SIRIA, ontem e hoje Painel – Debate 8 de Outubro de 2013, 18h00 Posto
que cultivamos a história, e por isso amamos a vida, nada nos educa mais do que
viajar. Nesta quase consigna, pedida emprestada a Henri Pirenne Dizem-nos
da Síria, que demandámos já mais de uma vez. Recordam-nos, num todo sincrético,
a imponente cidadela fortificada e o buliçoso bazar de Aleppo, ambos agora
tristes e esventrados na sua essência; falam-nos do oásis de Palmira, com o seu
Vale do Silêncio onde hoje se chora, em ruidoso pranto; remetem-nos para
cidades de diferentes épocas que salpicam Afinal,
não. A Síria pacífica e convivial do passado, onde em Maaloula e tantas outras
aldeias um só olhar podia alcançar crescentes e cruzes, ou até mesmo estrelas
sinagogais, deu lugar a uma espécie de inferno, que nos envergonha e causa
profunda revolta. Por isso dizemos que, gostando de história, amamos também a
vida e disso damos testemunho como está ao nosso alcance, pela imagem e pela
escrita neste caso. Museu
Nacional de Arqueologia (Director, 1996 - 2012 Since
we cultivate History, and as such we love Life, we educate ourselves primarily
through travel. In what is nearly a cliché, borrowed from the ideas of Henri
Pirenne and Leite de Vasconcelos, is found the essence that drives our friends
to embark on our regular journeys across remote lands, which are sometimes
exotic and of difficult access, yet always rich in terms of ruins of the past
and faces of the present. These are all portrayed in the images captured by the
photographic lens of Marina Gorlier and the words engraved in the memory of
Álvaro Figueiredo, two constant companions in the travels of the Group of
Friends of the National Museum of Archaeology. They
talk about In
the end, it was not to be. The peaceful and friendly Luís Raposo Museu
Nacional de Arqueologia (Director, 1996 – 2012) SÍRIA:um olhar Fotografia:
Marina Gorlier Textos:
Alvaro Figueiredo A Síria é um país com uma
rica herança cultural, fruto de uma longa e complexa história e da diversidade
geográfica do seu território. Situada numa região do mundo que abrange as
esferas culturais do Médio Oriente e do Mediterrâneo, e fazendo parte do
chamado Crescente Fértil, aqui podemos seguir os passos da história da
humanidade como se de um vasto museu se tratasse, incluindo os primórdios da
vida sedentária, a adopção da agricultura há cerca de 10.000 anos, e assistir
ao desenvolvimento da escrita pelas primeiras civilizações urbanas no vale do
rio Eufrates, na Mesopotâmia, durante os V-IV milénios a.C. Desde a remota
antiguidade que a Síria se situa num importante eixo do comércio de longa
distância, através do qual os produtos exóticos da Ásia e as especiarias das
terras do Oceano Índico eram transportados para os grandes centros urbanos da
Síria, para depois serem redistribuídos por todo o Levante e mundo
mediterrânico. Durante a Idade do Bronze
(c. 3100- Em O país integra também um
espaço geográfico e ideológico que é conhecido como Terra Santa desde a
antiguidade romano-bizantina. Aqui desenrolaram-se alguns dos acontecimentos
descritos no Antigo e Novo Testamentos, incluindo alguns dos episódios
relacionados com os discípulos de Jesus, como por exemplo a conversão, na via
para Damasco, de Saul de Tarso (c. 5-67 d.C.), mais tarde conhecido por
Apóstolo Paulo. O aramaico, a língua de
Jesus e dos seus contemporâneos, é ainda hoje compreendida e utilizada na
liturgia cristã diariamente vivida na igreja de Mar Sarkis (S. Sergius) em
Maalula, nas encostas do Antilíbano. As ruínas do mosteiro de S. Simeon o
Estilita, situado a noroeste de Aleppo, e de Resafa (Sergiopolis), outrora o
centro político-religioso da tribo árabe cristã dos Ghassanidas localizado no
deserto sírio, são testemunhos ainda presentes deste passado glorioso. Este foi também um dos
primeiros territórios a ser islamizado, tornando-se Damasco uma das maiores e
mais importantes metrópoles do mundo árabe. Situada num vasto e luxuriante
oásis que, segundo a tradição, o Profeta Muhammad comparou ao Paraíso, Damasco
foi durante o Califado Omíada (661-750) o centro político de um império que se
estendia da Ásia Central à Península Ibérica. A decoração e monumentalidade da
Grande Mesquita da cidade, construída no reinado do Califa el-Walid (705-715),
transmite-nos ainda não só o espírito piedoso do seu tempo, mas também a
diversidade étnico-religiosa da Síria. Essa diversidade ainda
actualmente visível, resultado de um percurso histórico único e de uma enorme
tolerância religiosa e cultural, encontra-se hoje ameaçada por acontecimentos
recentes com impacto a nível internacional. Em Março de 2011, na sequência do
movimento denominado de Primavera Árabe, um dos mais importantes acontecimentos
do mundo árabe contemporâneo iniciado na Tunísia e no Egipto, a Síria é palco
de uma série de contestações populares que reivindicam uma sociedade mais
democrática e menos corrupta. No entanto, a resistência por parte do regime do
partido Ba’ath e dos seus aliados a uma reforma política rápida, e os
interesses externos de vários países que têm como objectivo principal a queda
do regime e o desmantelamento do eixo Síria-Irão, resultaram numa prolongada
guerra civil com elevados custos humanos e materiais, incluindo, a destruição
indiscriminada do rico património arqueológico e histórico do país. O centro histórico das
cidades de Damasco e Aleppo, as “Cidades Desertas”
romano-bizantinas do norte, o castelo de Krak des Chevaliers, e os sítios
arqueológicos de Palmyra e Bosra, todos classificados como Património Mundial
da Humanidade pela UNESCO, foram sujeitos a diferentes níveis de destruíção e
pilhagem. Em Aleppo, grande parte do conjunto arquitectónico do período
Mameluco (1250-1516) e Otomano (1516-1917) que constituia as ruas cobertas, khans e lojas do suq, testemunhos vivos da importância
económica, política e cultural da cidade desde então, foram destruídos quase
por completo durante a luta entre as forças governamentais e os grupos
rebeldespelo controlo da cidade. Ainda em Aleppo, a Grande Mesquita tem sido
alvo de danos significativos, culminando em Abril de 2013 com a total destruíção
do seu minarete. Embora a Síria seja um país signatário da Convenção para a
Protecção dos Bens Culturais em Caso de Conflito Armado (Haia, 1954),
alocalização estratégica de vários sítios arqueológicos, ou o facto de estes
terem sido originalmente utilizados para fins militares, tal como a Cidadela de
Aleppo ou o castelo de Krak des Chevaliers, levou a que estes fossem escolhidos
como lugares estratégicos nesta guerra, sendo as consequências fatais para
estes sítios. Para além destes danos materiais, vários sítios, tal como
Palmyra, Apamea ou Bosra, têm sido também alvo de pilhagem de elementos
decorativos e estatuária para venda no mercado ilegal de antiguidades. Em
Fevereiro de 2013, numa conferência da UNESCO em ‘Amman, Jordânia, o
Departamento Geral de Antiguidades e Museus (DGAM) da Síria chamou a atenção
para essa pilhagem e consequente exportação ilegal de antiguidades. Esta
situação tem afectado também alguns dos museus regionais como, por exemplo, em
Homs e Hama, em que se tem verificado o desaparecimento de artefactos. Durante o decorrer deste conflito, a DGAM e a UNESCO
calculam que apenas 3% dos sítios e monumentos de interesse histórico do país
não foram ou não estão a ser afectados pela guerra. Nesta exposição convidamos o visitante a fazer uma viagem
pela história milenar desta nação, entre o presente e o passado, através de um
registo fotográfico efectuado em 2007 durante uma das viagens do Grupo de
Amigos do Museu Nacional de Arqueologia (GAMNA) à Síria, um país rico em
tradição e hospitalidade. Marina
Gorlier nasceu em Lisboa em 1949. É licenciada em Economia
pelo Instituto Superior de Economia, e exerceu funções nacionais e
internacionais numa empresa americana durante 30 anos. Desde sempre sentiu o
apelo pelas viagens e pela fotografia utilizando esta como testemunho das suas
interpretações do que ia descobrindo, primeiro a miúde para então, a partir dos
anos 80 começar compulsivamente a viajar por terras até então apenas sonhadas e
utilizando câmaras SLR. Simultaneamente frequentou cursos de história e
estética de arte, workshops com fotógrafos nacionais e internacionais, tendo
realizado a pós-graduação em Teoria da Fotografia no IADE e mais recentemente o
mestrado em Cultura Visual também no IADE. Participou nas seguintes exposições
fotográficas (individuais): “No Vai e Vem das Marés”- Biblioteca da
C.M. de Alcácer do Sal (2008); “Corpo, Yoga e Linguagem” –
Soc. Nac. de Belas Artes (2003); “Marcas do Tempo-Gentes de
Cabeção” – Junta de Freguesia de Cabeção (2002); e (colectivas): “Rota
da Biodiversidade” – Fórum Picoas (2012); “Sentir a
Fotografia I” – Espaço de Arte, Portugal Telecom (2011);
“Janelas de Marvão” -11a. Bienal de Fotografia, V. F. de
Xira (2010); “Marcas do Tempo” – Espaço de Arte do C.C.
Olivais (2009); “Mora, Alentejo –Símbolos da Terra” –
Centro Cultural de Mora (2001). Publicou também “O Mundo que se
Apre(e)nde” Ed. Blurb (2012) www.blurb.com Álvaro
Figueiredo estudou em Londres no Institute of Archaeology,
University College London, onde se especializou em Arqueologia do Próximo e
Médio Oriente Antigo, e língua Árabe na School of Oriental & African
Studies, University of London. Tendo participado em vários projectos
arqueológicos no Egipto (Hierakonpolis/el-Kom el-Ahmar), Jordânia
(el-‘Azraq e Qasr Burqu’) e na Síria, onde se destaca o seu
trabalho em Tell Nebi Mend (Qadesh, local da famosa batalha entre Ramses II e
os Hititas), colabora actualmente como bioarqueólogo para a empresa Era
Arqueologia e é um dos investigadores principais do Lisbon Mummy Project, uma
parceria entre o Museu Nacional de Arqueologia e Imagens Médicas Integradas
(I.M.I., Lisboa). Autor de textos nas seguintes exposições fotográficas:
“Síria” (2010, Loulé; 2011, Silves), “Egipto” (2012,
Loulé; 2013 Silves) e “Jordânia” (2013, Loulé). Ao longo dos anos
tem vindo a acompanhar viagens de âmbito cultural
(http://periplos-do-oriente.blogspot.co.uk/) a vários países do Médio Oriente,
África, Ásia Central e India. Professor convidado de várias instituições de
âmbito cultural e científico no Reino Unido, em Portugal e nos E.U.A., autor de
diversas publicações de carácter científico, e com especial interesse nas áreas
da Egiptologia, Império Romano no Mediterrâneo Oriental e na Península Ibérica,
origens e desenvolvimento do Islão, e história contemporânea do Mundo Árabe.
Trabalha e vive entre as cidades de Londres e Lisboa.
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