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[Archport] Banhos judaicos medievais descobertos em Coimbra

To :   archport <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] Banhos judaicos medievais descobertos em Coimbra
From :   Alexandre Monteiro <no.arame@gmail.com>
Date :   Fri, 27 Dec 2013 01:36:43 +0000

Banhos judaicos medievais descobertos em Coimbra

Público, por LUÍS MIGUEL QUEIRÓS

26/12/2013 - 00:16

Técnicos da autarquia descobriram por acaso na cave de um prédio o que
parece ser uma pequena piscina medieval para uso ritual de mulheres
judias.

Uma rotura de canos num prédio de Coimbra levou à descoberta do que se
julga ser uma estrutura medieval destinada a banhos rituais femininos
judaicos. Esta espécie de pequena piscina para fins religiosos
apareceu na cave de um edifício da Rua do Visconde da Luz, na área da
antiga judiaria da cidade, e está surpreendentemente bem preservada.

O arqueólogo Jorge Alarcão diz que, neste estado de conservação, “pode
ser caso único em Portugal”. E o presidente da Câmara de Coimbra,
Manuel Machado, embora ressalve que “o estudo do achado ainda está a
decorrer”, admite que se trate da “descoberta arqueológica mais
importante que se fez em Coimbra ao longo dos últimos 70 anos”.

Ou seja, depois da descoberta do criptopórtico romano, agora
devidamente recuperado e visitável no recentemente reaberto Museu
Nacional Machado de Castro, o achado destes banhos judaicos promete
oferecer mais uma peça importante ao património de Coimbra. Mas ainda
há muito a fazer. Neste momento, explica Manuel Machado, “está-se
ainda a identificar os proprietários e os direitos envolvidos, uma vez
que não havia qualquer registo daquela existência”. O autarca explica
que o que agora se descobriu “está na cave de um prédio particular, ao
lado da Ourivesaria Marialva”, mas alerta para a possibilidade de a
investigação poder vir a revelar que este tanque integra um conjunto
mais vasto, cuja área abranja também o subsolo de outros edifícios da
zona.

O que para já se trouxe à luz parece ter boas possibilidades de ser um
dos mais antigos banhos rituais judaicos (mikvá) descobertos na
Europa, já que tudo indica que não seja posterior ao século XIV. E se
efectivamente se destinava a banhos rituais femininos, é ainda mais
raro.

A comunidade judaica está documentada em Coimbra desde tempos
anteriores à nacionalidade, e sabe-se que a Rua de Visconde da Luz,
outrora chamada do Coruche, era um dos limites da chamada judiaria
velha, que terá sido desactivada no reinado de D. Fernando I, por
volta de 1370. Daí que Jorge Alarcão acredite que estes banhos “já
funcionavam certamente antes do tempo de D. Fernando”.

Avaria providencial

Se há males que vêm por bem, pode dizer-se que foi o caso com o
rebentamento dos canos de esgoto de um prédio da Rua do Visconde da
Luz, mais precisamente o n.º 21. Quando os técnicos municipais da
Divisão de Promoção e Reabilitação da Habitação foram tentar resolver
o problema, viram-se na necessidade de aceder a um espaço fechado nas
traseiras do edifício. A divisão não seria usada há muito e foi
preciso arrombar uma porta de metal. Verificou-se, então, que se
tratava da entrada para uma cave, à qual se acedia por um lance de
escadas em pedra. Nesta cave, uma nova abertura conduzia ainda mais
abaixo, ao que parecia ser uma fonte de chafurdo ou mergulho (fontes
das quais tradicionalmente se tirava água submergindo as próprias
vasilhas).

Alertado o Gabinete para o Centro Histórico, foram feitas duas visitas
ao local nos dias 18 e 19 de Novembro, que envolveram técnicos de
várias especialidades, incluindo a arqueóloga Raquel Santos, a
historiadora de arte Luísa Silva e o técnico de conservação e restauro
Manuel Matias.

O que encontraram foi uma gruta natural de calcário, aparentemente
utilizada para vários fins ao longo dos tempos. E quando desceram os
degraus e viram a pequena piscina, começaram por admitir que pudesse
efectivamente tratar-se de uma fonte de chafurdo. Mas à medida que
investigavam mais minuciosamente o local, foi-se tornando evidente que
aquele era um espaço que fora cuidadosamente concebido.

Por cima da cabeceira do tanque, descobriram-se mesmo vestígios muito
razoavelmente conservados de um antigo fresco com motivos florais. Os
técnicos estão convencidos de que esta pintura datará provavelmente
dos séculos XVI ou XVII e corresponderá à última fase de utilização
ritual deste tanque.

Dado que a estrutura se encontra na área da judiaria velha, e parece
corresponder perfeitamente às descrições dos banhos de purificação
judaicos da época, a convicção actual é de que se trata mesmo de uma
mikvá (também grafado mikvah ou mikveh). Os frescos, e a própria
dimensão reduzida do tanque, apontam para que fosse usado por
mulheres.

A descoberta já foi comunicada à Direcção Regional de Cultura do
Centro e, neste momento, segundo Manuel Machado, a prioridade é
identificar todos os eventuais proprietários envolvidos, estudar o
achado, garantir a sua preservação e verificar se não faz parte de um
sistema mais amplo.

A fraude holandesa

E os próximos tempos servirão também para se confirmar de modo mais
inequívoco que se trata mesmo de banhos rituais judaicos. Há
precedentes de descobertas semelhantes cuja autenticidade veio a ser
contestada. É o caso damikvá da cidade holandesa de Venlo, descoberta
em 2004, datada do século XIII e publicitada como a mais antiga do
país.

O município gastou cerca de dois milhões de euros em obras de restauro
e na construção de uma nova ala no museu municipal, onde os supostos
banhos medievais judaicos iriam ser admirados. Mas afinal parece que a
cave em causa nunca fora utilizada para quaisquer rituais judaicos e
que o arqueólogo municipal fora instruído pelos seus superiores para
defender a tese de que se tratava de uma mikvá e silenciar quaisquer
hipóteses alternativas.

O que é significativo neste recente caso holandês é verificar-se que a
descoberta de uma mikvá medieval é considerada suficientemente
relevante para levar poderes públicos a tentar confirmá-la por meios
fraudulentos. Com o turismo cultural judaico em franco crescimento,
este é um tipo de achado que pode tornar-se altamente rentável. E a
suposta mikvá de Venlo tinha ainda a adicional importância simbólica
de atestar a existência de uma comunidade judaica fortemente
estruturada muito antes da chegada ao país dos judeus fugidos de
Espanha e Portugal.

Aquela que é reconhecidamente a mais antiga mikvá conhecida na Europa
é a de Siracusa, na Sicília, que datará provavelmente do século VII.
Bastante mais antigos são os banhos rituais judaicos descobertos em
2009 em Jerusalém, uma estrutura de grandes dimensões que se crê ser
anterior à destruição do segundo Templo, em 70 d.C..

Nos meios do judaísmo ortodoxo a mikvá, que tem de ser alimentada por
uma fonte natural de água, desempenha ainda hoje um papel importante.
As mulheres usam as que lhes são destinadas para recuperar a “pureza
ritual”, designadamente após o ciclo menstrual ou depois de um parto.
Os regulamentos obrigam a que todo o corpo entre em contacto com a
água e asmikvá actuais têm geralmente uma funcionária encarregada de
ajudar as mulheres a cumprir correctamente este e outros preceitos.


http://www.publico.pt/cultura/noticia/banhos-judaicos-medievais-descobertos-em-coimbra-1617489#/0

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