Tenho visto tanta destruição institucionalizada desde que cheguei à Universidade em 1977 que não sei se ainda poderemos fazer alguma coisa pelo nosso (?) património dentro dos moldes tradicionais, cívicos, que outros ignoram sempre que necessário. Por razões de alguns conhecidas, sinto-me presentemente pouco animado com o panorama geral predominante, depois de ter procurado fazer o melhor que me foi possível até agora e com custos familiares. Quanto aos media parecem mais preocupados com problemas alheios do que com as realidades portuguesas. E infelizmente não são só eles. Lamentei na altura devida as destruições sofridas pelo património arqueológico na Síria, no Iraque e na Líbia, problema do qual nunca mais se ouviu falar entre nós com a necessária amplitude. Mas se essas destruições aconteceram em contexto de barbárica violência e encapotados (?) interesses, aqui, nesta Europa das ilusões ou antes das desilusões, as coisas também acontecem e de forma estranha, pacífica, muito pacífica.. Sempre esperei que novas gerações enfrentassem estes desafios do quotidiano de outra forma, o que alguns fazem, ainda que quase sempre olhados como românticos quixotescos e não poucas vezes sancionados. Falta fazer muita coisa, e são essas coisas em falta que justificam o que entretanto se perdeu. Infelizmente há muita gente mais preocupada em besuntar estátuas ou retirá-las para um qualquer vão de escada do que em actuar na defesa do que, pelo menos em teoria, que deve ser sempre a base da prática, é nacional, no bom sentido da palavra, que também se vai perdendo. Heideger disse que o Homem " é um ser para a morte". Verdade indiscutível, mas não se morre apenas uma vez, morre-se de novo, e definitivamente, quando as memórias, físicas ou espirituais são apagadas. E isso acontece entre nós com demasiada frequência.Cordiais saudaçõesVasco Gil Mantas (APH)_______________________________________________Lídia Fernandes <lidiafernandes@egeac.pt> escreveu no dia segunda, 20/06/2022 à(s) 14:43:_______________________________________________No dia 9 deste mês li, e tenho relido várias vezes, a mensagem enviada por Jacinta Bugalhão para esta lista de discussão de arqueologia e em prol dela.
O tema, mais uma vez, é o da salvaguarda dos vestígios arqueológicos do Claustro da Sé de Lisboa.
A leitura do texto desta colega e amiga não me trouxe nada de novo, mas de novo me questionei com o silêncio dos pares e das instituições que trabalham na defesa da cultura, da nossa identidade e do nosso património e, especialmente, da comunicação social.
O “Projecto de Recuperação e Valorização da Sé Patriarcal de Lisboa – 2ª Fase – Instalação do Núcleo Arqueológico e Recuperação do Claustro da Sé de Lisboa” que teve início no tão já longínquo ano de 2012, já lá vão 10 anos, não faria prever em mente alguma o nó górdio que iria surgir.
Na verdade, um ato tão linear como a salvaguarda de estruturas arqueológicas - tão relevantes e de tão variadas épocas que permitem contar e revisitar a história de Lisboa e de grande parte do nosso território na primeira pessoa - resulta hoje num projeto arquitetónico que, feito para as proteger as pretende destruir.
Peço desculpa por trazer à baila o caso do teatro romano em local tão próximo à Sé de Lisboa. Ao longo dos 33 anos em que trabalho neste local nunca me passou pela cabeça que este sítio arqueológico permanecesse em 2022, sem uma musealização séria e definitiva, continuando a ostentar placas de zinco como cobertura ou a recorrer a pinturas de talentosos graffiters para embelezar placas de MDF que delimitam o teatro mais antigo do nosso país, um de dois teatros romanos identificados arqueologicamente e o único com museu a ele dedicado. Ainda assim, é muito triste concluir que melhor é esta sorte que o destino reservado às ruínas arqueológicas da Sé de Lisboa. Parece que em Portugal, nada fazer é preferível a soluções mirabolantemente engenhosas que alguns políticos, ditos defensores do património, pretendem implementar. Assim seria de facto, se não estivessem envolvidos milhões que saem dos bolsos de todos nós!
Não é possível sequer imaginar que um projeto de arquitetura que tem como principal objetivo a defesa de vestígios arqueológicos, não discuta o projeto de arquitetura com os arqueólogos responsáveis pela escavação. Neste caso posso-me congratular pelo facto de, no teatro romano, nunca tal ter ocorrido! Mas esta será apenas uma das imensas incongruências de todo este desastroso e infeliz folhetim.
Todos os argumentos podem ser apresentados como, aliás, o faz exemplarmente Jacinta Bugalhão no decurso da sua já longa luta contra este processo, mas fica uma enorme tristeza por vermos, diante dos nossos olhos, acontecer uma pensada, intencional e programada destruição do património que é pertença de todos, sem que o Homem, esse vil e magnífico ser, consiga arranjar uma solução.
Relembro o que diz Jacinta no seu mail, no seu “grito, já desesperado (…) se vemos, ouvimos e lemos, não poderemos ignorar. Devemos falar, escrever e manifestar, bem alto e junto de quem decide, pelos meios que cada um escolher, a nossa recusa em perder e não poder contemplar esta maravilhosa dádiva que o passado nos legou, resolvemos relembrar o que, esperamos, não vir a perder no nosso futuro!”
É assim que vos convidamos a assistir no dia 22 de junho, esta 4ª feira, às 18h no Museu de Lisboa – Teatro Romano, a palestra “Claustro da Sé de Lisboa – espaços públicos de diferentes cidades”, proferida pelas arqueólogas Alexandra Gaspar e Ana Gomes.
Pelo interesse desta apresentação ela será presencial e também transmitida via Zoom, para quem se quiser inscrever, bastando, para tal solicitar o link de zoom através do email reservas@museudelisboa.pt
Lídia Fernandes
Arqueóloga e cidadã
MUSEU DE LISBOA - Teatro Romano
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