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[Archport] Enc: Público e Privado : "realizar cultura" - Governo e Estado

Subject :   [Archport] Enc: Público e Privado : "realizar cultura" - Governo e Estado
From :   Ricardo Gaidão <caioviator@yahoo.com.br>
Date :   Wed, 17 Oct 2012 15:17:18 -0700 (PDT)

Caro Alexandre,

Quando recorro ao termo Estado uso-o, da mesma forma ostensivamente abusiva (e irónica), que aqueles que perfilham a cartilha neo-liberal da Sra. Thatcher.

Estou perfeitamente ciente da diferença entre Governo(s) e Estado, mas considero que é através do primeiro que se efectuam alterações, por vezes muito profundas, no último.

Embora Luís XIV tenha sido o primeiro, segundo creio, a verbalizar "L'état, c'est moi", muitos outros, para nosso mal, continuam ainda a seguir-lhe o exemplo. 

Quanto ao resto subscrevo inteiramente o que disse.


Citando Alexandre Monteiro:

"Caro Ricardo

Acho que está a olhar para este assunto com alguma miopia.

Vamos lá dissecar isto até ao osso.

Em primeiro lugar, como bem dizia a Thatcher, nas democracias
similares à nossa não há dinheiros público - há dinheiros privados.

Em segundo lugar, há que não confundir Estado com Governo.

O Estado moderno é uma estrutura mental e social que está - umas vezes
mais, outras vezes, menos - em processo de afinação constante desde há
cerca de 400 anos, tendo sido pensada e debatida desde Maquiavel até
Milton Friedman, passando por Thomas More e Marx.
"



----- Mensagem encaminhada -----
De: Alexandre Monteiro <no.arame@gmail.com>
Para: archport <archport@ci.uc.pt>
Enviadas: Quarta-feira, 17 de Outubro de 2012 13:04
Assunto: Re: [Archport] Público e Privado : "realizar cultura"

Caro Ricardo

Acho que está a olhar para este assunto com alguma miopia.

Vamos lá dissecar isto até ao osso.

Em primeiro lugar, como bem dizia a Thatcher, nas democracias
similares à nossa não há dinheiros público - há dinheiros privados.

Em segundo lugar, há que não confundir Estado com Governo.

O Estado moderno é uma estrutura mental e social que está - umas vezes
mais, outras vezes, menos - em processo de afinação constante desde há
cerca de 400 anos, tendo sido pensada e debatida desde Maquiavel até
Milton Friedman, passando por Thomas More e Marx.

Na conjuntura actual, e tal como o eu o entendo, o Estado corporiza um
contracto que é estabelecido entre os cidadãos dessa sociedade, com o
fito da prossecução de determinados objectivos comuns e que se pode
resumir da seguinte maneira: o Estado proporciona-nos segurança de
pessoas e bens, defesa contra as agressões por parte de outros Estados
ou de outros inimigos internos ou externos que querem subverter essa
mesma concepção de Estado, acesso a uma justiça lesta e justa (passe o
pleonasmo), equidade, possibilidade de melhoria de vida, numa
progressão natural ao longo da Pirâmide de Maslow, e protecção aos
mais fracos.


Esta estrutura implica direitos e deveres - os mais básicos e
fundamentais deles estão plasmados na nossa Constituição. Um desses
deveres é o de haver redistribuição da riqueza: ou seja o cidadão
aceita em contribuir com parte da sua riqueza, que é confiscada e
taxada, para a elaboração de um bolo comum. É desse bolo comum que
sairão as verbas que permitirão alcançar os objectivos do Estado:
proteger o património e o ambiente, ordenar o território e assegurar o
funcionamento da magistratura, dos técnicos de saúde e de educação bem
como dos elementos policiais e castrenses, sem esquecer todos os
outros que asseguram a normal burocracia do Estado e ainda todos os
outros que nos mantêm as ruas limpas, as estradas arranjadas, os
restaurantes inspeccionados, os transportes públicos a funcionar, e os
aviões em segurança no ar.

É também desse bolo que saem as pensões e as reformas que, a não
esquecer nunca, não são esmolas nem dinheiro dado de borla: é dinheiro
que nós emprestámos ao Estado quando podíamos trabalhar e contribuir
para a riqueza do país e que nos é devolvido quando deixarmos de o
poder fazer e entramos, à luz daquilo que é a ideia corrente de Estado
que subscrevemos, na chamada terceira idade.
Já o Governo é composto por um conjunto de pessoas que gere a
estratégia do Estado.
Comungando de uma certa e determinada ideologia, grupos de cidadãos
organizados em bandos chamados partidos, submete-se regularmente ao
escrutínio dos seus pares, apresentando um programa e um manifesto de
intenções. O grosso deste programa consiste numa única pergunta - em
que se irá gastar o bolo de dinheiro que os cidadãos contribuintes
(nacionais e até estrangeiros, veja-se o caso das verbas europeias
dentro da CE) confiam ao Estado? – e numa única resposta, que dá pelo
nome de Orçamento de Estado.

Ora idealmente, o Governo deve gerir o Estado respeitando a sua
Constituição e as leis que herdou da sociedade que o precedeu bem como
as expectativas legítimas e os usos e costumes da sociedade. Só
depois, mas mesmo só depois, terá a liberdade para acrescentar,
suprimir ou até alterar o edifício legal que nos rege utilizando o que
sobrou do gasto com a educação, cultura, segurança, saúde, justiça e
gestão burocrática. É aqui que entram os objectivos prometidos pelo
Governo eleito e que podem ser tão díspares como legalizar a IVG, o
casamento entre pessoas do mesmo sexo, promover (ou reformar) a
reforma agrária, a privatização dos transportes públicos ou a
subsidiação forte das actividades ditas culturais (quando afinal,
cultura é tudo aquilo que nos rodeia).

Infelizmente, chegados aqui, hoje, a 2012, a situação é complicada.
Alguém tem que pagar a A24, a A23, a A19, os estádios de futebol do
Euro 2004, o BPN, os submarinos, os sobreiros da Portucale, o caso
Freeport, o novo aeroporto de Beja, os estudos e as indeminizações do
aeroporto Ota-Alcochete, os carros de alta cilindrada do Governo, as
ex-Scuts, as PPP, as rotundas de Cascais do tempo do Judas, os
ordenados obscenos dos "gestores" públicos, as alcavalas e as avenças
das grandes empresas (privadas) de advogados que assessoram as
instituições (públicas) que, paradoxalmente estão infestadas de
“juristas”, as prebendas das empresas de comunicação, os privilégios
dos "técnicos assessores" ainda mal saídos da puberdade,  enfim, todo
esse regabofe em que temos vivido desde os tempos áureos da adesão à
CEE ou, quiçá, desde que descobrimos que se podia trocar ouro por
cobre e panos nas paragens da Mina.

Mas porque é que chegámos aqui? Chegámos aqui porque os sucessivos
Governos que nos têm desgovernado têm vindo a rasgar o contracto
social a que nos obrigamos, fazendo uma péssima gestão do bolo comum,
gastando onde não devem e cortando onde não podem cortar. Mas isto não
pode ser. Porque se eu sustento IMI, IVA, IRS, IPP, porque se cada vez
que vou jantar a dois convido o Estado para se sentar à minha mesa, ao
pagar-lhe 23% do que consumo (ainda mais escandaloso do que o Quinto
Real!), porque se sou obrigado a sustentar as energias renováveis e a
RTP e demais ficções estatais ou privadas na minha factura da energia,
então eu exijo – EXIJO! – que haja dinheiro para saúde, justiça,
segurança, cultura e ambiente e que os mais pobres sejam protegidos e
defendidos nos seus direitos mais básicos.

Mas claro, por mais que eu exija, de nada adianta. Aliás, é agora até
voz comum dizer-se que a culpa não é “deles” mas “nossa”, nós, que
vivemos acima das nossas possibilidades, durante estes anos todos,
paralisado pela doce canção do crédito fácil e das verbas da "Europa",
viajando para o Brasil todos os anos, indo na Páscoa “à neve”,
trocando o Audi pelo BMW, de três em três anos...

Balelas, tudo mentira e areia para os olhos.

Um orçamento é uma política. É ter 800 euros para gastar num mês e
saber escolher entre:

1)    pagar água, luz, gasolina, medicamentos, comida, renda, impostos,
taxas, um livro e uma saída ao cinema, ou

2)    ir jantar ao Gambrinus e comprar uma carteira Louis Vuitton.

Fazer um orçamento é saber escolher entre alternativas e escolher com
base na prudência, na experiência, na frugalidade e na justiça. Fazer
um orçamento não é usar o dinheiro que se tem, que não é nosso, e
dá-lo a quem nos promete carreiras e empregos em zonas de conforto
estratosférico e o resto da canalha que se foda.

(Também infelizmente, é verdade que temos o que merecemos. O Governo
PS dos Açores – o tal que quer construir um terminal de cruzeiros
inútil, ilegal, perigoso, sustentado em zero estudos de
custo-benefício à custa da destruição do património cultural
subaquático e que custará, no mínimo, 60 milhões de euros do nosso
dinheiro – esse mesmo Governo que tem os piores indicadores sociais,
acabou de ser reeleito com maioria absoluta).




Em 17 de outubro de 2012 11:06, Ricardo Charters d'Azevedo
<ricardo.charters@gmail.com> escreveu:
> A questão, sejamos claros, não é entre "publico e privado". Não ! Deixemos
> de olhar para o lado. A questão é de saber se  temos dinheiro (dotações
> orçamentais, como se deve dizer hoje, em tempos de OE) para "realizar
> cultura", ou melhor, toda a cultura que alguns dizem que temos direito. Ao
> cidadão coloca-se a questão de saber se aceita que lhe cortem mais nas
> pensões, nos salários, nos apoios sociais, na educação dos filhos, na
> saúde, para que se possa "realizar cultura", ou desenvolvimento de uma
> outra actividade que não se inclua nas prestações básicas do Estado.
> Mesmos estas, em muitos sectores, como a saúde, a educação, etc,  já se
> privatizam. A segurança (já há aqui também privatizações !) já não é uma
> função básica do Estado intocável pelas privatizações.
> Lembro que o cidadão que gosta de "cultura", não sai agora de casa pois
> não tem dinheiro, reduzindo (ou anulando) a ida a museus, espectáculos,
> etc. etc.
> Pois é ... mas é importante que não "abandonemos" o sector, mas julgo que
> o vamos ver a hibernar por uns anos, pois entre não pagar subsídios de
> desemprego e ter um museu aberto...
> Não havendo pão todos ralham...
> A resposta que o cidadão dará, se lhe perguntarmos, sabemos nós
> Cumprimentos
> Ricardo Charters d'Azevedo
>
> PS: Sejamos realistas. Ver a noticia abaixo, do SOL, que mostra para onde
> caminhamos
> *********
>
> --------------------------------------
> Proibição de contratar  serviços provoca caos. Cinemateca não pode usar
> Via Verde para transportar filmes. Formação de jovens no IEFP foi
> afectada.
> As restrições orçamentais impostas pelo Ministério das Finanças estão a
> deixar os serviços do Estado de mãos atadas. Um despacho de Vítor Gaspar,
> emitido há um mês, proibiu a aquisição de serviços na administração
> central, uma decisão que afecta múltiplos organismos e empresas públicas.
>
> A Cinemateca, que já ficou impedida de legendar filmes, também deixou de
> usar a Via Verde para transportar as películas para as salas de projecção.
> No Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), a formação de
> jovens esteve parada durante semanas.
> O despacho do ministro foi emitido para controlar a despesa pública até ao
> final do ano e, além dos serviços públicos, abrange as entidades com
> autonomia de gestão que fazem parte do perímetro orçamental. É o caso de
> empresas públicas de transportes, da RTP, dos teatros nacionais de São
> Carlos e de São João, da Companhia Nacional de Bailado e da Cinemateca
> Nacional.
> No caso deste último organismo, o impedimento de adquirir serviços
> externos é um quebra-cabeças constante. Segundo explicou ao SOL, Maria
> João Seixas, directora da Cinemateca, são enviados diariamente para a
> tutela pedidos de autorização de despesas. «Há vários serviços afectados.
> A Via Verde cabe nas rubricas que exigem autorização prévia. A navette que
> faz diariamente o serviço entre os arquivos – o ANIM – e as salas, para
> podermos projectar os filmes, está neste momento a usar vias secundárias
> porque não há autorização para usar a Via Verde», adianta.
> Outro constrangimento é o próprio desalfandegamento de filmes
> estrangeiros. A programação da Cinemateca é feita com cedências das
> cinematecas de todo o mundo e nos filmes de fora da UE, como os
> provenientes dos EUA, América Latina,  Japão ou Índia, é preciso
> autorização prévia para os serviços de desalfandegagem. «Não sei como
> vamos fazer. Espero que o decreto-lei só esteja em vigor até 31 de
> Dezembro, porque a Cinemateca, que exibe cinco sessões de cinema por dia,
> com filmes diferentes, e que já cortou o serviço de legendagem, terá muita
> dificuldade em continuar a desempenhar a missão de divulgação da história
> do cinema», desabafa Maria João Seixas.
> Jovens sem formação
> Outro organismo afectado pelo despacho de Vítor Gaspar é o Instituto do
> Emprego e da Formação Profissional (IEFP). Depois da decisão do ministro,
> foram suspensas as acções deformação destinadas a desempregados e jovens,
> já que os formadores eram contratados por aquisição de serviços externos.
> O instituto pediu uma excepção às Finanças para desbloquear a situação,
> mas essa autorização só terá sido dada esta semana, segundo apurou o SOL.
>
> O impedimento de recrutar formadores fez com que, durante semanas, os
> alunos dos chamados cursos de formação em alternância, para jovens com o
> 9.º ano que podem ficar com equivalência ao 12.º ano, ficassem sem
> formadores. O despacho de Gaspar também causou restrições nas
> universidades, levando ao cancelamento de projectos de investigação.
> O mesmo aconteceu no Laboratório Nacional de Engenharia Civil.
> joao.madeira@sol.pt e telma.miguel@sol.pt
> ----------------------------------------
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