Exmo. (a) Sr. (a)
Remetemos abaixo, no corpo desta mensagem e em anexo, o número 1
de Jardim da Sereia - revista inclusiva de divulgação tiflo-cultural.
A inclusão da revista no corpo da mensagem e simultaneamente em
dois anexos de diferentes formatos (pdf e word), permite aos utilizadores de
leitor de ecrã optarem pelo formato que for mais adequado ao seu caso concreto.
Quanto à versão áudio pode ser obtida a partir da ligação inserida na ficha
técnica da revista. A versão braille será remetida mediante solicitação
expressa ao Serviço de leitura para Deficientes Visuais da BMC.
Esta publicação tem periodicidade mensal, é editada em formato
áudio, Braille e texto digital, distribuída gratuitamente por diversas
instituições, pessoas com deficiência da visão, amigos e colaboradores deste
serviço.
Pedimos desculpa se esta informação não for de seu interesse. Se
não desejar receber mais a nossa revista, agradecemos que nos informe – basta
responder a esta mensagem constando no Assunto a palavra “Remover”.
Se gostou de receber a revista Jardim da Sereia reenvie para os
seus amigos. Caso queira que alguém passe a receber directamente, envie-nos o
seu endereço electrónico e nós acrescentaremos à nossa lista.
_____________
Jardim
da Sereia
JARDIM
DA SEREIA
Imagem
do conjunto escultórico no estilo barroco, localizado no átrio do Jardim da
Sereia, cujo corpo central forma uma cascata verdejante, coroada por
uma escultura de Nossa Senhora da Conceição e ladeada, à esquerda e à direita
por dois elementos em forma de medalhão ostentando painéis de azulejos
setecentistas.
Revista
inclusiva de divulgação tiflo-cultural
Biblioteca
Municipal de Coimbra
Logótipo
da BMC
N.º 1
- Setembro de 2012
Coordenação:
José Guerra
Arranjo
gráfico: M. C. Bastos
Locução:
Maria José Alegre
Sonoplastia:
Emanuel Laça
Impressão
Braille: Serviço de Leitura para Deficientes Visuais da BMC
e-mail:
leitura.especial@cm-coimbra.pt
Tel.
239 702 630
Pode
fazer o download da versão áudio daqui.
O
cego curioso queria saber de tudo. Ele não fazia cerimónia no viver.
O
sempre lhe era pouco e o tudo insuficiente.
Mia
Couto in “ Estórias Abensonhadas” P. 29
* * *
SUMÁRIO
Editorial
Tiflologia
Cegueira. Aprender a viver sem uma luz ao fundo do túnel
Coimbra dos meus amores
Parque de Santa Cruz
Quando os cegos são a personagem
O Dervixe Cego e a Primeira Flauta
Livros & leituras
Audiolivros
Vai acontecer
A viajar pelas letras
Os lírios
* * *
Editorial
Por
José Guerra
Neste
mês de Setembro de 2012, damos início a um novo projecto no âmbito do Serviço
de Leitura para Deficientes Visuais da Biblioteca Municipal de Coimbra.
A
edição de um boletim, que agora ousamos chamar revista, não é uma iniciativa
inédita no âmbito deste serviço. Em tempos, editámos "Página
Braille", um
pequeno boletim de divulgação tiflo-cultural, exclusivamente impresso em
braille.
Surge
agora "Jardim da Sereia", revista inclusiva de divulgação
tiflo-cultural.
"Jardim
da Sereia", alusão directa ao espaço adjacente à Biblioteca Municipal de
Coimbra, um ícone da cidade. Trata-se de um nome bem conhecido, o qual
só por si garante uma imediata ligação com Coimbra.
Depois,
o subtítulo "Revista inclusiva tiflo-cultural", evidencia, por um
lado, o facto de ser uma publicação acessível a pessoas com necessidades
especiais
(publicada simultaneamente em áudio, braille, e texto digital); por outro lado,
destaca a sua opção temática: a tiflologia e a cultura.
Pretendemos
com esta iniciativa estreitar a relação dos leitores com o serviço, captar
novos utentes, e divulgar temas de cariz cultural junto de um público
tradicionalmente desfavorecido no acesso à conteúdos informativos, como é o
caso de muitas pessoas com deficiência visual.
Dentro
dos limites da temática e da matriz previamente desenhada, procuraremos
diversificar os assuntos e manter um registo de escrita compatível com a
heterogeneidade do público a quem primariamente se destina.
"Jardim
da Sereia", com periodicidade mensal, assenta na seguinte matriz:
"Tiflologia"
- nesta rubrica serão abordados temas relacionados com a especificidade das
pessoas com deficiência visual; "Coimbra dos meus encantos" -
pequenos
textos sobre Coimbra; "Quando os cegos são a personagem", histórias
ou pequenos excertos de obras literárias onde e quando a personagem seja pessoa
cega;
"Livros & Leituras" - críticas e recensões das obras que são
gravadas no nosso serviço e as que constem para publicação Braille; "Vai
acontecer" - informações
breves de eventos a acontecer na Casa da Cultura / Biblioteca Municipal, em
particular, e na cidade de Coimbra, em geral, os quais, pelas suas
características,
se mostrem especialmente adequados para poderem ser fruídos pelas pessoas com
deficiência da visão; "A viajar pelas letras” - espaço para publicação de
pequenos contos e poemas da autoria dos utentes, colaboradores, ou amigos do
serviço. A propósito de algumas efemérides poderão ser publicados poemas ou
outros textos de autores consagrados; "Tecla de atalho" - pequena
rubrica sobre informática adaptada; "Discriminação (+ vs -)" -
Discriminação positiva
ou apenas discriminação (negativa), rubrica destinada à publicação e comentário
de textos legislativos, decisões administrativas ou práticas que promovam
a discriminação positiva em favor das pessoas com deficiência, tendo em vista a
igualdade de oportunidades. O sinal será negativo quando se identifiquem
medidas que obstem ou dificultem o desígnio da inclusão social.
Procuraremos
respeitar esta matriz, ainda que cada número da revista não pretenda incluir a
totalidade das rubricas anunciadas. Elas ir-se-ão sucedendo,
sendo certo que algumas estarão mais presentes que outras, já que às primeiras
cinco atribuímos carácter de regularidade, enquanto as restantes terão
publicação
intermitente.
* * *
Tiflologia
Cegueira.
Aprender a viver sem uma luz ao fundo do túnel
Por
Pedro Rainho
O
sotaque acentuado denuncia a proveniência alentejana de Ana Gil mal pronuncia
as primeiras palavras. Chegou há menos de dois meses ao centro, depois de
sofrer um derrame cerebral que lhe afectou os nervos ópticos. Aos 42 anos, a
funcionária da Câmara Municipal de Sousel perdeu por completo a visão, mas
os 25
dias em
que esteve internada no Hospital de São José, em Lisboa, em Dezembro de 2011,
deram-lhe tempo para reajustar prioridades. “Nos primeiros dias eu
nem sabia se ia sobreviver. Mas a minha vontade era tanta que perder a visão
foi o menos importante”, confessa.
Soube
da existência do Centro Nossa Senhora dos Anjos através dos serviços sociais do
hospital e candidatou-se à mesma entrevista inicial por que passam
todos os utentes. A conversa serve para avaliar o estado psicológico de cada
candidato e determinar se pode ser acompanhado durante alguns meses no espaço.
“Para
nós, o mais complicado é lidar com a depressão e o desalento das pessoas,
porque isso perturba-as tanto que dificulta a aprendizagem”, confessa o
psicólogo António Feliciano.
Ao
cimo da Travessa do Recolhimento de Lázaro Leitão, em Lisboa, o centro
dedica-se a dar uma nova esperança a pessoas que, como Ana Gil, perderam aquele
que será o mais importante dos cinco sentidos: a visão. O espaço é o único em
Portugal a trabalhar na reabilitação de pessoas com cegueira recém- -adquirida
ou com baixa visão. Abriu portas há exactamente 50 anos e em 2011 a gestão foi
transferida da Segurança Social para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Acolhe
utentes de todo o país em regime de internato, com períodos que variam entre os
seis meses e um ano. Ao longo desse tempo, os 12 técnicos do centro
dão apoio a quem passou por uma perda súbita e irreparável. Uma perda que exige
um luto, mas que não é sinónimo do fim. Ao fundo do túnel pode não haver
luz, mas há uma nova oportunidade para viver.
“A
tua realidade agora é outra”, disse Ana Gil a si mesma, ainda no hospital, “e o
que ficou para trás ficou. Agora vais ter de encontrar soluções para
enfrentar as coisas.” Nas primeiras semanas, o estado de espírito não se
manteve sempre tão positivo, porque reaprender a viver quando se está a meio da
vida é duro e a angústia acaba por ocupar o seu lugar. Mas para a utente mais
recente do centro a adaptação à nova realidade foi rápida e em poucos dias
ela passou a conhecer os cantos à casa. Porque é “uma pessoa despachada”,
agarrou-se à aprendizagem das tarefas que são para si mais importantes: a
informática
– porque quer “voltar à actividade profissional que tinha” – e a mobilidade.
Primeiros
passos
Ana
Gil é acompanhada nessas áreas por técnicos especializados, como Ana Henriques,
professora de Iniciação às Técnicas de Informação e Comunicação (TIC
1). Em voz alta, a professora dita, palavra a palavra, aquilo que deve ser
escrito pelos dois utentes que naquela aula têm a primeira aproximação ao
computador.
Sentados em duas secretárias lado a lado, guiam os dedos pelo teclado com a
ajuda de duas marcas que assinalam as letras F e J e que servem de referência
para todas as outras. No ar, com a voz de Ana Henriques ressoa uma outra,
metálica, que sai das colunas. O software de reconhecimento do ecrã serve de
guia para os alunos e é a única forma de saberem os passos a dar quando estão
frente ao ecrã. O computador representa a maior janela para um mundo fora
da realidade rotineira. “Para uma pessoa cega, ter um computador com acesso à
internet é estar acompanhada estando sozinha”, explica Arménio Nunes, professor
de TIC 2. Ali os utentes “aprendem tudo o que precisam de saber fazer no
correio electrónico, utilizam o Skype e o Messenger e navegam na internet”.
Para
quem não esteja no centro, e não frequente acções de formação profissional,
Arménio Nunes desenvolveu, há dez anos, o Programa de Apoio em Autonomias
de Tecnologias de Informação e Comunicação. Um projecto que funciona como
sistema de ensino à distância. A partir do gabinete, onde também dá aulas,
responde
actualmente a dúvidas de 17 alunos, uns do Porto outros dos Açores, e há até
quem lhe escreva dos Estados Unidos. Garante que o prazer que tem nesta
actividade
vem de quando sente “as pessoas ficar mais contentes, a comunicar e com o
amor-próprio a subir”.
Autonomia
A
disposição dos alimentos no prato é guiada pelos ponteiros do relógio. A carne
vai para as três horas, a salada ou os legumes para as 12 e o arroz ou
as massas ficam entre as oito e as nove. Uma acção simples, como pôr a mesa,
exige o mesmo método e rigor que todas as tarefas do quotidiano para quem,
como Tânia, não tem o recurso da visão. Hoje tem 19 anos e chegou a Portugal em
Novembro, ao abrigo de um protocolo para a área da saúde entre o Estado
português e as antigas colónias. Os primeiros sinais de que algo não estava bem
com os seus olhos apareceram quando era ainda uma criança de sete anos.
Entretanto
perdeu a quase totalidade da visão e tenta reaprender a naturalidade das
actividades que antes realizava com simples recurso aos olhos. “Encaramos
isto como uma escola, mas onde tem de haver tempo para a interiorização e para
a reflexão, porque aceitar que se vai ficar cego para a vida é complicado”,
diz Ana Magalhães, directora do centro desde Março. A reabilitação de cada
utente é encarada de forma personalizada, com as suas necessidades e os
momentos
próprios de evolução, porque “é preciso tempo para pensar, é preciso dar espaço
às pessoas para interiorizar as aprendizagens, algumas delas muito duras”.
Uma
das maiores barreiras é a da falta de mobilidade. Alguns utentes chegam ao
centro depois de meses limitados aos ambientes mais familiares, deslocando-se
entre o quarto, a sala e a cozinha das suas casas. Readquirir o sentido de
orientação, as noções de espaço e o equilíbrio são alguns dos principais
momentos
de aprendizagem após a perda da visão. Judite Martins esteve dois anos “presa à
casa”, depois de um deslocamento da retina ter encerrado um processo de
vários anos, entre perdas e recuperações da visão. A ex-utente interrompe por
momentos a leitura em braille de um conto infantil – técnica que aprendeu
no centro – para recordar os 12 meses que passou em reabilitação: “Fui à luta e
aprendi tudo. Se no fim-de-semana tiver dez pessoas em casa”, diz com orgulho,
“cozinho para todos sem precisar da ajuda de ninguém.”
“Há
uma reaprendizagem para a vida”, sublinha Sónia Grilo, a mais recente técnica
do centro, que faz o acompanhamento das aulas de actividade motora, piscina
e mobilidade. Numa antecâmara da capela transformada em ginásio, a professora
utiliza a recriação de um jogo de bowling para treinar a orientação com os
utentes. Colocados numa ponta da sala, lançam pelo chão uma bola especial, com
pequenos guizos no interior, tentando acertar com a direcção de onde veio
o comando de voz de Sónia Grilo. Aplicados à vida quotidiana, exercícios como
este vão permitir distinguir a proveniência de sons e ajudar a que as pessoas
voltem a orientar-se no espaço.
“Os
utentes que passam pelo centro podem sair daqui com um grau de autonomia
satisfatório”, assegura o psicólogo António Feliciano. No entanto, há
limitações
que nunca serão ultrapassadas, “porque em termos de mobilidade as pessoas podem
aprender a movimentar-se e a utilizar os transportes públicos, mas, excepto
em
casos
excepcionais, ficam limitadas aos mesmos percursos”. O acompanhamento
psicológico é, por isso, essencial para lidar com as frustrações que surgem
com o processo de reabilitação, como o momento em que se começa a usar a
bengala.
Porque
representa para o próprio uma limitação que não existia e porque se perde o
anonimato perante a sociedade, apresentando quem não vê como alguém diferente.
“Para
nós o mais complicado é lidar com a depressão e o desalento das pessoas, porque
isso perturba-as tanto que dificulta a aprendizagem”, mas “como estão
ocupadas e em contacto com outras, rapidamente surge uma esperança”, explica
António Feliciano. Conseguir movimentar-se é um passo fundamental na conquista
de autonomia, mas há outras tarefas do dia-a-dia que têm de ser trabalhadas.
Na
aula de Actividades da Vida Quotidiana – Competências Sociais, a aprendizagem
de Tânia vai muito além de pôr a mesa. Ao passar os dedos por uma moeda
de dois cêntimos apercebe--se de que há um veio a meio – “parecem duas moedas
coladas” – que a distingue das outras. O truque para as notas é dobrá-las
ao meio, enrolá-las em volta do indicador e unir as pontas por cima do dedo. A
quantidade
de
papel que sobra, em função do tamanho de cada nota, permite perceber o que tem
nas mãos. Um processo simples, embora demorado.
Futuro
lá fora
Foram
precisos alguns anos de “reclusão” para que Paulo Almeida se “ambientasse à
ideia” e aceitasse a nova fase da vida em que se encontra.
Hoje
garante que “quer fazer tudo o que fazia antes de perder a visão”. Prova disso
é a exposição de fotografias que apresentou na cerimónia do cinquentenário
do centro dos Anjos e que agora preenche as paredes do refeitório. Imagens
captadas nos últimos dois meses, já como utente da instituição.
O
prazer da fotografia é uma forma de preparar novos projectos, porque a vida
fora do centro vai continuar quando estiver concluída a reabilitação: “Gostava
de fotografar Lisboa da minha perspectiva, a perspectiva de alguém que não vê.”
Outro
objectivo que gostaria de alcançar seria tirar um curso de massagista, que lhe
permitisse ter uma actividade regular mais tarde, porque “não existem
muitas saídas para quem não vê”. “Daquilo que tenho verificado em experiências
anteriores, é muito difícil recolocar as pessoas no mercado de trabalho”,
lamenta Ana Magalhães, que tem sentido as dificuldades acentuarem-se nos
últimos meses, com o agravamento da situação económica do país. “Neste momento
há um grande vazio no mercado de trabalho”, aponta Sónia Grilo, o que dificulta
a motivação dos utentes, pela falta de perspectivas. “Se nós temos de dar
100% no trabalho, eles têm de dar 5000% para mostrar que nunca falham”, defende
a professora. “Depois de se conseguir renascer é voltar a matar a pessoa”,
conclui a professora. “Por outro lado”, lamenta Paulo Almeida, “existem algumas
leis no nosso país que não são cumpridas pelas empresas”, o que torna
impossível
o acesso a determinados postos de trabalho. “A sociedade trata-nos como uns coitadinhos,
mas não me revejo nesse estatuto” porque “tenho tanto valor como
uma pessoa que tenha todas as suas capacidades”, diz.
A par
da marginalização profissional, ressalta dos testemunhos a sensação de alguma
insensibilidade e incompreensão por parte da sociedade. Depois de se
movimentar pela cozinha do centro, enquanto preparava o almoço para aquele dia
– uma das actividades que ali se desenvolvem –, Teresa Rascão observou:
“As pessoas querem ajudar e a primeira coisa que fazem é agarrar-nos no braço. Isso
é errado, porque acabam por deixar-nos num espaço que para nós é vazio.
Ficamos sem referências.” A experiência leva-a a defender que “toda a gente
devia aprender como se agarra uma pessoa cega e como se deve caminhar em
simultâneo
com ela”, para evitar alguns acidentes que acabam por acontecer. Outro
problema, destaca Paulo Almeida, são os passeios, que “não estão preparados
para
pessoas cegas”. Caixas de electricidade, carros nos locais errados e postes
baixos no rebordo dos passeios são outros exemplos daquilo que, para quem não
vê, representa um perigo eminente.
Actualmente
há 14 pessoas em lista de espera para integrar o Centro Nossa Senhora dos Anjos
e Ana Magalhães sublinha a disponibilidade da instituição para
trabalhar com músicos ou estudantes da área que promovam actividades no local,
pelo “papel lúdico-terapêutico” que a actividade representa. Para mais tarde
está a ser pensada a abertura de apartamentos para residências individuais, que
permitam trabalhar a autonomia dos utentes da instituição.
Publicado
em 23 Jun 2012 em:
http://www.ionline.pt/portugal/cegueira-aprender-viver-sem-uma-luz-ao-fundo-tunel-0
* * *
Coimbra
dos meus amores
Parque
de Santa Cruz
O
Parque de Santa Cruz, também conhecido por Jardim da Sereia, data do século
XVIII, tendo sido mandado construir, entre 1723 e 1752, no espaço da antiga
Quinta da Ribela, por D. Gaspar da Encarnação, então responsável pela Ordem dos
cónegos regrantes de Santa Cruz e antigo ministro de D. João V. Os luxuosos
e ostensivos arranjos, levados a cabo por este reformador da congregação dos
Crúzios, foram motivo de estranheza e admiração do povo de Coimbra, sabedor
de que o espaço era única e exclusivamente destinado ao recreio e exercício dos
frades crúzios. O Parque apresenta, ainda hoje, a estrutura principal em
moldes de conservação que reflectem a opulência e todo o sentido cenográfico da
arquitectura barroca e funcionou, por muito tempo, como símbolo evidente
do poder de uma ordem religiosa abastada, dona da maioria das propriedades em
redor de Coimbra.
Após
a extinção das ordens religiosas em 1834, o Jardim, como parte integrante da
agora baptizada Quinta de Santa Cruz, passou pelo património de vários
proprietários, sendo o Comendador José António L. Ribeiro o último particular a
usufruir deste espaço. Em 1885, a área da quinta foi adquirida pela Câmara
Municipal, pela impressionante quantia de vinte e dois contos de réis, que nela
edificou o então Bairro de Santa Cruz, embora o jardim continuasse a ser
marginalizado até à sua mais vigorosa revitalização, já na década de 30. Uma
intempestiva e avassaladora intempérie natural, na forma de um ciclone ocorrido
em 1941, ocasionou avultados estragos. As novas intervenções introduziram,
gradualmente, no espaço outrora dominado por árvores de folha perene, novas
espécies de caducifólias como a tília-europeia, o ulmeiro, o choupo-americano,
o plátano, o liquidâmbar, o lodão-bastardo, a olaia, o freixo, ou os áceres,
como o plátano-bastardo, o bordo-dos-rios e o bordo-negundo. A introdução de
espécies exóticas continua ainda a ser uma prática adoptada nas acções de
rearborização do coberto vegetal que apresenta sinais preocupantes de
envelhecimento, o que provoca o progressivo desvirtuar da flora dominante
primitiva
deste Parque, constituída por cedros e loureiros, planeada em prol das funções
exercitantes a que se destinava este espaço e em que a queda das folhas,
e o consequente acumular de matéria orgânica, carente de ser removida, era
completamente indesejável.
A
entrada principal do Parque, em frente à Praça da República, é emoldurada por
um aparatoso pórtico, subdividido em três arcos apoiados em pilastras, cujo
deslumbre deveria ter sido maior na época da construção, em que a Praça estava
desnivelada e situada em cota inferior, sendo necessário subir os degraus
de uma escadaria para aceder e adentrar nesse espaço. O pórtico está forrado
com elementos decorativos de natureza calcária, retirados dos tectos
(estalactites)
ou do chão (estalagmites) das grutas da zona de Condeixa, sendo ladeado por
dois imponentes torreões, de cobertura piramidal. A decoração exterior, de
certo modo invulgar, foi feita com pinturas a fresco (género pictórico
realizado com tintas minerais resistentes, aplicadas sobre o reboco fresco das
paredes),
representando elementos arquitectónicos em trompe l'oeil. No interior, podem
ser apreciadas cenas alusivas a S. Teotónio, Santo Agostinho e D. Afonso
Henriques.
Encimando os arcos do pórtico, estão esculturas representativas
das três virtudes teologais — Fé, Esperança e Caridade e, apensos aos torreões
e ao
arco central do pórtico, observam-se ainda os candeeiros de ferro forjado, obra
de Albertino Marques, ambos de reconhecida qualidade estética e primorosa
técnica.
Ultrapassado
o pórtico, é-se confrontado, à esquerda e à direita, com dois pequenos jardins
quadrangulares ensolarados, com sebes de buxo, a maioria rasteiras
e dispostas em rendilhado simétrico, onde é possível observar exemplos
interessantes de arte da topiária, executada em estilo arquitectónico. Dominam
estes
espaços, dois bustos de homenagem a Camilo Pessanha e Cabral Antunes, dispostos
no centro de cada jardim e em posição de frente a frente, como que a incentivar
um acalorado diálogo virtual.
Ombreado
por estes jardins, no centro do corredor de entrada, deparamo-nos com o espaço
do Jogo da Pela, ou da bola, onde os monges se divertiam e faziam
exercício sempre que as tarefas eclesiásticas terminavam e o tempo o permitia.
Esta avenida de configuração rectangular é rematada nos lados por bancos
revestidos de azulejos setecentistas, com cenas alusivas à Natureza e a
actividades cinegéticas em tons de azul sobre branco, estando antigamente
ladeada
por loureiros e carvalhos dos quais subsistem alguns exemplares [ . . .].
Nos
terrenos logo por cima dos bancos, que ladeiam o jogo da pela, pode observar-se
o acanto, uma herbácea em franca expansão, cujas inflorescências de
flores branco-violáceas chegam a atingir mais de 2/3 do comprimento total da
planta (60 cm); a forma das suas folhas é amiúde referida como o modelo das
folhas exibidas nas colunas coríntias.
Voltando
ao espaço central, verifica-se que este está subdividido por dois pequenos
muretes, formando três corredores que findam nas escadas que conduzem
à imponente cascata artificial, criando uma continuidade axial interessante
entre esta estrutura e os arcos do pórtico. A utilização de painéis murais
de azulejos, as árvores a servir de colunatas, ou paredes vivas, e a subdivisão
física dos espaços centrais reforça a ideia que serve de base à tipologia
dos jardins barrocos característicos do norte de Portugal e em que a soberana
Igreja exercia a sua influência também no domar da Natureza, na tentativa
de reproduzir no espaço exterior do jardim, o desenho interior das suas
Igrejas. Esta mesma visão foi também salientada pelo poeta Eugénio de Castro,
no
seu Guia de Coimbra, ao referir que "o Jogo da Bola, que dá acesso ao
Parque conserva o seu aspecto primitivo de catedral silvestre, onde o arco
entre
os dois pavilhões da entrada figura o pórtico da glória, onde a cascata do
fundo é um sumptuoso altar-mor revestido pelo damasco verde das avencas, onde,
entre os troncos das árvores laterais há penumbras de capelas floridas, e onde
os ramos dos loureiros cruzam no ar os artesões duma abóbada que ficou por
construir".
A
faustosa cascata de três corpos, construída com concreções calcárias
delapidadas do mesmo local de onde foram resgatadas aquelas que revestem o
pórtico
de entrada, repousa num pátio dominado por um pequeno e rasante tanque, animado
por um repuxo de água. Praticamente nua no Verão, exibindo tonalidades
verdes graças às algas que aproveitam o sol debaixo da água que escorre, esta
cascata adquire um portentoso e luminoso manto verde nas estações primaveris
suportado, quase em exclusivo, pelas avencas, como a avenca-das-fontes, a
avenca-negra e o avencão, que encontraram neste local um nicho ecológico
propício
às suas necessidades fisiológicas. A cascata é ainda ladeada por duas aletas em
cujas volutas inferiores pousam duas taças animadas com repuxos solitários
de água, encimada por uma escultura da Virgem inserida numa oval vazada. Num
plano ligeiramente mais recuado estão dois corpos laterais, em que a estrutura
de cantaria emoldura painéis ovais de azulejos, representando Sara e Agar no
Deserto, do lado esquerdo, e O Profeta Eliseu lançando sal nas águas de Jericó,
do lado direito, ambos ladeados pelas estátuas dos quatro Evangelistas. A
compor este cenário bucólico, temos os pés de agapanto e as apreciadas
hortênsias.
A
confrontar o pátio da cascata encontra-se um mini-anfiteatro que convida à
contemplação dos sons da natureza e da cadência da água a cair, ou a desfrutar
várias actividades socioculturais que animam o Parque durante as festividades
ou comemorações. Do lado oposto e junto às casas de banho públicas encontra-se
uma autêntica muralha de impressionantes bambus-gigantes, o alimento preferido
dos pandas-gigantes asiáticos, em perigo de extinção.
Entre
a cascata e este anfiteatro, conducente à Fonte da Nogueira, inicia-se uma
escadaria entrecortada, de dois em dois lanços, por pequenos patamares
circulares, com taças térreas lavadas por repuxos de água no centro, e bancos
revestidos com azulejos historiados, dos lados. É a esta fonte, também
conhecida
por Fonte do Tritão, que o Parque deve o seu outro nome, pois numa gruta, falsa
e muito superficial, construída também com as concreções calcárias, está
uma composição escultórica bastante degradada, em que a figura mitológica de um
tritão abre a boca a um golfinho, por donde jorra água em abundância para
uma concha. É a este tritão, identificado, pelo povo, com o seu equivalente
feminino — a sereia, que se deve o nome pelo qual o Parque de Santa Cruz é
vulgarmente conhecido pelo coimbrão — o Jardim da Sereia. Sobre a parede, num
nicho delimitado por pilastras dóricas, entablamento e frontão curvo,
encontra-se
ainda uma imagem de Nossa Senhora, num estranho conjunto em que convivem
figuras da mitologia pagã e católica.
Igualmente
digno de registo é o grande tanque circular, que hoje tem uma fonte ao centro,
situado no lado oposto ao da Fonte da Nogueira, onde os monges
passeavam em pequenos barcos de recreio [ . . .].
Neste
tanque, outrora animado por ruidosos cisnes e patos, potenciais pitéus
culinários, vezes sem fim raptados pela calada da noite e escondidos debaixo
das capas negras, restam hoje singelos nenúfares brancos, cujas folhas pairam
na superfície da água verde, saturada de algas [ . . .]
in
"Coimbra: Parques e Jardins"
por
Fernando Correia e Nuno Farinha - Coimbra: CMC, 2001
* * *
Quando
os cegos são a personagem
O
Dervixe Cego e a Primeira Flauta
Por
Tom Thumb
Kifkef
começou:
Vocês
entendem, com certeza, meus amigos, que a vida no deserto está longe de ser
fácil. Se não se morre de sede, de calor, da exposição ao vento, ataques
de febre, ou ataques de assassinos nómadas, há sempre a possibilidade de a
nossa mente ceder, sob pressão da vastidão infinita que de todos os lados pesa
sobre nós.
Contudo,
a minha história trata de um homem santo que, há muito tempo, gostava de
vaguear sozinho pelos desertos de movediças dunas de areia. Nesses lugares
os mapas não passam de guias vagos e o território desconhecido está apenas
parcialmente explorado. Os mais ignorantes ainda sustentam que é lá que fica
o Fim do Mundo. Sim, meus amigos, o deserto não era menos extraordinário ou
misterioso do que o oceano para os marinheiros medievais que buscavam novos
continentes.
No
deserto também circulavam rumores de ilhas verdejantes de fartura fértil e as
raras que foram descobertas permaneceram segredos bem guardados.
No
entanto, embora o deserto fosse, como ainda continua a ser, um domínio perigoso
e insondável, o herói da minha história vagueava muitas vezes sozinho
pelas suas profundezas. A primeira regra quando se viaja no Saara é
juntarmo-nos a outros para aumentar as probabilidades de sobrevivência. Mas
este homem
ignorava as advertências dos mais prudentes e fazia frequentemente viagens em
que dava mostras de uma coragem e audácia surpreendentes. Os seus feitos
tornavam-se ainda mais extraordinários pelo facto de ele ser cego de nascença.
Esta
parte da história do dervixe diz respeito à altura em que ele partiu das
montanhas do Chade, caminhando para norte na direcção do oásis secreto de
Azsabada. Ele subiu e desceu as encostas das dunas, ocasionalmente tropeçando
mas mantendo sempre a direcção correcta. Os seus olhos eram como berlindes
brancos sempre erguidos para o céu em busca de orientação. Ao estilo dos
beduínos, tecido finos cobriam-lhe o corpo, a cabeça e a maior parte do rosto
e carregava uma pequena mochila contendo apenas três odres de água, um
cobertor, uma tigela e uma faca.
Para
o dervixe, o deserto era um lugar de enorme paz. Ali, estava livre do ruído e tagarelar
incessantes das vilas e cidades... Ali, não havia ninguém para
lhe fazer perguntas irritantes de como e por que razão um homem cego escolhia
caminhar sozinho no mundo, quando na verdade o mundo continha perigos
suficientes
mesmo para aqueles que possuíam o luxo da visão.
Estas
questões entristeciam-no pela falta de fé que demonstravam. Essa gente
realmente imaginava que Alá abandonaria um verdadeiro crente? Será que não
sabiam que o verdadeiro devoto nunca está sem um guia?
O
dervixe não precisa de olhos para encontrar o seu caminho - como se esse fosse
o único sentido dado ao Homem. Sem a distracção da visão, ele nunca sofria
as tentações do desejo. Em vez disso era capaz de escutar as verdadeiras vozes
do mundo que a maior parte das pessoas nunca escutara.
Ninguém
jamais poderia enganá-lo com doces falas ou uma cara bonita. De facto, quando
uma pessoa falava, ele já nem sequer ouvia as palavras, a sua atenção
focava-se apenas naquilo que ela realmente dizia por detrás de todo o
tagarelar.
A sua
clareza e sabedoria eram tão valorizadas que os tribunais de justiça lhe pediam
para se ocupar de casos complicados, oferecendo-lhe em troca muitos
lugares de destaque dentro do sistema. Mas tal como ele era capaz de ouvir a
verdade nas palavras do povo, ele também escutava alto e bom som os sons das
coisas. O martelo do juiz ecoava a podridão e o discurso legal soava como
correntes enferrujadas.
Quando
andava pelas ruas cada casa tentava contar-lhe a história da sua vida mas
simplesmente não havia tempo suficiente para escutar todas as histórias.
As ruas falavam-lhe dos reinos antigos que tinham rolado pelas suas calçadas e
ficava embaraçado quando as roupas das pessoas na rua lhe sussurravam os
segredos de alcova dos seus donos.
Objectos
de ouro lançavam convites escondidos à sua atenção. Lâminas murmuravam ameaças
escuras do fundo das bainhas. Imponentes minaretes criticavam a
sua heterodoxa espiritualidade e os bairros miseráveis imploravam a sua
misericórdia e alguns poucos dinares que lhe sobrassem.
Esta
era a razão porque, mais do que tudo, ele amava perder-se pela imensidão do
deserto. A areia, se tinha uma voz, mantinha-a misericordiosamente silenciosa.
Quase nada vivia aqui para tagarelar histórias inúteis aos seus ouvidos e
quanto mais longe ele caminhava sobre as dunas, mais sereno ficava. Os ventos
sussurravam-lhe o caminho a seguir, as suas línguas assobiando e dobrando-lhe
os lóbulos das orelhas para corrigir-lhe o curso, cada vez que ele se desviava
do caminho.
Mas
os ventos são criaturas esquivas e pouco confiáveis e, tal como com as pessoas,
pode-se conhecer boas e más. Os guias, que agora o acompanhavam, pareciam
relutantes em segui-lo para norte, no caminho para o oásis. E, como ele
insistia nesta jornada, a pressão exercida nas suas orelhas foi diminuindo mais
a cada quilómetro. Uma a uma, as brisas abandonaram-no e deixaram-no encontrar
sozinho o seu caminho.
Em
breve ficou sem qualquer orientação e parou para reavaliar sua posição. Tinha
passado a maior parte do dia a caminhar e já tinha bebido a maior parte
da água. Mesmo que os ventos o ajudassem a seguir outro caminho, não podia
esperar fazê-lo sem víveres. Fosse qual fosse o motivo, ele percebeu que os
ventos tinham decidido deixá-lo morrer ali. Levantou as mãos numa súplica a
Deus e clamou:
Deus
é grande. “Allah hu Akbar.”
Não
há outro Deus para além de Alá. “La ilaha illa Allah.”
E
continuou em frente, apenas com a sua fé a guiá-lo.
Após
mais três horas a tropeçar através das areias, com a perspectiva do fracasso
cada vez mais densa na garganta seca, o dervixe de repente ergueu-se sobre
os pés e deitou a cabeça para trás. Então, com um sorriso, relaxou. As suas
narinas informaram-no que, apesar da traição dos ventos do deserto, ele seguira
na direcção certa. O perfume das flores de bambu e de laranjeira flutuando na
sua direcção anunciaram-lhe que tinha chegado à entrada do Azsabada.
Usando
agora o nariz para se guiar, o dervixe abriu caminho na direcção dos férteis
pomares. Elevava a mão em "salaam" à sua frente, para poder cumprimentar
qualquer obstáculo com os dedos, ao invés de com o rosto. A água no profundo
poço gritou-lhe promessas de frescura e os últimos metros, pareceram-lhe
milhas.
Levantou por fim a tampa de pedra e puxou para cima um balde cheio, da fonte
que ficava uns cinquenta metros abaixo.
Satisfeita
a sede, deu graças a Deus com um Louvado seja Deus! Ham dul u allah e, com um
bolo de milho na mão, reflectiu sobre como havia de dar uma lição
aos ventos. Tinha confiado nas suas palavras, pusera a sua segurança nas mãos
deles e não podia deixar impune a traição.
Percebeu
que a primeira coisa a fazer era esfriar a cabeça. Com toda a raiva e sede de
vingança que lhe invadiam a mente nunca conseguiria arquitectar nada.
E, na verdade, uma vez esvaziada a mente, a resposta tornou-se-lhe clara e
dedicou-se à tarefa com a cabeça limpa e fresca.
Caminhou
até onde crescia o bambu e cortou um bocado, do comprimento do seu antebraço.
Então, sentou-se debaixo de uma palmeira e começou a trabalhar com
a faca, enquanto a noite caía. Quando o sol lhe voltou a aquecer o sangue,
esfriado pela noite do deserto, a sua obra estava concluída.
Ergueu
no ar a sua flauta virgem, para o sol, com a sua luz âmbar, a ver e abençoar.
Os ventos viram-no e aproximaram-se, curiosos em ver o que o estranho
cego estava a fazer. Teriam gostado de chicotear as ondas de areia e enterrá-lo
ali onde ele se encontrava. Mas a serenidade do oásis era uma lei sagrada
que mesmo eles respeitavam e portanto resolveram suspender a violência até que
ele partisse. Ainda assim, os ventos também eram bem-vindos no Azsabada
pelo alívio que traziam ao calor e enrolaram-se como gatos à volta do dervixe.
— Ooo
quee éee issoo que fizeessste com cinco buracosss?
Perguntaram
eles.
—
Nuuunca vimosss naaada parecido com issooo aaantes. — É praa rezaaar?
— Não
é nada. Respondeu distraidamente o dervixe. — Absolutamente nada.
E
continuou a dedicar toda a sua atenção à tarefa de suavizar os buracos para os
dedos.
—
Diz-nosss. Gritaram os ventos com uma excitação crescente.
— Éee
uma armaaa pra destruir demóniosss ou um oráaaculo para predizeeer o futuuuro?
— Oh,
não - Assegurou-lhes o dervixe. — É, apenas um pau, realmente, com nada de
interesse dentro.
— Ooo
que teeem deentro? Gritaram eles, desesperados por saber e jorraram pela flauta
dentro.
Num
movimento rápido, o dervixe colocou os dedos e o polegar de uma das mãos nas
notas e a boca e a outra mão em cada extremidade. Sussurrou lá para dentro
o nome de Deus e a oração selou as saídas, prendendo os ventos lá dentro.
—
Deixa-nosss saiiir. Choramingaram.
—
Descuuulpa-nosss.
Mas o
dervixe respondeu:
— Há
muito tempo já, que todos os que vivem no deserto, ouvem os vossos sermões.
Vocês sussurram tentações nos ouvidos das pessoas, enquanto elas dormem
à noite; enterraram vivas, em tempestades de areia, tribos inteiras e fizeram
perder-se no deserto inúmeros peregrinos. Agora é a vossa vez de ouvir e,
para sempre, assim será.
Poisou
os lábios na flauta e soprou, através dela, louvores sussurrados retirados do
Alcorão. Os ventos viram-se derrotados pela profundidade do coração
do dervixe e reconheceram, com vergonha, as suas acções pecaminosas. Ele inalou
a respiração do Céu e através do bocado do bambu deu-lhe uma voz. Os ventos
no interior não puderam senão deixar soar aquela pureza que não se atreviam a
corromper.
O
dervixe ficou no oásis até uma nova tribo nómada chegar, dez dias depois.
Fê-los cortar pedaços de bambu e mostrou-lhes como fazer as flautas. Encostou
à ponta da sua flauta cada novo instrumento e, com um sopro, passou uma parte
dos espíritos para dentro deles.
Cada
flauta verdadeira que existe hoje no mundo descende desta flauta original.
O
conto O DERVIXE CEGO E A PRIMEIRA FLAUTA de Tom Thumb, foi traduzido do Inglês
por Maria José Alegre.
O
texto original: The Tale of the Blind Dervish and the First Flute foi retirado
do site do autor: http://www.tomthumb.org/Tales/tales_dervishflute.shtml
A
versão em português foi retirada do site "Sobre a Deficiência Visual"
de Maria José Alegre
* * *
Livros
& leituras
Audiolivros
Após
a grande aceitação por parte dos nossos leitores da trilogia Milennium, da
autoria do sueco Stieg Larsson, em audiolivro, vamos dar início, durante
o mês de setembro, à gravação audiodigital das seguintes obras:
Os
Jogos da Fome - trilogia de Suzanne Colins - com locução de Maria José Alegre.
O
Prisioneiro do Céu - de Carlos Ruiz Zafón - com locução de Pereira Bastos.
Vida
e Sombra - romance, de Nuno de Figueiredo - Prémio Miguel Torga - Cidade de
Coimbra 2012, com locução de Maria Cecília Barbosa de Melo.
Levantado
do Chão - romance de José Saramago, com locução de Cristina Faria.
Os
Jogos da Fome
De
Suzanne Collins
Com
locução de Maria José Alegre
Num
futuro pós-apocalíptico, surge das cinzas do que foi a América do Norte, Panem,
uma nova nação governada por um regime totalitário que a partir da megalópole,
Capitol, governa os doze Distritos com mão de ferro. Todos os Distritos estão
obrigados a enviar anualmente dois adolescentes para participar nos Jogos
da Fome - um espectáculo sangrento de combates mortais cujo lema é «matar ou
morrer». No final, apenas um destes jovens escapará com vida… Katniss Everdeen
é uma adolescente de dezasseis anos que, num acto de extrema coragem, se
oferece para substituir a irmã mais nova nos Jogos. Conseguirá Katniss
conservar
a sua vida e a sua humanidade?
A
trilogia Jogos da Fome é o mais novo fenómeno da literatura jovem no mercado de
best-sellers juvenis. Escrita entre 208 e 2010 e já traduzido para mais
de 30 idiomas tornou-se um cross-over, atraindo leitores de diversas faixas
etárias. Permaneceu mais de 60 semanas seguidas na lista dos mais vendidos
do The New York Times. A sua adaptação cinematográfica foi lançada em Março de
2012 .
O Prisioneiro
do Céu
De
Carlos Ruiz Zafón
Com
locução de Pereira Bastos
Barcelona,
1957. Daniel Sempere e o amigo Fermín, os heróis de A Sombra do Vento,
regressam à aventura, para enfrentar o maior desafio das suas vidas.
Quando
tudo lhes começava a sorrir, uma inquietante personagem visita a livraria de
Sempere e ameaça revelar um terrível segredo, enterrado há duas décadas
na obscura memória da cidade. Ao conhecer a verdade, Daniel vai concluir que o
seu destino o arrasta inexoravelmente a confrontar-se com a maior das sombras:
a que está a crescer dentro de si.
Transbordante
de intriga e de emoção, O Prisioneiro do Céu é um romance magistral, que o vai
emocionar como da primeira vez, onde os fios de A Sombra do
Vento e de O Jogo do Anjo convergem através do feitiço da literatura e nos
conduzem ao enigma que se esconde no coração de o Cemitério dos Livros
Esquecidos.
Carlos
Ruiz Zafón nasceu em Barcelona em 1964. Inicia a sua carreira literária em 1993
com El Príncipe de la Niebla (Prémio Edebé), a que se seguem El
Palacio de la Medianoche, Las Luces de Septiembre (reunidos no volume La
Trilogía de la Niebla) e Marina. Em 2001 publica A Sombra do Vento, que
rapidamente
se transforma num fenómeno literário internacional. Com O Jogo de Anjo (2008)
regressa ao Cemitério dos Livros Esquecidos. As suas obras foram traduzidas
em mais de quarenta línguas e conquistaram numerosos prémios e milhões de
leitores nos cinco continentes. Actualmente, Carlos Ruiz Zafón reside em Los
Angeles, onde trabalha nos seus romances, e colabora habitualmente com La
Vanguardia e El País. Note-se que no nosso acervo de audiolivros existem já as
obras “A sombra do vento” e “O Jogo do Anjo”.
* * *
Vai
acontecer
Conversas
ao fim da tarde na Biblioteca Municipal de Coimbra:
É um
projecto de animação da leitura que consiste num ciclo de encontros com
personalidades de diferentes áreas, que se dispõem a uma conversa informal
e descontraída com os utilizadores da nossa Biblioteca.
A
actividade está a entrar no seu 5.º ano consecutivo, e realiza-se todas as
segundas quartas-feiras de cada mês, às 18 horas.
Em
2012, a nossa Biblioteca comemora 90 anos, pelo que decidimos dedicar as
Conversas à área da literatura e aos nossos escritores. Já tivemos entre nós,
Rui Cardoso Martins, Gonçalo Cadilhe, Pedro Almeida Vieira, Nuno Camarneiro,
João Tordo, Rita Ferro e Cristina Carvalho.
Em
Setembro, dia 12, às 18 horas, vamos ter mais uma sessão, esta dedicada a novos
talentos da literatura:
Joana
Branco
Nasceu
em Coimbra em 1981. Licenciada em Línguas e Literaturas modernas (estudos
ingleses e alemães) pela Universidade de Coimbra. Pós-graduada em Direitos
Humanos pela FDUC e Mestre em Tradução pela FLUC. Professora de inglês e
tradutora freelancer. Publicou o livro de crónicas Café, Canela & Coração,
artigos
nas revistas Máxima, RELER, Notícias Magazine e nos jornais Campeão das
Províncias e Diário de Coimbra.
Maria
Sousa
Nasceu
em 1969 e é professora de inglês. Começou a escrever poemas para o seu blog: www.theresonly1alice.blogspot.com.
Foi
convidada para participar em revistas literárias como a Sítio, a Saudade e a
Criatura. Publicou o seu primeiro livro Exercícios para endurecimento de
lágrimas em 2010. Neste momento é co-editora da revista cultural online "A
sul de nenhum norte".
Teresa
Lopes Vieira
Nasceu
em Lisboa em 1984. Licenciou-se em Direito pela Universidade Nova de Lisboa e,
desde então, tem vindo a dedicar-se à escrita. Autora de Os diários
da Mulher de Peter Pan e Gato Persa Social Club.
. . .
Lapa
dos Esteios:
Sábado,
22 de Setembro às 18h00: Pôr do Sol na Lapa com “A Barca dos Castiços” (entrada
livre)
“A
riqueza do património musico-poético do cancioneiro tradicional português tem
vindo a inspirar várias gerações de músicos e compositores, actuantes em
diferentes áreas, desde a música erudita, ao jazz, passando pelo pop-rock.
Perspectivando a manutenção e a preservação dessa matriz tradicional, surgem
os grupos etnográficos e folclóricos, baseando o seu trabalho de reposição em
trabalhos de recolhas. Por outro lado, surgem grupos que, utilizando as mesmas
fontes de informação, ultrapassam a função de reposição, e que, sem essa
limitação, concentram os seus esforços criativos e musicais na recriação, em
que
o património tradicional serve de base a um sem número de experiências, de
misturas, mais ou menos puristas.
É
nesta última corrente que “A Barca dos Castiços” se insere. A necessidade de
alargar os seus horizontes criativos impeliu a tripulação para a criação
deste grupo em 2003, nos arredores de Coimbra. Em 2005 houve uma estabilização
da formação e de reportório, conseguindo finalmente criar uma imagem sonora
que correspondesse aos objectivos dos elementos do grupo. Neste ano também, o
grupo ligou-se à Casa do Povo de Souselas, passando a ser uma secção cultural
da dita associação, ligada à divulgação da cultura tradicional
portuguesa."
* * *
A
viajar pelas letras
Os
lírios
De
José Fernandes da Silva
Ao
meu filho Francisco Miguel
Eis
uma delicada narrativa,
que
se reporta ao tempo de Jesus,
de
quando Ele era ainda pequenino.
P'ra
sempre em mim permaneceu tão viva,
como
um alegre e consagrado hino,
que
só bondade e grande amor traduz:
Brincava,
um dia, num formoso prado,
por
perfumadas flores rodeado,
quando
o céu, de repente, enegreceu
e
desabou fortíssimo aguaceiro.
Havia
frágeis lírios num canteiro
e, ao
contemplá-los, o Petiz tremeu,
pois
os pingos de chuva que caíam
sobre
eles eram grossos e pesados
e iam
destruir os seus amigos:
Por
isso, sabedor de que corriam
enormes
e gravíssimos perigos,
sem
demora e com passos apressados,
ao
maior e mais belo se chegou
e a
haste para a terra debruçou,
para
que as gotas de água deslizassem
das
pétalas sedosas para o chão.
Com
todos praticou a mesma ação,
para
que as gotas os não estragassem...
Logo
que terminou a tempestade,
ao
local, outra vez, se dirigiu
e aos
lindos lírios, sem dificuldade,
a
forma primitiva conferiu,
não
ficando nenhum danificado
e
muito menos inutilizado!
Depois
de concluído o nobre gesto,
com
espontaneidade e sempre lesto,
o
Pequenino andou de flor em flor,
banhado,
agora, por um sol fagueiro,
e, os
castos lírios, cheios de esplendor,
de
novo, embelezavam o canteiro!
Logótipo
do Serviço de Leitura para Deficientes Visuais