De:
Manuel de Castro Nunes [mailto:arteminvenite@gmail.com] Regulamento
de Trabalhos Arqueológicos. Um documento insólito mas conivente com os
interesses corporativos. No
passado dia 4 de Novembro foi publicado no Diário da República o novo
Regulamento de Trabalhos Arqueológicos. A Associação Profissional de
Arqueólogos, APA, manifestou prontamente a sua adesão à iniciativa da tutela e
ainda não pude registar uma só manifestação crítica. Registe-se
que, nas considerações preliminares, declara-se: ‘’Foram
ouvidas a Comissão Nacional de Proteção de Dados, as associações profissionais
do setor, as instituições de ensino com cursos na área de arqueologia e as
empresas prestadoras de serviços de arqueologia.’’ Assim
sendo, na ausência de manifestação de refutação ou crítica por parte das
entidades citadas, se consideram solidárias com o teor do diploma. Anteriormente
declara-se: ‘’A
experiência adquirida com a anterior regulamentação permitiu compreender a
necessidade de uma maior exigência da tutela sobre a gestão da actividade
arqueológica, dos padrões de qualidade dos registos e da interpretação e
divulgação dos resultados da intervenção.’’ Sem
qualquer ambiguidade e sem artefícios ou malabarismos de leitura, o que está
expresso nesta enunciação é que a tutela político se arvora em sede de
exigência da qualidade da interpretação dos resultados da investigação. Para lá
do mais. O
que me parece oportuno questionar é se as entidades ouvidas se pronunciaram
integralmente sobre o diploma publicado, ou se o diploma publicado é a versão
da tutela sobre o resultado das audições ou auditorias realizadas, uma
‘’interpretação dos resultados da intervenção’’. É também de registar que a
tutela não nomeie, pelo seu nome, qualquer associação profissional do sector.
Espero que os leitores entendam o sentido deste registo. Habituámo-nos
já a que estes documentos, que do ponto de vista jurídico passam a enquadrar,
em última instância, a nossa actividade, sejam laborados ‘’em cima do joelho’’,
quanto mais ambíguos mais satisfazem, porque o que interessa é que assegurem,
na sua ambiguidade, os interesses corporativos. O
diploma é sumário. É na falta de rigor e de detalhe que reside a sua eficácia,
enquanto suporte dos interesses corporativos. No
Artigo 2º, ‘’Definições’’, estabelece-se uma nomenclatura sumária. Na Alínea g
do mesmo Artigo, define-se ‘’trabalhos arqueológicos’’. ‘’g) «Trabalhos arqueológicos», todas as ações realizadas em
meio terrestre e subaquático que, através de metodologias próprias da
arqueologia, visem a identificação, registo, estudo, proteção e valorização do
património arqueológico, efetuadas por meio de prospeções, sondagens,
escavações, acompanhamentos arqueológicos, ações de registo de contextos,
estruturas arqueológicas e estratigrafia da arquitetura e ações de conservação
e valorização em monumentos, conjuntos e sítios.’’ Fica
todavia por definir o que se consideram prospecções, sondagens, etcetera. Ora,
na Alínea e do Artigo 4º, ‘’Requisitos para a direcção de trabalhos
arqueológicos’’, estabelecem-se as condições em que os titulares de
licenciaturas ao abrigo do denominado Programa de Bolonha podem dirigir
trabalhos arqueológicos. Na verdade, não podem dirigir nada, podem executar
prospecções não intrusivas, desde que dirigidos pelos ‘mais velhos’’. Sem
dúvida, estamos em face do registo de uma intolerável senha reaccionária contra
uma geração que viu o contexto e enquadramento em que tem que realizar a sua
formação académica drasticamente desvalorizado e rebaixado pela própria tutela,
politicamente responsável pelo dano. É
notável, sem dúvida, a sintética arrumação de trabalhos arqueológicos em quatro
categorias, que nada esclarecem acerca da natureza específica do trabalho
arqueológico, senão ao contexto de enquadramento da actividade. Bem,
esta nota crítica é redigida sobre uma primeira leitura, ainda superficial, do
diploma. Ele requer, na verdade, uma análise crítica exaustiva e um debate
intenso, que devia ter sido anteriores à sua publicação. Resta-me
um registo muito pessoal. Nas
considerações preliminares declara-se ainda: ‘’Neste
contexto, importa sublinhar que todo o trabalho arqueológico visa a produção de
conhecimento histórico, elemento essencial da cultura dos povos, e como tal, é
desenvolvido em respeito pelas premissas e procedimentos da investigação
científica.’’ Não
sei, tendo em referência debates que correm ainda entre os arqueólogos tendo em
vista a identificação epistemológica da arqueologia, se a maioria dos
arqueólogos está de acordo com esta formulação. Pessoalmente,
se me assumisse como historiador, ocorrer-me-ia registar que os historiadores
não foram ouvidos pela tutela. Manuel de Castro Nunes.
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