A denúncia foi feita pela associação Todos com a Esclerose Múltipla (TEM):
uma jovem terá sido coagida a interromper um estágio profissional financiado
pelo Estado por sofrer desta doença crónica degenerativa do sistema nervoso
central.
O caso está longe de ser único, embora seja "o mais gritante",
porque envolve uma instituição particular de solidariedade social, afirma a
presidente da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM), Manuela Neves.
Aliás, num estudo divulgado este ano, a SPEM concluiu que mais de metade (55,6
por cento) dos portadores de esclerose múltipla não trabalham, uma parte
substancial dos quais (41,5 por cento) porque se reformaram antecipadamente ou
foram despedidos. A maior parte das situações de discriminação deve-se ao
desconhecimento da doença, que implica uma redução da produtividade.
O
caso de Sónia Braga, 32 anos, é paradigmático. Licenciada em Educação, Sónia
assinou um contrato de um ano com a Associação Social Cultural Recreativa e
Desportiva de Nogueiró, Braga, ao abrigo do programa Inov-Social, promovido pelo
Instituto de Emprego e Formação Profissional e co-financiado pelo Fundo Social
Europeu. Começou a trabalhar em Março e deveria ter continuado até 2011. Após
dois surtos da doença, em Julho terá sido convencida a assinar um acordo de
cessação do contrato de formação. Um acordo onde se afirma expressamente que a
revogação decorre "da deficiência" de que é portadora, a esclerose múltipla, que
afecta a capacidade de cumprir os "objectivos mínimos pretendidos com o estágio
profissional, dada a dificuldade/impossibilidade de poder designadamente operar
com um computador".
"Ela foi coagida a assinar o acordo. Disseram-lhe que
[se não assinasse], teria que devolver o dinheiro que já tinha recebido [da
bolsa de formação]", contou ao PÚBLICO a mãe, Joaquina Braga, cuja reforma é
agora o único rendimento em casa (o marido está incapacitado depois de ter
sofrido dois acidentes vasculares cerebrais).
O assunto está nas mãos de
um advogado que trabalha voluntariamente para a TEM, mas Joaquina Braga sublinha
que o objectivo primordial é evitar que aconteça o mesmo a outros doentes. "Há
muitas Sónias neste país", garante Paulo Silva Pereira, presidente da TEM. Além
do caso da jovem de Nogueiró, a associação, com dois anos, recebeu uma denúncia
de um outro doente que "está a ser coagido para se despedir". O Bloco de
Esquerda já fez um requerimento em que questiona a posição do Governo sobre a
"discriminação" dos portadores de doença crónica ao abrigo de programas como o
Inov-Social. E o deputado do PS Miguel
Laranjeira também vai interpelar o Governo. O PÚBLICO tentou falar com os
responsáveis da associação de Nogueiró, sem sucesso. Em Portugal estima-se que
haja cerca de seis mil portadores de esclerose múltipla.