Caro Ricardo,
Antes de mais obrigado pelo teu comentário.
É certo que a escola dos Annales tem uma maior aproximação à vida quotidiana e, nesse sentido, aproxima a História à Arqueologia devido ao facto de esta última se dedicar precisamente ao pormenor, isto é, aos materiais do dia-a-dia - aliás um dos próprios historiadores dessa escola Georges Duby dizia que o futuro estaria mais na Arqueologia que na História.
No meu caso em particular jamais recusaria os contributos da História.No entanto, no sentido estrito, tenho que discordar consigo pois na minha opinião que, como é óbvio, está fundamentada em algumas leituras, a História preocupa-se por construir uma narrativa contínua sobre o desenvolvimento dos modos de pensar enquanto que a Arqueologia interessa-se pelo especifico, pelo particular, pela diferença e pela ruptura temporal; factores que a História mesmo com a viragem ao materialismo histórico dos Annales não pode lograr, e não pode, porque trabalha com fontes diferentes, os escritos e documentos do passado podem é certo descrever vidas quotidianas (a História de vida privada e tal), no entanto, sempre estariam imbuídos dos preconceitos da época em que foram escritos. Por exemplo, aqui no Chile os relatos históricos (documentos oficiais, comentários em jornais, etc.) falam de que há 200 anos exista no país uma maioria branca, e que os modos de vida dos mestiços era o ocidental, com a Arqueologia e o estudo da cultura material podemos comprovar que não é assim que nas suas casas, na sua vida privada a maior parte da população se comportava de forma mestiça ou com muitas características indígenas. Não sei se o exemplo é o melhor.
Um abraço
Gonçalo
Date: Thu, 21 Feb 2013 04:59:00 -0800 From: caioviator@yahoo.com.br Subject: ARQUEOLOGIA e HISTORIA os mesmos objectivos? - resposta To: amaro_goncalo@hotmail.com Caro Gonçalo,
Pessoalmente acho que tanto a Arqueologia como a História, têm exactamente o mesmo objectivo, ou seja, o estudo da espécie humana ao longo do tempo.
A ideia de uma ciência Histórica descritiva, limitada apenas ao estudo das fontes textuais encontra-se totalmente ultrapassada, pelo menos desde o aparecimento da Escola dos Annales.
Quanto à Arqueologia existe uma certa hipocrisia, da parte de alguns arqueólogos, quando orgulhosamente a intitulam de ciência com uma visão holística e interdisciplinar, enquanto simultaneamente recusam os contributos da História.
Outros investigadores afirmam que a Arqueologia "pura" apenas existe para os períodos cronológicos em que não existem fontes escritas. Esta posição até tem alguma lógica, mas mesmo neste ponto as coisas não são assim tão lineares. Não
é inédito investigadores das comunidades europeias do Paleolítico Superior socorrerem-se de relatos históricos escritos acerca da comunidades Inuit (séc. XVIII-XIX), atendendo às afinidades entre ambas.
Quanto à notícia da abertura dos túmulos da família real brasileira admito que também tenho algumas reservas. Apesar do aparato tecnológico, o facto de ter sido realizado por uma equipa minúscula, liderada por uma estudante de mestrado, levanta algumas reservas.
Porém se visualizarmos os comentários do "povão" na internet reparamos que o assunto polarizou um enorme número de pessoas, despertando um interesse genuíno acerca da história do Brasil.
Será interessante assistir num futuro próximo, à evolução desta nova vaga de interesse pela história e arqueologia na construção da entidade colectiva brasileira. Cumprimentos
Ricardo
--- Em ter, 19/2/13, gonçalo amaro
<amaro_goncalo@hotmail.com> escreveu:
De: gonçalo amaro <amaro_goncalo@hotmail.com> Assunto: [Archport] Terão a Arqueologia e a História os mesmos objectivos? Para: archport@ci.uc.pt, jde@fl.uc.pt Data: Terça-feira, 19 de Fevereiro de 2013, 23:31
Boa noite,
Peço desculpa por os estar a maçar, ultimamente tenho
estado com algumas inquietações no que diz respeito à forma como fazemos ou
devemos fazer Arqueologia… é uma conversa chata, e se calhar ingénua, bem sei.
Sucede o seguinte: aqui no Chile,
onde estou a fazer investigação sobre cultura material, ando meio estagnado nos
conceitos teóricos, neste país a Arqueologia é mais Antropologia que outra coisa (demasiado Binford para o meu gosto);
por conseguinte o pensamento arqueológico segue um pouco os modelos anglo-saxões (mais processuais que pós-processuais). Aqui são muito críticos em relação
à História (às vezes mais por temas políticos que propriamente metodológicos).
E de facto, se temos em conta a mais recente literatura sobre cultura material,
estamos cada vez mais distantes. Não quero com isto dizer que não são compatíveis,
apenas que provavelmente tem fins e métodos diferentes.
Seguindo, mais ou menos, as palavras
de Foucault na sua “Arqueologia do conhecimento”: a História procura
a verdade através de documentos escritos, tenta construir uma narrativa contínua
do desenvolvimento dos modos de pensar, por outro lado, a Arqueologia
interessa-se pelo particular e pela ruptura temporal. Não busca descobrir o que
é que as pessoas, deste ou daquele tempo, estariam a pensar ou a escrever no
passado, mas sim os mecanismos que as permitem falar e ser tomadas em sério. Mais
que uma disciplina do passado como é a História (ou não?), será a Arqueologia uma disciplina
mediadora entre o passado e o presente? E como tal, temos de partir de uma base
teórico-filosófica diferente?
Queria então perguntar aos colegas lusos qual é vossa
opinião sobre o tema, uma vez que em Portugal continuamos a ser formados nas
universidades, como se calhar na maior parte da Europa continental, por uma estratégia
de investigação com base no modelo da História das Ideias – sei que em Espanha
o tema tem sido discutido, tanto pela Almudena Hernando como pelo Alfredo González-Ruibal,
por exemplo.
Desconheço se o tema tem sido discutido no nosso país
(sei que o Vítor Jorge, tem feito observações sobre o tema), mas entre o meu
tempo em Espanha e no Chile, já lá vão seis anos (com passagens curtas por
Portugal), e aqui é mais difícil acompanhar os debates e até mesmo ler alguma
literatura nacional, numa altura em que, segundo me contam, há cada vez menos
revista activas que publiquem textos sobre Arqueologia.
Provavelmente não têm muita paciência para esta temática, tendo
em conta que em Portugal, nesta fase, devido à situação política e financeira,
há pouco tempo para pensar. Não obstante, estou realmente interessado em ler
opiniões sobre o tema, até porque me ajudarão bastante no debate com os colegas
chilenos.
Atento e agradecido dos vossos comentários. Obrigado.
Um abraço
PS: Não sei se a archport é o espaço para este tipo de
debates, como tal aceito a decisão de publicação ao critério dos seus responsáveis.
Gonçalo de Carvalho Amaro
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