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Re: [Archport] Matar a ciência e empobrecer os investigadores?

To :   <archport@ci.uc.pt>
Subject :   Re: [Archport] Matar a ciência e empobrecer os investigadores?
Date :   Wed, 22 Oct 2014 21:42:37 +0100

Assim de repente, após ter lido muito na diagonal os Princípios Orientadores, saltou-me logo à vista a alínea n.º 1.

Não sou contra a "exclusividade", se ela fôr devidamente cumprida e fiscalizada. Ora a verdade é que, na prática, tal não sucede; tenho conhecimento, na minha área (Geografia/Ordenamento do Território) - certamente também em História e Arqueologia - de muitos investigadores (não necessariamente o bolseiros, mas os já plenamente inseridos na carreira) muito pouco "exclusivos".

Paralelamente, e a piorar a situação, é cada vez mais comum verificar-se um crescente conflito de interesses entre a prática dos centros de investigação e a prática privada/liberal, que se reveste, a maior parte das vezes, de uma clara concorrência desleal.

Já não entrando no campo dos custos fixos (que numa Universidade ou CI são sempre diluídos por inúmeros "contribuintes": orçamento do Estado, propinas dos alunos, etc.), ou dos softwares (cujas licenças a preços "de estudante" acabam por ser utilizadas para fins comerciais/de serviços especializados), recordo também que a figura do "bolseiro" é cada vez mais parecida com a sua congénere empresarial, o "recibo verde", com todos os efeitos perversos que isso acarreta.

Portanto, se é para as universidades, centros de investigação, professores universitários e investigadores andarem cada vez mais a "meter a foice em seara alheia" (i.e. serem mais prestadores de serviços do que investigadores), então que o façam num ambiente verdadeiramente concorrencial e aberto, sem redes de segurança (que as empresas não têm) e sem o "capital relacional" à mistura.

 

 

Cumprimentos,

Carlos Delgado

 

 

 

 

Em 2014-10-22 15:11, José d'Encarnação escreveu:

                Na medida em que boa parte dos membros destes fóruns – archport, histport, museum – têm uma vida que, directa ou indirectamente, se prende com a investigação científica (neste caso específico, mais do âmbito das Ciências Sociais e Humanas, que até constituem, ao que parece, o ‘parente pobre’ da investigação em Portugal (e na Europa…), permita-se-me que dê conhecimento desta circular, que acaba de me chegar, uma vez que aborda temas institucionais que são, afinal, do interesse de todos. – J. d’E.

 

ANICT/FCT/SEC – UMA NOVA AGÊNCIA DO GOVERNO

PARA MATAR A CIÊNCIA 

E EMPOBRECER OS INVESTIGADORES?

Caros colegas investigadores e docentes,

Aparentemente a Associação Nacional de Investigadores em Ciência e Tecnologia (ANICT) transformou-se numa espécie de agência oficiosa do governo, funcionando como “cavalo de Tróia”, para preparar o terreno, dentro do próprio sistema científico nacional, para os objectivos de “morte anunciada” de metade da Ciência e Investigação. Parece pretender agora, a par daquele objectivo negativo, criar condições de real empobrecimento e precarização dos investigadores.

Para isso, a ANICT tornou público um documento (“Princípios orientadores para a criação do Estatuto do Trabalhador de Investigação Científica e restruturação da Carreira de Investigação Científica”), que pretende levar ao que chama de “discussão pública”, realizando sessões de propaganda/divulgação, entre 22 de Outubro e 4 de Novembro em várias universidades, com o apoio da Secretaria de Estado da Ciência, e das Reitorias dessas Universidades... obviamente sem convidarem as organizações sindicais (FENPROF e SNESup) ou a ABIC ou a OTC para o debate, para não haver o “risco” de contraditório, pois se prefere o monólogo ao diálogo e ao debate democrático.

As “propostas” da ANICT lançadas ao/pelo governo, incluem estes “benefícios”:

1.       O fim da exclusividade dos investigadores desta “carreira”, perdendo, com isso, um terço do seu vencimento;

 

2.       A prevalência de contratos a prazo para até 20 anos, ou seja, a elevação da precariedade ao nível estatutário para a carreira dos investigadores;

 

3.       A desvalorização da carreira de investigação face à carreira docente, colocando no acesso os investigadores numa categoria abaixo da dos docentes com as mesmas qualificações académicas – o doutoramento; mais tarde, provavelmente, em nome de uma alegada “convergência”, seguir-se-ia a tentativa de rebaixamento da carreira docente para esse nível inferior atribuído aos investigadores!

 

4.       A possibilidade de “recuperação” de até 1/3 do salário perdido com a eliminação da exclusividade, através de leccionação (se as instituições assim o entenderem... pois anteriormente leccionavam gratuitamente...), diminuindo, portanto, o seu comprometimento na investigação, substituída por estas tarefas;

 

5.       A restrição do acesso à categoria de Investigador Coordenador aos directores dos centros... que são cargos temporários!;

 

6.       A limitação do estatuto de bolseiro aos “estudantes” que usufruem de bolsas durante os seus estudos de doutoramento e/ou mestrado – trata-se do único aspecto positivo do documento, que não é original, uma vez que tanto a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) como os sindicatos (FENPROF, SNESup) há muito que defendem esta posição, quer nas instâncias nacionais como nas europeias, sustentando ainda que mesmo os doutorandos deverão dispor de um contrato a prazo de 4 anos, em vez de uma bolsa.

Como já fizera anteriormente, a direcção da ANICT surgiu repetidamente “justificando” (com os mesmos argumentos da FCT) a “excelência” das avaliações dos concursos para contratos de Investigador FCT ou para bolsas de doutoramento e pós-doc, bem como da avaliação dos centros de investigação, omitindo ou branqueando a falta de transparência e as ilegalidades notórias. Fica assim claro que a ANICT se desligou dos objectivos iniciais de promoção da Ciência, e funciona agora, e cada vez mais, como “voz oficiosa” da FCT e da SEC. Estranhamos também a “pressa” de algumas Reitorias – que, na sua maioria, ficaram tão “silenciosas” quanto à destruição dos seus centros de investigação! - em apoiarem estes debates sem contraditório.

A ANICT até esclarece que se trata de “conciliar os desejos dos investigadores (tais como contratos a longo prazo) com as preocupações das instituições (tais como a dificuldade de despedimentos)”. Não duvidamos que o governo pretende os despedimentos (e receamos, assim, que haja reitorias que também o pretendam!), mas a FENPROF e os seus sindicatos representam investigadores que não querem contratos a prazo... mesmo disfarçados de “longos”!

Os sindicatos da FENPROF, em acção convergente com o SNESup e a ABIC, expressam deste modo a total rejeição das propostas da ANICT e apelam à mobilização conjunta de todos para que, com a sua intervenção, designadamente participando nos debates que se irão realizar, se possa travar a propagação de propostas que mais não visam do que a desvalorização do estatuto socio-profissional dos investigadores e a aprovação de medidas que conferirão ainda maior instabilidade ao sistema de investigação científica nacional.

O Secretariado Nacional da FENPROF

 




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