O acolhimento personalizado tem em vista facilitar a integração dos mais de
mil alunos que anualmente chegam à universidade ao abrigo do programa
Erasmus
No Páteo da Universidade de Coimbra (UC), o alemão Benjamin Radde, estudante
de História e Português, dá uma gargalhada quando se fala das animadas noites de
Coimbra: "Todos os dias!? Não! Só saio à quinta-feira, não aguentava mais do que
isso!", exclama, a rir. Ao seu lado, Hélder Maia, português, sorri. Quando ele
próprio foi estudar para a Irlanda, igualmente ao abrigo do programa de
mobilidade estudantil Erasmus, as noites também fizeram parte da lista de
"choques culturais": "Lá fecha tudo às 2h da manhã! Nem queria acreditar: "E
depois dessa hora, o que é que faço?!""
Conhecem-se graças ao Programa
Buddy, que a UC apresenta como inédito em Portugal. O objectivo é proporcionar
um acolhimento personalizado aos estudantes estrangeiros, ajudando-os a
instalar-se, a lidar com as burocracias e a travar conhecimentos, facilitando a
sua integração. E o sistema é simples: os portugueses disponibilizam-se para
ajudar os colegas junto do Gabinete de Relações Internacionais da UC que, ao
aceitar a inscrição do aluno estrangeiro, lhe fornece imediatamente os contactos
do buddy (companheiro, em inglês) que a sorte lhe ditou.
"Quem já
caiu de pára-quedas, para estudar, numa cidade estrangeira, sabe como ter alguém
à espera pode fazer toda a diferença", assegura Hélder Maia. Estudante de Inglês
e Espanhol, foi um dos 283 portugueses que se inscreveram a tempo de receber os
cerca de 800 colegas estrangeiros que vieram passar o primeiro semestre ou todo
este ano lectivo na UC. E, precisamente por serem mais os visitantes do que os
anfitriões, ficou responsável por quatro colegas, entre os quais Benjamin. A
dificuldade da tarefa, assegura, depende mais do feitio do que da nacionalidade
do colega. "A Olga, polaca, tinha tudo resolvido quando me encontrei com ela. Já
o Benjamin...", brinca Hélder. Fez questão de se instalar numa casa onde só
vivessem portugueses, para treinar a língua. E, afinal, para nada: "Demorava
tanto a tentar explicar-me que acabámos todos a falar inglês...", admite
Benjamin.
Este alemão escolheu Portugal depois de passar férias no país.
Fierdevs Mazlum, uma turca de 21 anos, só tinha duas opções: "A universidade em
que estudo também tem protocolo com outra, na Polónia, mas não gostaria de viver
num país tão frio", diz. É das despachadas: com o rosto descoberto, mas os
cabelos escondidos por um lenço, diz que se sente "em casa", mas não calou o
espanto quando a buddy portuguesa, Vanessa Gaudêncio, lhe apareceu de
vestido curto: "Andas sempre assim?!"
Vanessa dá uma gargalhada. Tem
quatro buddies e cumpriu o seu papel à risca: deu-lhes indicações
pormenorizadas desde a saída do aeroporto até à estação de comboios de Coimbra,
tratou da procura de casa, das matrículas, etc.: "Não custa nada e sei que estou
a ajudar muito".
Estudante de Psicologia, Vanessa rapidamente descobriu
em Lausanne, na Suíça, que os três anos de estudo de Francês não lhe serviam de
nada. Por pouco não desistiu, conta. Quanto a Ruben Ribeiro, que optou por
Varsóvia, não demorou a aperceber-se de que o inglês fluente lhe era quase
inútil na Polónia. "Eu e o meu colega demos connosco a fazer mímica e desenhos
para comprar telemóveis... Adquirimos modelos que ninguém usava, com tarifários
impossíveis de manter...", ri. E teve buddy, conta o estudante de
Economia, que diz que sem essa ajuda teria sido "quase impossível" encontrar
tecto, "num meio em que estrangeiros ainda são vistos com desconfiança".
A questão do alojamento é sempre complicada. Como anfitrião, Ruben
correu meia cidade para encontrar um quarto não muito caro numa casa só com
raparigas, como desejava Oya, turca. Marta Rocha, de Estudos Europeus, correu
outra meia para descobrir uma casa onde vivessem músicos, para atenuar a
tristeza do seu buddy, que chorava ter deixado a guitarra em Itália.
"Parece uma insignificância, mas eu sei que não é... Eu própria estava ansiosa
por viver em Praga e, ao fim de alguns dias, dei comigo a perguntar: "O que é
que eu estou a fazer aqui?".
As primeiras semanas - procura de casa,
instalação de Internet, escolha de telemóvel, inscrições nas faculdades e outras
burocracias - são "sempre" as mais difíceis, concordam. "Há muita gente que
desiste nessa fase...", garante Marina Barata, que estudou Direito em Sienna,
Itália. Diz que se sentiu "sozinha, infeliz, desamparada" e por isso mesmo se
inscreveu no Programa Buddy. "Quero ajudar! Nem quero pensar no que teria
perdido se tivesse desistido..."