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[Archport] Faleceu Robert Rowland, nosso sócio honorário

To :   "archport" <archport@ci.uc.pt>, "porras" <pporras@der.ucm.es>
Subject :   [Archport] Faleceu Robert Rowland, nosso sócio honorário
From :   <jde@fl.uc.pt>
Date :   Mon, 5 Jun 2023 20:10:57 +0100

Caro(a) amigo(a)

Veja como esta entrevista com este grande investigador vale por muitos livros de antropologia, nomeadamente da sua história.

Sempre pensei que a homenagem melhor que se pode fazer a uma pessoa desta grandeza é ouvi-la ou lê-la. Morte quando se tem uma vida tão rica e cheia é a coisa mais natural, por mais triste que seja...

Os meus, e em nome da SPAE, os nossos sentidos pêsames à família deste grande investigador.

Vítor Oliveira Jorge

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Transcrevo do CRIA:

"Robert Rowland (1945-2023) - Obituário

 

Robert Rowland nasceu (1945) e cresceu na pequena comunidade britânica de São Paulo, no Brasil, para onde o seu bisavô tinha imigrado. Com treze anos repetiu os passos do seu pai e partiu para Inglaterra, com o projeto de aí permanecer durante um ou dois anos aperfeiçoando o inglês. Porém, graças a duas bolsas, completou em Inglaterra a sua formação liceal e, depois, universitária, esta última na Universidade de Cambridge. As suas aprendizagens aí cruzaram os estudos clássicos, a economia e as ciências sociais. Mostrou precocemente os talentos que sustentariam um trajeto intelectual e académico notável e de raro fôlego. A sua primeira publicação foi um prefácio e comentário à poesia de Catulo (Hart-Davis, Londres & Random House, Nova Iorque, 1969), mas desde cedo percebeu que nos estudos clássicos permaneceria num campo “hiperespecializado e estreito”. Era o tempo da ditadura militar no Brasil, onde a economia-política e as ciências sociais que aprendia em Inglaterra eram disciplinas sob vigilância. Fez então parte de várias organizações informais de estudantes brasileiros e latino-americanos na Europa que procuravam interpretar a situação política do continente e que de forma mais próxima ou crítica seguiam o repto de Marx de que mais do que interpretar o mundo era necessário transformá-lo. Múltiplas circunstâncias foram dando rumo ao seu multifacetado trajeto académico e definindo os focos de uma curiosidade plural – e podemos escutá-las da voz do próprio numa entrevista por si concedida em 2010 ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) [1].

 

Um dos marcos fundamentais desse trajeto foi o trabalho de campo que realizou na Itália do sul entre 1968 e 1970 (a sua segunda experiência dessa natureza, a primeira havia ocorrido poucos anos antes, sob orientação de E. Leach, focando as questões da transmissão e inovação temática na literatura, poesia oral e cantadores populares do nordeste brasileiro). Cruzando a sociologia e a antropologia económica e do desenvolvimento, essa segunda investigação de terreno trouxe à luz a inadequação dos pressupostos e categorias da antropologia económica, tal como desenvolvidas por referência a contextos “tribais”, para elucidar as questões do desenvolvimento das então comummente chamadas “sociedades complexas” – especificando como no caso do sul de Itália por si estudado se justapunham e combinavam dimensões locais, regionais e nacionais, que por seu turno requeriam a compreensão do seu enraizamento histórico a essas mesmas escalas. O trabalho permaneceu por publicar, dado o carácter político e até juridicamente sensível do retrato que apresentava da união de velhas tradições clientelares locais e regionais com as estruturas do Estado Italiano (desde 1946 e ininterruptamente governado por um partido político, a Democracia Cristã), argumentando nesse sentido que os obstáculos maiores ao desenvolvimento não eram de natureza económica mas sociais e políticos. Mas não apenas por essa razão escolheu não publicar esse trabalho. Como escreveu em 2006 num curto evocativo dessa experiência de juventude (tinha então apenas 23 anos), aprendeu com ela o desconforto de “utilizar as relações com as pessoas como método de observação”, razão pela qual no seu trabalho posterior veio a “preferir o passado como terreno de investigação.”

 

E assim, no fio dos anos, investigou e publicou um vasto conjunto de textos seminais sobre demografia e história das estruturas familiares (versando fundamentalmente o contexto português e mediterrânico), antropologia económica e história social, os registos da Inquisição, as crenças e enquadramentos sociais da feitiçaria na Europa, a formação da identidade nacional brasileira, e ainda sobre epistemologia, teoria e metodologia das ciências sociais e da antropologia (muitos dos quais se podem encontrar em: https://iscte-iul.academia.edu/RobertRowland).

 

 

Robert Rowland veio para Portugal em 1975, tendo durante várias décadas assumido um papel central para a implantação e institucionalização do ensino e investigação das ciências sociais em Portugal no pós-25 de Abril. Beneficiando da sua experiência anterior de criação de planos de estudo e de investigação interdisciplinares nas universidades de East Anglia e Kent, lecionou sobre História Económica Geral na Universidade do Porto, vindo subsequentemente a integrar o Instituto Gulbenkian de Ciência onde criou e dirigiu o Núcleo de Sociologia Histórica, num período em que, paralelamente, criou no Iscte a área científica e Departamento de Antropologia. Entre 1989 e 2009 foi Professor no Instituto Universitário Europeu, em Florença, no Departamento de História Social Europeia (1987-1995).

 

Robert Rowland deixa viúva, duas filhas e três netas, bem com a memória de um trajeto intelectual e de um carácter exemplares – e o reconhecimento agradecido e saudoso de todos os estudantes e pares que com ele trabalharam e beneficiaram da sua sóbria, rigorosa e sempre informada e inteligente presença.

 

 

Filipe Verde

Diretor do Departamento de Antropologia, Iscte"

 

 

 

 


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