08/11/2012 Paleoparasitologia, que combina medicina e arqueologia, cresce e apareceVinicius Zepeda
"O que as pessoas não sabem é que estes materiais trazem registros microscópicos que ajudam a entender e identificar como, quando e aonde surgiram as doenças, o que é essencial para se pensar em formas de prevenção das mesmas", explica o também médico e pesquisador da Ensp/Fiocruz, coordenador de área de medicina e Cientista do Nosso Estado da FAPERJ, Adauto José Gonçalves de Araújo. "Vale destacar que, de forma simplificada, a Paleoparasitologia é um ramo de estudos que associa a medicina à arqueologia", complementa. Ao examinarem os materiais, os pesquisadores procuram os mais variados tipos de parasitos: helmintos (vermes); artrópodes (piolhos, por exemplo); protozoários (entre eles, o Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas); bactérias; e, em alguns casos, até vírus. "Ao estudarem a múmia do faraó Ramsés, identificaram, na região da face, cicatrizes sugestivas de varíola. Depois, por microscopia eletrônica, partículas virais de varíola foram identificadas", conta Araújo. A "medicina arqueológica" acaba de ganhar reconhecimento da comunidade intelectual brasileira. O livro "Fundamentos da Paleoparasitologia", organizado por Silva e Araújo e pelo pesquisador da Universidade de Nebraska, EUA, Karl Jan Reinhard, acaba de ser contemplado com o primeiro lugar na categoria Ciências Naturais do 54º Prêmio Jabuti de Literatura. O Jabuti é o mais tradicional e prestigiado prêmio literário brasileiro, uma distinção que dá aos vencedores a legitimação da elite intelectual brasileira, além do reconhecimento a todos aqueles que trabalham na publicação. "Ao longo de mais de três décadas pesquisando o assunto, já escrevemos vários artigos publicados em revistas e periódicos nacionais e internacionais de todo o mundo, e hoje há uma rede de pesquisadores na Europa, EUA e América do Sul estudando o tema", explica Araújo. "Mas precisamos ressaltar que a obra, lançada durante as comemorações dos 111 anos da Fiocruz, em maio de 2011, é o primeiro livro em todo o mundo a traçar um panorama histórico da temática. Além disso, ele é uma síntese do que nós e muitos outros pesquisadores fizemos ao longo destes 34 anos de pesquisa", destaca Silva. Araújo recorda que a idéia da paleoparasitologia surgiu baseada nos estudos de Aidan Cockburn, médico escocês que, no final dos anos 1970, migrou para os EUA, onde estudou doenças infecciosas em corpos mumificados para entender a origem das enfermidades. "Na época, eu ainda era um estudante de mestrado e, sob a orientação de Luiz Fernando – que depois me orientou também no doutorado – defendi minha dissertação em Biologia Parasitária sobre a presença de helmintos em material arqueológico encontrado no Brasil", lembra. Um ano depois, em 1981, Cockburn esteve na Fiocruz, a convite de Luiz Fernando Silva.
Hoje, as modernas técnicas de biologia molecular e análise de DNA aplicadas à paleoparasitologia abriram a possibilidade de um diagnóstico mais preciso e refinado por meio da recuperação de material genético de parasitos, que infectavam populações há milhões de anos. "As modernas técnicas trazem uma oportunidade ímpar para o estudo da evolução ‘ao vivo’, isto é, para a observação de aspectos evolutivos que anteriormente eram totalmente ‘invisíveis’", destaca Araújo. Em outras palavras, um pesquisador da doença de Chagas, por exemplo, pode comparar um T. cruzi que infectou um indivíduo há 7 mil anos com outro da atualidade e com protozoários de períodos intermediários. "Essa comparação pode revelar genes que foram ‘deletados’, que permaneceram ou que sofreram mudanças, sinalizando o caminho evolutivo trilhado por aquele parasito", acrescenta. Outra aplicação da paleoparasitologia é no estudo das migrações, pois a dispersão dos parasitos pelos continentes diz muito sobre a movimentação dos grupos humanos pelos territórios. Seguindo a trilha dos parasitos – que convivem com o homem há muito mais tempo do que o senso comum imagina –, os pesquisadores da Fiocruz reuniram uma coleção de resultados significativos sobre o povoamento das Américas. "Nossas pesquisas em paleoparasitologia forneceram a constatação de que nem todo o povoamento das Américas se deu pelo Estreito de Bering, entre a Ásia e a América do Norte. Algumas populações tiveram que vir de barco, o que seria mais adequado para explicar a introdução no continente americano de parasitos que não completam seu ciclo reprodutivo no frio", comenta Araújo.
As políticas de controle sanitário vem sendo reorientadas pela ascensão da paleoparasitologia. Um exemplo é a pesquisa de pós-doutorado, na Ensp, da bióloga da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniela Leles, orientada por Araújo. O projeto teve auxílio do Programa de Apoio ao Pós-doutorado, uma parceria da FAPERJ com a Capes. De acordo com a pesquisa, são fortes as evidências científicas de que os parasitos intestinais Ascaris lumbricoides (que normalmente infecta seres humanos) e Ascaris suum (o verme encontrado em porcos) devem se tratar, na verdade, da mesma espécie. "Esta hipótese poderá servir para dar novos rumos às políticas de controle sanitário relacionadas ao contato de humanos e suínos", explica Araújo. Luiz Fernando Silva e Adauto Araújo destacam que graças ao prêmio Jabuti, a presidência da Fiocruz já deu autorização para que uma edição, em inglês, seja produzida e publicada. "Em agosto de 2013, pesquisadores de todo mundo se reunirão no Museu Nacional/UFRJ, onde acontecerá o VIII Congresso Mundial de Estudos sobre Múmias. Assim, a tradução da obra para o inglês será muito importante para dar ainda mais visibilidade à paleoparasitologia, além de despertar o interesse de mais pesquisadores pela área", concluem os pesquisadores. Fonte: Boletim interno da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ): http://www.faperj.br/boletim_interna.phtml?obj_id=8615 |
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