As pessoas mudam, os governos mudam. Os museus, esses,
mantêm-se
Por
Cláudia Carvalho Dezenas
de profissionais dos museus de todo o mundo debatem em Lisboa os efeitos que a
crise tem. Hoje apresentam a Declaração de Lisboa, um apelo aos governos para
não haver mais cortes no sector Se os museus e
o património cultural têm perdido visitas, de quem é a culpa? A resposta mais
rápida e simples já todos sabemos qual é: da crise. Mas por trás dos números
estão várias explicações. O sector enfrenta cada vez mais e novos desafios e é
por isso urgente percebê-los. O Estado não se pode retirar das suas obrigações
mas nem a sociedade civil nem os profissionais do sector podem ser
desresponsabilizados. Para que esta equação funcione em pleno é preciso criar
condições. É pelo menos isso que o ICOM (Conselho Internacional dos Museus)
defende no apelo lançado hoje, em Lisboa, alertando a comunidade internacional
para a importância que o sector tem no desenvolvimento de qualquer
país. "Só pedimos
que se leve em conta a cultura. Os museus e o património cultural são essenciais
para a nossa sociedade, já não são apenas espaços onde os bens culturais são
expostos e preservados, como são centros promocionais com diversas actividades
que têm impacto na comunidade local e que são importantes também para a
economia", diz ao PÚBLICO Alberto Garlandini, presidente do ICOM Itália e
director-geral da Cultura da Lombardia, exemplificando que se estes espaços não
existissem, o turismo seria obviamente menor. "O que é preciso é que exista uma
mudança de mentalidades porque a crise assim o exige", continua o responsável
italiano, para quem os políticos têm de ser cada vez mais corajosos.
"Eu sei que os
políticos têm grandes responsabilidades em tempo de crise e são obrigados a dar
respostas negativas aos vários pedidos de apoio, no entanto é nestas alturas que
também têm de saber dizer sim", diz Garlandini, explicando que é preciso
estabelecer prioridades e fazer escolhas. "Têm de saber distinguir entre
dinheiro para iniciativas efémeras que não contribuem em grande escala para a
comunidade e iniciativas que são um investimento para o futuro", acrescenta,
admitindo aqui a importância de todos os profissionais do sector. "Temos de nos
saber fazer ouvir. Exigimos grandes decisões dos políticos mas nós também temos
de saber tomar decisões. Temos de ser mais abertos à necessidade das comunidades
e juntos descobrir novas formas de sobreviver à crise." Foi por isso
que o ICOM, uma organização não-governamental integrada na Unesco, representando
os museus e profissionais de museus em todo o mundo, aproveitou a conferência
internacional Políticas Públicas para os Museus em Tempos de Crise, que hoje
termina no Museu Nacional de Etnologia, para não apenas questionar o estado do
sector ou criticar os "cortes cegos" que têm sido aplicados em muitos casos,
como também sugerir medidas alternativas para ultrapassar a crise.
No documento,
Support Culture and Museums to Face the Global Crisis and Build the
Future, que vão fazer chegar ao Parlamento Europeu e à Comissão Europeia,
assim como a todos os governos e parlamentos nacionais, o ICOM pede para que, ao
contrário do que tem acontecido, não se apliquem mais cortes nos museus. Pelo
contrário, a organização, composta por 137 países, sugere que se aumentem os
recursos financeiros e humanos e que se criem condições, através de benefícios
fiscais, para que a iniciativa privada possa crescer. "Em tempos de
crise, os museus e o património cultural são vistos muitas vezes como um luxo
que a sociedade não pode pagar, mas, na realidade, são activos para o
desenvolvimento sustentado de um país", defendem no documento os responsáveis do
ICOM, sublinhando que "mesmo nos países que enfrentam sérios problemas
económicos, os museus e o património devem ser financiados para que possam
contribuir para a coesão e o desenvolvimento social". "Não geram apenas
conhecimento e educação, mas também receitas e emprego", continua o apelo, que
garante que este investimento é a melhor forma de "melhorar a qualidade do
turismo cultural". Para o
secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, que inaugurou ontem a
conferência, os governos estão cientes desta importância, defendendo ele mesmo
que é preciso trabalhar no sentido de se criarem condições para que o sector
privado ou qualquer cidadão se sinta com vontade de apoiar financeiramente os
museus e o património. "Os períodos de crise são, para o bem e para o mal,
épocas de desafios e mudanças", disse Barreto Xavier, que defende que os museus
têm de trabalhar cada vez mais em rede, apostando nas comunidades a que
pertencem, destacando o trabalho da Rede Portuguesa de Museus, que considerou
ser uma plataforma de apoio técnico e profissional às instituições. E garantiu:
"Não é preciso pânico". "O público, as actividades e os serviços oferecidos
pelos museus têm crescido em todo o mundo." Também por
isso, Garlandini acredita que os museus daqui a 20 anos vão ser ainda melhores.
"Há 40 anos não tínhamos tantos. Tão bonitos e com actividades fantásticas.
Claro que a crise existe e vai continuar mas também acabará, depende das
escolhas que fizermos agora", defende, para quem "não se pode esperar no museu
que as pessoas venham, é preciso sair e ir ter com elas". "A verdade é que os
museus fazem parte da nossa história. As pessoas mudam, os governos mudam, os
profissionais mudam, mas os museus mantêm-se no tempo." |
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