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Re: [Archport] Açores: o Amenti, os Fenícios e outras fantasias

To :   "Alexandre Monteiro" <no.arame@gmail.com>, archport-bounces@ci.uc.pt, "archport" <archport@ci.uc.pt>
Subject :   Re: [Archport] Açores: o Amenti, os Fenícios e outras fantasias
Date :   Sun, 16 Sep 2012 09:17:50 +0000

Muito bom




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-----Original Message-----
From: Alexandre Monteiro <no.arame@gmail.com>
Sender: archport-bounces@ci.uc.pt
Date: Sun, 16 Sep 2012 08:38:35 
To: archport<archport@ci.uc.pt>
Subject: [Archport] Açores: o Amenti, os Fenícios e outras fantasias

O Amenti, os Fenícios e outras fantasias

Daniel de Sá, Correio dos Açores, 12 Setembro 2012 [Opinião]

Continua a assistir-se a um grotesco sensacionalismo de supostos
achados arqueológicos na Terceira. Que uma vez mais põem em causa a
primazia dos portugueses na descoberta dos Açores, que os também
supostos arqueólogos consideram que é devida aos fenícios, ou à sua
variante, os cartagineses. Mas há outros que apostam nos egípcios ou
nos romanos. E alguns nos víquingues ou nos chineses. Deste modo,
acabam por contribuir todos mutuamente para o seu próprio descrédito.
É como a questão da naturalidade de Colombo. Que é catalão, e é
galego, e é alentejano, e é madeirense, e é nórdico, e mais não sei o
quê. Perante tantas contradições, até os menos conhecedores da
História desconfiam.

Já no ano passado haviam sido descobertos imaginários hipogeus no
Corvo e na Terceira. Sem mais nem menos, um qualquer Indiana Jones, em
versão metamorfoseada, num simples passeio encontrara uns quantos. O
que, no caso de os achados serem autênticos, faria com que estas ilhas
tivessem sido habitadas por pacóvios que durante mais de cinco séculos
nunca deram por tão estranhas sepulturas. Ou como se em História
bastassem as aparências para se tirarem conclusões imediatas.

Mas para o delírio não existem limites. Há algum tempo, andou uma
senhora a escavar numa pastagem tentando provar que a Terceira seria o
Ovo Cósmico, onde teriam nascido os faraós. Pouco antes de ser posta a
andar dali para fora, a exploradora afirmara estar prestes a descobrir
o Amenti, o templo onde Osíris julgava os mortos. O templo estaria
soterrado devido a uma inundação, pelo que não se sabe se os
venerandos defuntos egípcios morreram uma segunda vez… E pensar que as
profanas vacas da Terceira se passeiam sobre tão divino monumento…
Ainda se fosse o sagrado boi Ápis ou ao menos bezerros do Espírito
Santo… (De preferência brancos, como o que António Dacosta pintou.)
Mesmo assim o trabalho não foi em vão. A esforçada investigadora,
sócia da Sociedade de Geografia de Lisboa, encontrara entretanto
“estatuetas do deus Seth, da vaca Hator, do falcão Hórus e macacos
(deus Thoth).” No seu blogue “Geometrias Variáveis”, Filipe Fernandes,
que tem tanto de humor quanto de cultura e de bem saber escrever,
disse que para chegar à conclusão de que a Ilha de Jesus seria o Ovo
Cósmico bastaram à lunática senhora o Google Earth, um antigo mapa
egípcio e quinze minutos…

Quanto a uma construção, revelada no interior da Terceira e com algum
exagero chamada megalítica, pensemos um pouco. A primeira ideia de
quem vê os altos muros que cercam as quintas da Fajã de Baixo é a de
que se destinaram a protegê-las dos ladrões. Ora os habitantes daquele
lugar não são mais desonestos que os da Maia, e, no entanto, aqui as
propriedades são divididas com canas ou pouco mais que nada. O
problema da Fajã foi outro. Havia que limpar o chão da abundância de
pedras. Pondo-as umas sobre as outras poupava-se espaço e conseguia-se
algum abrigo contra o vento, além de que se dificultava o trabalho dos
gatunos. Pois que haveria de ter feito quem deu com aquelas lajes de
tamanho razoável no meio do mato? Aproveitá-las para construir um
abrigo contra chuva e vento frio. Se não foi isso não terá sido algo
muito diferente.

Agora dêmos um passeio ao histórico Monte Brasil. Aí é de pasmar que
alguém tenha conseguido ver hipotéticos templos cartagineses. Eu, se
fosse arqueólogo, nunca procuraria sinais de culto de fenícios ou
cartagineses – o que vem a dar quase no mesmo – em grutas, quer
naturais quer escavadas por mãos humanas. E, se em alguma encontrasse
indícios de ter servido de templo, o primeiro povo que excluiria
seriam eles, precisamente. Por uma razão muito simples: os fenícios
adoravam ao ar livre! Só nas cidades faziam templos cobertos. E que
tenha sido dito que foram encontradas inscrições rupestres do tempo da
Idade do Bronze, isto só confirma que tal arqueólogo não percebe de
pedras nem de História. A Idade do Bronze, tal como qualquer outra das
antigas, não teve data marcada para acabar em todo o Mundo. A cultura
neolítica, por exemplo, manteve-se nas ilhas japonesas até à mudança
da era. E ainda há povos que vivem nela. Neste sentido universal, a
arte rupestre não coexistiu nunca com a Idade do Bronze. E, para além
de os fenícios só terem estado interessados em lugares conhecidos onde
pudessem comerciar e roubar, é inconcebível que viessem à Terceira
fazer umas garatujas quaisquer, eles que até tinham inventado o
alfabeto. Pois, e convém não esquecer que o que restava da civilização
fenícia no Médio Oriente morreu em 332 a. C., na então ainda ilha de
Tiro, quando Alexandre Magno conquistou a quase invulnerável cidade.
Quanto a Cartago, “delenda est” desde 146 a. C, por obra e desgraça de
Cipião, o Africano.

Para ornamentar mais ainda o quadro, há a hipótese de uns quantos
caracteres romanos. Mas não é com tão duvidosas letras que se rescreve
a História.

Autor: Daniel de Sá


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