Ao longo de dois anos,
suspenso de pé acima de uma passadeira, Rob foi sendo manipulado por
fisioterapeutas
Ficar paraplégico é um terror bastante comum. Sofrer um
acidente que não nos mate mas nos deixe em cadeira de rodas para o resto
da vida corresponde à ideia que muita gente faz do Inferno. E há quem diga
que preferia morrer logo.
Quando um tal acidente aconteceu a Rob Summers há quatro
anos, a sua atitude foi diferente. Graças a ele e à ciência, acaba de
acontecer um milagre médico, que promete repetir-se muitas vezes no
futuro.
Rob era uma estrela do basebol americano. Semanas após
ajudar a sua equipa a ganhar um campeonato universitário, um carro
desgovernado apanhou-o na rua e esmagou-lhe a parte inferior do corpo.
Sobreviveu por milagre, mas os médicos deram-lhe a má
notícia: nunca mais ia poder andar. Não contavam com a sua força de
vontade. Rob diz que resolveu logo mostrar-lhe que estavam enganados.
Ao longo dos anos seguintes, dedicou-se à recuperação com a
mesma energia e astúcia com que se havia dedicado ao desporto. Milhares de
outros na mesma situação o fizeram antes. Mas ele teve a sorte de o seu
acidente coincidir com um momento em que medicina estava a chegar a uma
evolução decisiva no tratamento desse problema.
Uma descoberta extraordinária
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Rob diz que a esperança última é
voltar a jogar basebol |
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Ultimamente ouve-se falar com frequência em novas técnicas
que ajudam os paraplégicos a fazer a sua vida e a comunicar. Ainda há
poucos anos, em Portugal, o hospital Egas Moniz (pioneiro nessa área)
anunciou desenvolvimentos importantes. Por exemplo, certas formas de
transplante na medula, ou uma touca com eléctrodos que ajuda os doentes a
escrever no computador. Mas o que agora se passou está a um nível
completamente diferente.
Pela primeira vez, um paraplégico consegue manter-se de pé
sem ajuda. E não apenas se mantém de pé, como dá um ou dois passos.
Como é possível? Graças a uma técnica de estimulação
eléctrica da medula espinal, que por sua vez permitiu -- ou confirmou -
uma descoberta fundamental: não é sempre o cérebro a controlar o
movimento.
O relato e explicação dos cientistas foi publicado na
Lancet, uma das mais prestigiadas revistas científicas mundiais. Ao longo
de dois anos, suspenso de pé acima de uma passadeira, Rob foi sendo
manipulado por fisioterapeutas que procuravam 'reensinar' a sua rede
neural a fazê-lo andar. Finalmente, graças a estímulos fornecidos por meio
de um aparelho implantado na parte inferior da espinha, o resultado
desejado produziu-se. Alguns movimentos pequenos e hesitantes que devem
representar o princípio de algo muito maior, para Rob e não só.
A conclusão científica importante é que o movimento de
andar, e presume-se que muitos, são na realidade comandados por uma rede
que os aprendeu há muito tempo. O que põe a funcionar esse mecanismo será
provavelmente o simples facto de alterar o peso de um pé para o outro.
Quanto ao impulso cerebral, desempenha sobretudo um papel de
'facilitador'.
Repetir a experiência
"O cérebro põe o sistema nervoso à espera de informação
relacionada com andar", explica a professora Susan Harkema, um dos dois
principais neurocientistas envolvidos no projecto. Mas essa informação vem
das pernas.
Rob Summers tinha conservado alguma sensação nas pernas, e
isso foi fundamental, como o foi a própria forma física excepcional em que
se encontrava antes do acidente. Falta saber se pessoas que não beneficiem
de ambas essas vantagens poderão conseguir o mesmo que ele.
Em breve mais quatro paraplégicos deverão submeter-se ao
mesmo tratamento. Um resultado científico só pode considerar-se válido
depois de ter sido replicado. Mas há bons motivos para ter esperança.
Afinal, todas as evoluções começam pequenas.
Rob diz que a esperança última é voltar a jogar basebol.
Para já, um filme sobre as suas experiências é mais ou menos garantido.
Ele mostra-se bastante interessado, e não deve faltar quem o aborde.
A investigação médica foi feita sob os auspícios da
fundação criada pelo falecido actor Christopher Reeve (o 'Super-Homem'),
que ficou paraplégico após um acidente de equitação.