Romanos
e bárbaros discutiram-se em Mangualde! Realizou-se,
nos dias 10 e 11 do corrente mês de Maio, no auditório da Câmara Municipal de
Mangualde, a 8ª edição da série de reuniões científicas internacionais que,
iniciada em Bordéus, no mês de Dezembro do, já longínquo, 1988, se destinam a
abordar um tema específico da história da Lusitânia Romana. O assunto ora em debate foi a procura de uma resposta para
‘o fim’ da Lusitânia, ou seja, como é que, surgindo as crises, os Lusitanos
delas se conseguiram desenvencilhar e daí brotaram novos modos e novas
perspectivas de vida. Uma temática, pois, sobremaneira actual e que ainda não
fora abordada, dado que, nas edições anteriores, se tratara das cidades
(Bordéus, 1988), dos campos (Salamanca, 1993), da economia (Madrid, 1993), da
cultura e da sociedade (Mérida, 2000), das comunicações (Cáceres, 2002). A 6ª
edição, realizada em Cascais ( Novembro de 2004), teve por título «A Lusitânia
entre o mito e a realidade» e tratou, por isso, da problemática religiosa. Por
seu turno, em Toulouse (Novembro de 2007), a preferência foi para o estudo de
como a Lusitânia, afinal, nascera e como haviam sido os seus primeiros tempos. Esta mesa-redonda teve como promotor e secretário-geral o
Doutor João Vaz, membro do Centro de Estudos Arqueológicos das Universidades de
Coimbra e Porto, entidade de que, juntamente com a Associação Cultural Azurara
da Beira, partiu a iniciativa da organização em Mangualde, bem no coração da
Lusitânia ocidental, uma cidade cujo dinamismo (foi pronto o apoio das
entidades locais, públicas e privadas) e fácil acessibilidade a fazem ombrear,
cada vez mais, com Viseu. Registe-se, de modo particular, a fácil parceria
estabelecida com o Município local, que chamou a si toda a logística; aliás, o
Presidente da autarquia, João Gonçalves Azevedo, presidiu à sessão inaugural e
o vereador da Cultura, João de Albuquerque Lopes, acompanhou com interesse
praticamente todo o desenrolar dos trabalhos. O programa desenvolvido Ultrapassou as seis dezenas o
número de participantes e foram 21 as comunicações apresentadas. José
Luis Ramírez Sádaba (Universidade da Cantábria) referiu os testemunhos
epigráficos que, em Mérida, assinalam essa transição entre romanos e bárbaros.
José d’Encarnação (U. de Coimbra) anotou a continuidade e a inovação
registadas nos epitáfios cristãos dos primeiros tempos em relação aos epitáfios
romanos («pagãos», dir-se-ia…). José Cardim Ribeiro (Museu de Odrinhas,
Sintra), relacionou a divindade indígena Endovellicus
com o culto que, no mesmo local (Terena, Alandroal), viria a instalar-se,
dedicado a S. Miguel. Manuel Salinas de Frias (U. de Salamanca) chamou a
atenção para a importância de um marco cadastral salmantino do tempo de
Constantino II em relação com a organização político-administrativa da
Lusitânia do século IV. Na tarde do primeiro dia, assinalou Amílcar Guerra (U. de
Lisboa) as perdurações onomásticas no Ocidente peninsular na transição do tempo
romano para a Idade Média. João Vaz começaria por focar, de seguida, aspectos
específicos da arquitectura do interior norte da Lusitânia na transição para os
tempos cristãos. Pedro Barbosa (U. de Lisboa) mostrou como foram considerados
os Judeus na legislação visigoda. Maurício Pastor Muñoz (U. de Granada) deu conta
de como haviam terminado os jogos de gladiadores e as partidas de caça (venationes) nos últimos tempos da
Lusitânia, por motivos religiosos e, sobretudo, económicos. Javier Andreu
Pintado (UNED – Universidade Nacional de Ensino à Distância) teceu considerações
acerca do significado das representações escultóricas dos imperadores
tardo-imperiais. Sabine Lefebvre (U. da Sorbonne, Paris) resumiu as questões
que se prendem com a recepção do poder imperial, aqui, desde o imperador
Diocleciano a finais do séc. IV. Jonathan Edmondson (U. de Toronto, Canadá)
salientou como se organizara a administração lusitana após as reformas de
Diocleciano. Trinidad Nogales, que exerce actualmente as funções de Directora-geral
do Património do Governo da Extremadura, deu conta das actividades em curso, de
há uns anos a esta parte, no Centro de Estudos da Lusitânia, criado no Museu
Nacional de Arte Romano de Mérida. Antes do jantar social, gentilmente oferecido
pelo Município, os participantes puderam inteirar-se in loco dos resultados das investigações arqueológicas
levadas a efeito no sítio romano conhecido por Citânia da Raposeira, onde se
identificaram significativas estruturas, designadamente habitações, condutas e
um edifício termal, cuja consolidação e consequente musealização se pretende
agora levar a cabo, por iniciativa camarária. No 2º dia, Mélanie Wolfram (U. de Évora) sintetizou as
conclusões a que chegara sobre a cristianização da Lusitânia meridional, no
âmbito da tese de doutoramento que recentemente defendera. André Carneiro (U.
de Évora) manteve-nos no Alto Alentejo, para mostrar a mudança e a continuidade
aí registadas no âmbito do povoamento rural durante a Antiguidade Tardia. E
pelo Sul permanecemos, pois que Maria Conceição Lopes traçou a
evolução da cidade romana de Pax Iulia
até ser Beja. Inês Vaz Pinto, a arqueóloga ora responsável pelo sítio romano de
Tróia, patenteou-nos o que dele se sabia em relação a esse período cronológico.
E se Maria João Santos, bolseira de doutoramento do Instituto Alemão, apontou o
sítio de Mogueira (Resende) como «um espaço sagrado na encruzilhada entre dois
mundos», Guilherme Cardoso (arqueólogo da Assembleia Distrital de Lisboa e
presidente da Associação Cultural de Cascais) assinalou o elevado interesse
histórico de duas necrópoles medievais (ditas ‘visigóticas’) do
concelho de Cascais: a de Miroiço de Manique e a de Alcoitão. A última sessão teve três intervenientes: Adriaan de Man (U.
Nova de Lisboa), em seu nome e no de Catarina Tente, referiu-se à «fragmentação
e emergência de poderes no território de Viseu», no final da Lusitânia. Também
Pedro Carvalho (U. de Coimbra, que, na circunstância, também representou a
direcção da Faculdade de Letras) abordou o registo dessa fase terminal «nas
paisagens rurais do interior norte da Lusitânia». Por fim, Carlos Fabião (U.
Lisboa) dissecou a continuidade e as rupturas documentadas nos séculos V e VI
no Ocidente peninsular. Pode, pois, concluir-se que, numa época em que – amiúde
para se aumentar o obrigatório currículo institucional – se multiplicam
reuniões científicas, esta VIII Mesa-redonda internacional da Lusitânia cumpriu
cabalmente o seu papel de manter uma tradição de sistemática pesquisa
histórico-arqueológica acerca de um território romano que, até há umas três
décadas atrás, pouco interesse despertara entre a comunidade científica
internacional. E Mangualde soube, assim, honrar uma tradição em que se irmanam,
de modo especial, investigadores de três países: Portugal, Espanha e França. José
d’Encarnação Publicado em Cyberjornal, 15-05-2013: http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&task=view&id=18306&Itemid=30
(com ilustrações) |
Mensagem anterior por data: [Archport] Conferência: Património Cultural Subaquático | Próxima mensagem por data: [Archport] Documentário " Arte Românica" na Rota do Românico |
Mensagem anterior por assunto: [Archport] Romanos de Lagos em exposição | Próxima mensagem por assunto: [Archport] Roma y las Provincias - o índice |