienta o investigador, "datam provavelmente dos séculos VII ou
VIII e foram descobertas em Espiche (Lagos) no século XIX".O novo
achado tem uma outra particularidade absolutamente inédita, para além
da sua idade, como frisa Graen: "Em todo o Império Romano, nunca foi
encontrado até aqui qualquer outro vestígio hebraico/judaico numa vila
romana."
Perguntamos-lhe: poderá Yehiel ter sido um escravo a viver na casa de
Cortes naquela altura? "Sim, seria uma possibilidade", responde. "Mas
talvez o dono da casa fosse judeu - ou, mais provavelmente, talvez
tenha havido um cemitério na proximidade da casa e a lápide veio dali."
Por que é que ainda não foi possível decifrar toda a inscrição? "A má
qualidade dificulta a decifração", diz Graen. "Mas fui contactado
ainda hoje [ontem] por mais um perito que me garante que consegue ler
"O judeu recebeu a bênção do céu"."
Porém, Graen frisa que a inscrição não estará em hebraico: "Foi
provavelmente escrita em aramaico ou noutra língua semita." Mas de uma
coisa ele não tem dúvidas: "É a lápide do túmulo de um homem da Judeia
e, portanto, é o mais antigo vestígio deixado por um judeu na
Península Ibérica."
Fonte:
http://publico.pt/Ci%C3%AAncias/descoberto-perto-de-silves-o-vestigio-judaico-mais-antigo-da-peninsula-iberica-1548183