Lista archport

Mensagem

Re: [Archport] O que é a arqueologia?

To :   Luiz Oosterbeek <loost@ipt.pt>
Subject :   Re: [Archport] O que é a arqueologia?
From :   Manuel de Castro Nunes <arteminvenite@gmail.com>
Date :   Wed, 26 Mar 2014 14:38:51 +0000

Intervenho no assunto apenas para chamar a atenção para que, no âmbito de uma disciplina que usufruíu de um papel estruturador na delimitação dos temas sobre que se edificava a modernidade, a medicina, durante quatro séculos, desde Vesalio à fundação das escolas médico-cirúrigicas, se debateu sobre se a cirurgia era ou não medicina e saber se a cirurgia era uma ''ciência'' auxiliar da medicina, ou a medicina uma ''ciência'' auxiliar da cirurgia.
Sendo certo que os primeiros cirurgiões eram barbeiros e que cirurgia significa, literalmente, o ''trabalho da mão''.
A cirurgia acabou por aglutinar a medicina, de tal forma que podemos dizer que um dos seus mais louvados recursos, a imagiologia, na sua ampla acepção, nasceu e desenvolveu-se como uma ''ciência'' auxiliar da cirurgia, preliminar da intervenção cirúrgica.
É de notar, também, que, no âmbito das novas tendências da neurologia, Damásio ''et allii'', a imagiologia procura a consciência, não se sabe ainda com que propósito, se cirúrgico, se médico, se meramente curioso. Sendo caso para dizer que onde a cabeça não chega podem sempre chegar as mãos.
Recorrendo à historiografia ou à narrativa, também não é consensual o que seja uma e outra, somos levados a deduzir que os patronos da ''ciência'' sempre demonstraram um carinho e afecto discricionário pela cirurgia, na convicção de que, na maioria dos contextos, as soluções mais eficazes para as enfermidades eram cirúrgicas e os mais hábeis eram os barbeiros.
E ficamos assim irreversivelmente confinados no tema da ''sustentabilidade''.
Saudações.
Manuel.


No dia 26 de Março de 2014 às 00:16, Luiz Oosterbeek <loost@ipt.pt> escreveu:

Um debate importante sobre este tema reuniu colegas da Europa e do Brasil nas IX Jornadas de Arqueologia Iberoamericana, realizadas em Criciúma em 2013, onde se reflectiu também sobre a importância do Brasil e da América do Sul na estruturação do pensamento de F. Braudel e Lévi-Strauss (no âmbito da missão francesa, na década de 30 do século passado). As actas serão apresentadas em Mação, nas X Jornadas, no próximo dia 2 de Abril.

Um abraço,

 

Luiz Oosterbeek

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Pró-Presidente do Instituto Politécnico de Tomar

Av. Dr. Cândido Madureira 13, P - 2300 Tomar, Portugal

Tel. +351249346363; Fax. +351249346366

 

Secretary-General of UISPP (Union Internationale des Sciences Préhistoriques et protohistoriques)

 

De: archport-bounces@ci.uc.pt [mailto:archport-bounces@ci.uc.pt] Em nome de Goncalo de Carvalho Amaro
Enviada: terça-feira, 25 de Março de 2014 19:27
Para: Archport@ci.uc.pt
Cc: vitor.oliveirajorge@gmail.com
Assunto: [Archport] O que é a arqueologia?

 

Há pouco mais de um ano escrevi aqui um comentário onde perguntava qual deveria ser o motor da arqueologia: a história ou a antropologia? A maioria, n@ archport, respondeu-me que claramente deveria ser a história, aqui no Chile que definitivamente a antropologia – aliás, ainda tenho aqui um tema pendente no que diz respeito à minha licenciatura, pois é em história variante arqueologia (e isso parece ser inconcebível aqui nas costas do Pacifico) – no entanto, na altura defendi que o motor da arqueologia deveria ser a própria arqueologia, influenciado que estava pela proposta de uma arqueologia simétrica e por Bjornar Olsen. Hoje em dia, e a preparar uma conferência sobre o Tempo e o Património, e depois de ter mastigado, convenientemente, a arqueologia simétrica (- no prelo - “El acercamiento interdisciplinario a la cotidianidad, la historia de los objetos a traves de la Arqueología. A proposito de  ‘Archaeology. The discipline of things’”. Revista Historia) e até a ter criticado em certa medida (- no prelo – “La Arqueología en sí misma. Una visión (a)simétrica de dos propuestas de Olsen”. MATS 2.), continuo a achar que a arqueologia, enquanto proposta disciplinar, é totalmente independente e diferente das outras duas, na realidade, até poderia perfeitamente viver sem ambas; contudo, essa não é a ideia, seria uma descaracterização, pois a arqueologia é por essência interdisciplinar: uma ponte entre as ciências exactas e as sociais, um elo entre mente e matéria e um trabalho colectivo.

 

Têm sido vários os autores de outras áreas a utilizar o termo arqueologia para tentar explicar conceitos, alternativas ao discurso e à memória (Foucault e Freud entre os mais conhecidos), no entanto, a maioria dos arqueólogos ainda não se apercebeu das vantagens desse filão (chamado arqueologia) e como, por exemplo, na actualidade, a principal corrente de estudo do património cultural explora o conceito ahistórico de um tempo fluido e descompartimentado, sem uma evidente separação entre presente e passado com base na arqueologia. John Carman, Laurajane Smith e Felipe Criado-Boado levaram para o património o verdadeiro tempo arqueológico, que não é o passado mais sim o presente, ou não fosse a arqueologia feita no presente (como nos diz Julian Thomas). 

 

Na actualidade como arqueólogos temos prácticamente dois caminhos (certamente existiram mais opções, apenas teorizo): ou fazemos património ou fazemos história. Ao fazermos património, aproximamo-nos das pessoas, servimos de intermediários entre os objectos e os seres humanos, assumimos claramente a interdisciplina e também a ausência de verdades absolutas, por outro lado, ao fazermos história, aproximamo-nos do discurso, deixamos de ter um papel activo, catalogamos materiais, veneramos estratos, e fundamentamente negamos a nossa essência como arqueólogos, pois deixamos de estar em contacto directo com o passado e passamos a “acreditar” que o passado é imutável e que o registro arqueológico pouco pode fazer em relação ao que já está escrito.

 

É inegável o papel e influencia de alguns historiadores e antropólogos (mas também de químicos, físicos, geólogos, filósofos e geógrafos) nas várias propostas e correntes de pensamento arqueológico, mas já é tempo de pensarmos por nós próprios e, sobretudo, é fundamental reflectir sobre o que entendemos por arqueologia?

 

Uma vez que, agora Olivier já é lido neste fórum (se calhar até já o era antes) atrevo-me a compartir, novamente, a minha opinião. Entendo que a arqueologia trabalha – na sua essência – sobre a memória (material), não sobre o registro do passado, aquele que tem como base a escrita descritiva de uns sobre outros; passo a citar:

 

“archaeology deals with the material memory of the past and [thus] it is the work of the archaeologist to study the way in which memory is constituted over time, in which case the present, understood as ‘nowness’, would become the locus for interpreting the past” ( in Olivier, L.  The Dark Abyss of Time: Archaeology and Memory Altamira Press, Walnut Creek, 2011, p.99).

Um abraço e peço desculpa por este relato em português de um pensamento concebido em castelhano.

PS: Este é um comentário pessoal, sem qualquer intenção ou pretensão de ser uma opinião melhor ou pior que as outras... é apenas uma reflexão compartida.


_______________________________________________
Archport mailing list
Archport@ci.uc.pt
http://ml.ci.uc.pt/mailman/listinfo/archport




--
Manuel de Castro Nunes

Mensagem anterior por data: [Archport] X Encontro de Educação - Identidade e Património Próxima mensagem por data: [Archport] Lançamento brochura "Estalagem Romana da Raposeira" Mangualde
Mensagem anterior por assunto: Re: [Archport] O que é a arqueologia? Próxima mensagem por assunto: Re: [Archport] O que é a arqueologia?