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[Archport] O que é a arqueologia?

Subject :   [Archport] O que é a arqueologia?
From :   Goncalo de Carvalho Amaro <gdecarvalho@uc.cl>
Date :   Tue, 25 Mar 2014 19:27:18 +0000

Há pouco mais de um ano escrevi aqui um comentário onde perguntava qual deveria ser o motor da arqueologia: a história ou a antropologia? A maioria, n@ archport, respondeu-me que claramente deveria ser a história, aqui no Chile que definitivamente a antropologia – aliás, ainda tenho aqui um tema pendente no que diz respeito à minha licenciatura, pois é em história variante arqueologia (e isso parece ser inconcebível aqui nas costas do Pacifico) – no entanto, na altura defendi que o motor da arqueologia deveria ser a própria arqueologia, influenciado que estava pela proposta de uma arqueologia simétrica e por Bjornar Olsen. Hoje em dia, e a preparar uma conferência sobre o Tempo e o Património, e depois de ter mastigado, convenientemente, a arqueologia simétrica (- no prelo - El acercamiento interdisciplinario a la cotidianidad, la historia de los objetos a traves de la Arqueología. A proposito de  ‘Archaeology. The discipline of things’”. Revista Historia) e até a ter criticado em certa medida (- no prelo – “La Arqueología en sí misma. Una visión (a)simétrica de dos propuestas de Olsen”. MATS 2.), continuo a achar que a arqueologia, enquanto proposta disciplinar, é totalmente independente e diferente das outras duas, na realidade, até poderia perfeitamente viver sem ambas; contudo, essa não é a ideia, seria uma descaracterização, pois a arqueologia é por essência interdisciplinar: uma ponte entre as ciências exactas e as sociais, um elo entre mente e matéria e um trabalho colectivo.

 

Têm sido vários os autores de outras áreas a utilizar o termo arqueologia para tentar explicar conceitos, alternativas ao discurso e à memória (Foucault e Freud entre os mais conhecidos), no entanto, a maioria dos arqueólogos ainda não se apercebeu das vantagens desse filão (chamado arqueologia) e como, por exemplo, na actualidade, a principal corrente de estudo do património cultural explora o conceito ahistórico de um tempo fluido e descompartimentado, sem uma evidente separação entre presente e passado com base na arqueologia. John Carman, Laurajane Smith e Felipe Criado-Boado levaram para o património o verdadeiro tempo arqueológico, que não é o passado mais sim o presente, ou não fosse a arqueologia feita no presente (como nos diz Julian Thomas). 


Na actualidade como arqueólogos temos prácticamente dois caminhos (certamente existiram mais opções, apenas teorizo): ou fazemos património ou fazemos história. Ao fazermos património, aproximamo-nos das pessoas, servimos de intermediários entre os objectos e os seres humanos, assumimos claramente a interdisciplina e também a ausência de verdades absolutas, por outro lado, ao fazermos história, aproximamo-nos do discurso, deixamos de ter um papel activo, catalogamos materiais, veneramos estratos, e fundamentamente negamos a nossa essência como arqueólogos, pois deixamos de estar em contacto directo com o passado e passamos a “acreditar” que o passado é imutável e que o registro arqueológico pouco pode fazer em relação ao que já está escrito.

 

É inegável o papel e influencia de alguns historiadores e antropólogos (mas também de químicos, físicos, geólogos, filósofos e geógrafos) nas várias propostas e correntes de pensamento arqueológico, mas já é tempo de pensarmos por nós próprios e, sobretudo, é fundamental reflectir sobre o que entendemos por arqueologia?

 

Uma vez que, agora Olivier já é lido neste fórum (se calhar até já o era antes) atrevo-me a compartir, novamente, a minha opinião. Entendo que a arqueologia trabalha – na sua essência – sobre a memória (material), não sobre o registro do passado, aquele que tem como base a escrita descritiva de uns sobre outros; passo a citar:

 

“archaeology deals with the material memory of the past and [thus] it is the work of the archaeologist to study the way in which memory is constituted over time, in which case the present, understood as ‘nowness’, would become the locus for interpreting the past” ( in Olivier, L.  The Dark Abyss of Time: Archaeology and Memory Altamira Press, Walnut Creek, 2011, p.99).

Um abraço e peço desculpa por este relato em português de um pensamento concebido em castelhano.

PS: Este é um comentário pessoal, sem qualquer intenção ou pretensão de ser uma opinião melhor ou pior que as outras... é apenas uma reflexão compartida.


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