Caríssimos,
Partilho os comentários dos que me antecederam (saudando o excelente artigo do prof. Hermenegildo Fernandes) na solidariedade com a Jacinta sobre o (des)papel de certos responsáveis da DGPC em relação ao património arqueológico.
Por vezes, parece que certas almas iluminadas querem regressar à visão do Estado Novo de que só os gloriosos castelos e as catedrais "puras" constituíam
o património nacional. O que sinto é que há uma cada vez maior desresponsabilização das entidades administrativas (e em particular da maior parte da administração local) pelo património arqueológico, que só estorva o desenvolvimento urbanístico e o turismo.
Os municípios "chutam" o obstáculo para a DGPC, e esta "chuta-o" para a malfadada "preservação pelo registo", forma educada e inteligente do neoliberalismo para destruir e construir por cima (seja qual for a qualidade desse registo ou o que quer que (não)
se faça com ele). E muitos arqueólogos e empresas, benza-os Deus, obedientes e cordatos, demitem-se de ter opinião e fazem o que o cliente quiser, normalmente subscrito pela tutela. Há exceções? Claro que há exceções, e até casos exemplares. Mas estes, contam-se
facilmente; e o restante é a nuvem global que vai arrasando o nosso passado arqueológico.
Choca mais certas consciências que um incêndio devaste um carvalhal antigo (o que sendo grave é regenerável) do que a destruição (ou intencional abandono para que as ruínas se destruam pelo tempo) de evidências únicas à escala peninsular (podia dar exemplos).
Já alguém explicou a certos mandantes que os vestígios e ruínas arqueológicas são um bem não renovável?
Muito há a fazer em termos de legislação (por exemplo a criação de reservas arqueológicas efetivas de longo prazo, o 1% cultural em grandes projetos, etc.), mas o que me entristece é que se regrida em termos de Educação e consciência patrimonial. Teremos de
ir desenterrar o Herculano à tumba para que nos explique a importância da mesquita que enriquece a Sé? Ninguém percebe o potencial deste "dois em um"?
PS - Em nota à nota do Alexandre Monteiro, e como presidente da AG da agonizante APA, só posso dar uma resposta - haverá APA (ou algo afim) se os arqueólogos (ou pelo menos um bom grupo deles) o quiser. Brevemente será aberto processo eleitoral para que se
convoque AG, e, se não houver listas candidatas, enterrá-la de vez. A única coisa que posso prometer é que envidarei os meus melhores esforços em promover um enterro digno, mesmo que pouco concorrido, pois já são poucos os familiares e amigos do anunciado
defunto.
Saudações a todos e bom feriado republicano. Pode ser que lembre a alguns algumas velhas virtudes cívicas.
António Manuel S. P. Silva Rua de Ramos 907 - 2º Dtº 4410-247 Canelas VNG | 916
395 239 De: archport-bounces@ci.uc.pt <archport-bounces@ci.uc.pt> em nome de Jacinta Bugalhão <jacintabugalhao@gmail.com>
Enviado: sexta-feira, 2 de outubro de 2020 19:47 Para: archport <archport@ci.uc.pt> Assunto: [Archport] O Património arqueológico e a DGPC Colegas
Dirijo-me a vós aqui, na Archport, pois considero que esta lista é o mais amplo veículo de comunicação imediato entre os arqueológicos portugueses. Sou, como vós, arqueóloga e tinha a convicção qua tutela sobre o Património arqueológico, a Arqueologia e a actividade dos arqueólogos era exercida pelo Estado, através de um organismo da administração pública central, a Direcção-Geral do Património Cultural. As competências deste organismo, que todos conhecemos, incluem de facto todas as atribuições do Estado em matéria de gestão do património arqueológico, nomeadamente as que decorrem da Constituição, das convenções internacionais ratificadas por Portugal e da Lei de Bases do Património Cultural. Mas pelos vistos estou (estamos) enganada! Segundo declarações do Senhor Sub-director da Direcção-Geral do Património Cultural, o Arq.º João Carlos Santos, a função da DGPC é proteger apenas o património classificado. Sobre a destruição de parte das ruínas da mesquita aljama de Lisboa islâmica, recentemente exumadas no Claustro da Sé de Lisboa, refere o Arq.º João Carlos Santos (em declarações à RTP, consultáveis link em baixo): “O monumento classificado aqui é a Sé de Lisboa”. “Não é uma questão de [a Sé] ter prioridades ou não sobre a mesquita”. “O que está em causa é que o que nós temos classificado, o que nós temos de preservar e defender, enquanto Direcção-Geral [do Património Cultural] é o património que está classificado”. “O monumento nacional aqui é a Sé de Lisboa”. Por isso meus amigos, só posso concluir que, sem que eu tenha reparado, recuámos aos anos 80 do século passado, ou à época “pré-Côa”, quando os arqueólogos tinham de lutar arduamente para convencer os organismos tutelares da altura (IPPC e IPPAR1) que a Arqueologia também é Património e que, por isso, também tinha de ser defendida e protegida pelo Estado. Pensei que esta linha de pensamento estivesse ultrapassada. Mas não. O Património arqueológico não “é o que está em causa”, nem o que “temos de preservar e defender”, diz a DGPC. Eu gostaria então de saber, que entidade pública assume as competências legais do Estado em matéria de Arqueologia e Património Arqueológico. ps:
Jacinta Bugalhão
Arqueóloga e cidadã
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