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[Archport] Fw: Público e Privado

Subject :   [Archport] Fw: Público e Privado
Date :   Wed, 17 Oct 2012 10:19:33 +0100

Caro Luís Raposo,

... e no entanto estamos a conversar.
Ao trazer o problema para o plano das pessoas, dos agentes, não creio estar a falar de forma abstracta, antes pelo contrário. É uma escala do problema bem concreta. Abstractos são os modelos, embora seja com eles que procuramos conformar a nossa acção individual e colectiva.
Neste eterno debate, como referia o Victor Jorge, o que me incomoda não é a existência de Estado com "serviços públicos executados por agentes públicos". Para mim sobre isso não há grande dúvida: não concebo que possa ser de outra maneira. O que me incomoda é o juízo ético e moral lançado sobre a acção de quem não age no serviço público e a confusão entre agir "no serviço público", "agir ao serviço do público" e "agir servindo-se do público". Ora se no primeiro caso estão representados apenas os funcionários públicos, nos restantes dois estão todos representados, incluindo os funcionários públicos.
Ou seja, a ética e moralidade que informa as opções ideológicas e políticas não pode ser alheia à prática observada e registada e ser também ela idealizada. E como nisso não vejo grandes diferenças, reconheço que é cada vez mais difícil optar incondicionalmente por um dos lados.
Que um Estado para poder ser soberano tenha que dispor de meios para o ser, parece-me óbvio. No caso específico do Património, parece-me perfeitamente natural que chame a si a responsabilidade de deter e administrar património de interesse nacional e mundial. Que o utilize no âmbito do seu programa político e ideológico. Mas nada impede que na gestão patrimonial, a sociedade, dita civil, seja chamada a participar sem que o anátma "lucro" seja de imediato evocado. Essa participação até poderá ser "moderadora" de excessos de manipulação ideológica do património e dos discursos sobre ele produzidos. A pluralidade é um bem e um dinâmo e nem sempre o Estado tende a garanti-la, habituado que está a impor. É que a generalização de que quem se mexe se mexe antes demais por lucro é uma imagem grosseira. A ser assim, não existiriam agentes na área do património arqueológico, por exemplo.

E por aqui me fico, pois este assunto é complexo e sério e nada compatível com os simplismos, generalizações e outras coisas que inevitavelmente estas mensagens acabam por aqui assumir.


António Carlos Valera
Direcção do Núcleo de Investigação Arqueológica - NIA
ERA Arqueologia SA.
Cç. de Santa Catarina, 9C,
1495-705 Cruz Quebrada - Dafundo
antoniovalera@era-arqueologia.pt
www.era-arqueologia.pt
----- Forwarded by António Valera/ERA on 17-10-2012 09:40 -----
"LRaposo" <3raposos@sapo.pt>
Sent by: archport-bounces@ci.uc.pt

17-10-2012 09:09

To
"ARCHPORT" <Archport@ci.uc.pt>
cc
Subject
Re: [Archport] Público e Privado





Caro António Valera,
Concordo na substância com quase tudo o que dizes abaixo, mas isso é pouco importa.
Discordaria apenas num ponto pequeno, porventura menor: numa sociedade política organizada, seja ela tribal ou estatal, o “bem comum”, que é difuso, reconheço, é definido através das modalidades encontradas para investir alguns do poder da representação e da acção em nome de todos.
No caso concreto – e é esse que afinal motiva o comentário – os monumentos a que colectivamente foi entendido reconhecer significado simbólico comum podem evidentemente ser geridos por privados, visando (muito legitimamente) não apenas a satisfação das suas necessidades de vida (tão respeitáveis como as dos “agentes públicos”), como a acumulação de recursos que lhes permitam maior ascendência presente, ou futura, sobre terceiros, ou seja, aquilo que habitualmente se chama “lucro” (coisa que aos “agentes públicos” é interdita, vá-se lá saber porquê...).
Podem os monumentos ser assim geridos privadamente, desde logo debaixo de ideologias liberais que eu nem sequer contesto (até porque intervim inicialmente nesta matéria como Presidente do ICOM Portugal e, nesta qualidade, não me é lícito optar pelas minhas convicções e ideologias pessoais). Mas podem também ser geridos privadamente debaixo de ideologias estatistas, embora admito que dentro de baias e critérios de eficiência e eficácia muito mais restritos.
Podem, mas não nos iludamos: quem paga sempre a factura somos todos nós, através dos recursos que colocamos à disposição do Estado (ou que o Estado nos confisca, enquanto o deixarmos, está claro).
Mas, sim senhor, aceito que podem. É por isso que ouso acrescentar não ser nessa oposição que está o verdadeiro problema. Está este, segundo creio, em saber, por um lado, se / quando / como existem para nós, colectivamente falando, ganhos sociais, nessa opção gestionária privada. No plano material, por exemplo, se ela não envolve por exemplo custos superiores ao que a gestão pública poderia alcançar e se não dificulta, ou impede mesmo, a prossecução de políticas coerentes nacionais, em que o “rentável” contribua para o “não rentável”. E no plano social e simbólico, por exemplo, se ela promove melhor a cidadania, quer dizer, a discussão reflexiva sobre identidades (convergências e divergências) comuns.
Bem vistas as coisas, o grande problema é de natureza política mais ampla, diria ideológica e simbólica, a saber: justifica-se a existência de Estado e de serviços públicos executados por agentes públicos ? Ou tudo pode ser privatizado, mesmo que por tal entendo apenas a entrega a gestão privada, mantendo todavia a propriedade pública ? As estradas, os tribunais, a polícia, as prisões… enfim, a memória que nos faz sentir cidadãos, europeus em certos aspectos, portugueses portugueses noutros, minhotos ou alentejanos noutros ainda ?
Reclamar contra o simplismo da oposição “público” e “privado” de uma forma abstracta – no que podemos todos concordar – quando se está perante questões concretas mais não constitui do que desconversar.
Luís Raposo
 
 
 

----- Original Message -----
From: antoniovalera@era-arqueologia.pt
To:  
Sent: Tuesday, October 16, 2012 11:15 PM
Subject: [Archport] Público e Privado

 Há hoje, em Portugal (ou anda por cá há muito, mas hoje ganha maior relevo), uma perigosa dicotomia em crescendo: o público vs privado. As virtudes estão num lado ou noutro, segundo a perspectiva, frequentemente interessada (como são, naturalmente, todas as perspectivas). No dia de hoje, o confronto voltou à cultura e ao património.

Confesso-me cansado com este pelejar. Como se não houvesse no público incompetência e abuso (quantos no público não se comportam com o que está à sua guarda como se fosse para uso e benefício privado, seu?); como se no privado não houvesse incompetência e má fé egoísta; como se no público não houvesse dedicação e entrega séria à causa pública; como se no privado não existisse seriedade e contribuição decisiva para o que de bom fazemos em benefício da nossa vida social. Enfim, como se quem entra para a função pública fosse tocado por uma varinha mágica que o transforma num fiel intérprete do bem comum, paladino contra os interesses egoístas dos que não partilham o público privilégio; como se quem se dedica ao serviço do Estado não seja competente e deligente na defesa do difuso bem comum.


Incompetência, má fé, abusos, egoísmos, ética e falta dela, são características de pessoas, não da área (pública ou privada) onde estão presentes.


Será que teremos que continuar eternamente no balancear entre estes pólos que, de um lado e do outro destas barricadas que só servem aos respectivos instalados, se vão guerreando com farpas a que falta o poder de uma argumentação séria (aquela que também assume a autocrítica)?

Como escreveu Rentes de Carvalho, e diria alguém que eu conheço, "Cada critério é fatalmente sujeito a erros. Cada crítica facilmente contraditável."

A situação requere maturidade, empenhamento e uma capacidade crítica para separar o trigo do joio e ambos estão por todo o lado. Centremo-nos pois no trigo e no joio e não tanto no "lado".


António Carlos Valera
Direcção do Núcleo de Investigação Arqueológica - NIA
ERA Arqueologia SA.
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1495-705 Cruz Quebrada - Dafundo
antoniovalera@era-arqueologia.pt

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