MUSEUS MARCANTES, A
PROPÓSITO DO ESPECIAL
DIA INTERNACIONAL DOS MUSEUS
– 18 DE MAIO DE 2020
MATILDE SOUSA FRANCO
O temível vírus fez com que, após o estado de emergência, o Dia
Internacional dos Museus de 2020 seja único, coincidindo com a reabertura
destas instituições, em Portugal.
Esta inédita reabertura propicia pensarmos de forma mais aberta. Que
memórias de Portugal são, de facto, mais importantes? Que museus/colecções urge
serem criados, mais divulgados, mais apoiados em época de grandes restrições e
mudanças a nível mundial? Deve sublinhar-se que o património cultural e os
museus não têm de ser sorvedouros de dinheiros públicos, podendo gerar apreciáveis
receitas, auto-financiando-se até, havendo também recurso a outros
financiamentos.
Agora, apenas me foco em dois exemplos, COLECÇÕES DE ALEXANDRE
RODRIGUES FERREIRA e MUSEU PORTUGAL GLOBAL, que penso serem alguns dos museus marcantes, essenciais.
I – COLECÇÕES RECOLHIDAS PELO NATURALISTA ALEXANDRE RODRIGUES
FERREIRA NA EXTRAORDINÁRIA EXPEDIÇÃO CIENTÍFICA AO BRASIL (1783-1792)
Em “Alexandre Rodrigues Ferreira e a sua obra no contexto
português e universal”, o Professor Miguel Telles Antunes, Director do
Museu da Academia das Ciências de Lisboa, considera que os resultados desta
“gesta ímpar” foram “os mais notáveis obtidos até então no
nosso país, suportando bem o confronto com o que se fazia em países
considerados avançados” (Alêtheia Editores, Lisboa, 2007, p. 7).
Os objectos, desenhos e documentos provenientes desta “viagem
filosófica”/ expedição
científica encontram-se dispersos por Portugal, Brasil e França.
Em Portugal, sobretudo a Academia das Ciências de Lisboa e a
Universidade de Coimbra, as duas instituições que no nosso País actualmente
detêm a maior parte deste acervo, têm-no muito estudado, valorizado e
divulgado, e estão a desenvolver excelentes e inovadoras iniciativas nesse
sentido.
O Doutor Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815) nasceu em Salvador
(Bahia), formou-se na Universidade de Coimbra, onde em 1779 se doutorou, e
faleceu em Lisboa. O mais destacado naturalista português da sua época
realizou, de 1783 a
1792, uma expedição científica no
Brasil, em que percorreu cerca de 40.000 quilómetros,
desde Belém do Pará, a Rio Negro, Mato Grosso e
Cuiabá, pela bacia do rio Amazonas e regiões adjacentes, até às
fronteiras da Guiana, da Venezuela, da Colômbia, da Bolívia e do Paraguai.
Ferreira recolheu largos milhares de espécimes de botânica, zoologia,
mineralogia, geologia e antropologia, que enviou para Portugal, os quais logo tiveram
tanto impacto no meio científico de vários países, que milhares foram até “requisitados”
durante as Invasões Francesas, e ingressaram no então recente Museu Nacional de
História Natural, em Paris.
Ao longo dos séculos, diversas outras calamidades provocaram a perda de
diferentes núcleos destas colecções, em Portugal, e não só.
A obra de Ferreira tem sido muito estudada e, por exemplo, Russel-Wood,
da Universidade John Hopkins, considera que esta viagem deu
“extraordinários contributos para o conhecimento científico”, in
“A World on the Move. The Portuguese in
Africa, Asia and America
1415-1808”,
Carcanet in association with the Calouste Gulbenkian Foundation, Manchester, 1992, p.84.
Alexandre Rodrigues Ferreira é chamado “o Humboldt
brasileiro”. Sublinhe-se o facto de ele ter nascido no Brasil, como aliás
também aí nasceram outros naturalistas seus colegas e contemporâneos, os quais
foram os obreiros de “viagens filosóficas” em Moçambique, Angola
e Cabo Verde.
O naturalista alemão Alexandre de Humboldt (1769-1859) chegou à América
em 1799, portanto dezasseis anos depois de Ferreira, e a sua expedição durou até 1804, portanto quase metade do tempo
da do naturalista português.
Quando, em 1999, se comemoravam a nível mundial os 200 anos da chegada
de Humboldt ao Novo Mundo, no referido museu francês comprei o livro
“Humboldt savant-citoyen du monde”, de Jean-Paul Duviols e Charles
Minguet, dois professores, especialistas, da Universidade de Paris (edição Découvertes Gallimard, 1994), no qual se
escreve: “Quando Alexandre de Humboldt desembarca (na América) em 1799
falta fazer tudo: inventariar a fauna e a flora, analisar o clima e a geologia,
subir os grandes rios... Foi esta expedição...
a primeira conduzida cientificamente... que trará a glória a Humboldt.”
Portanto, mais uma vez, houve apagamento de um feito pioneiro e notável
de um português, o que enfatizei na comunicação
que fiz na Academia Portuguesa da História, na Sessão Extraordinária
Comemorativa do Aniversário do Achamento do Brasil, “Novas Descobertas do
Brasil com o Iluminismo. O Doutor Alexandre Rodrigues Ferreira e outros
Viajantes Científicos”, em 21/4/1999.
II – MUSEU PORTUGAL GLOBAL
Sobre o projecto do MUSEU PORTUGAL GLOBAL, começo por lembrar o
esclarecimento que tenho feito, para sossegar sobretudo os meus caros colegas,
directores de numerosos museus, no sentido de este museu ser exequível sem prejuízo dessas colecções, podendo-se recorrer
inclusivamente às novas tecnologias.
Escolhi mencionar primeiro as maravilhosas colecções provenientes da
viagem filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira por dois motivos: porque elas
devem ser referidas no MUSEU PORTUGAL GLOBAL, e porque, durante séculos, elas espelharam
falta de amor a grandes feitos da nossa História e ao património cultural, de
que outros se aproveitaram, como é habitual acontecer...
O património cultural está na moda e recentemente muito se tem feito em
Portugal, mas ainda estamos longe de o valorizarmos tanto quanto países
civilizados fazem, tanto quanto ele pode ser rentabilizado sem ser desvirtuado
e, sobretudo, tanto quanto a nossa História merece!
Esse tradicional desamor, de facto, ainda permanece de forma
extemporânea, como o mostra, por exemplo, o estranho adiamento em, desde o
século XIX, se criar um museu dedicado à época em que Portugal abraçou o mundo,
mas entretanto se terem gasto fortunas em museus dispensáveis/inúteis...
Com o MUSEU PORTUGAL GLOBAL pretende-se homenagear de igual forma, não
só Portugal, mas também a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (a CPLP),
todo o Mundo Lusófono dos nossos Países irmãos, e os outros países com presença
portuguesa, sem eurocentrismo, mas com abordagens pluriculturais,
interculturais.
Não se quer um museu dedicado aos Descobrimentos, mas de âmbito muito
mais vasto, no tempo, no espaço, no conteúdo: - em épocas; - em áreas
geográficas (que abranjam China, Japão, Indonésia, Tailândia, Canadá, Uruguai,
etc.); em temáticas, que se tornarão tanto mais aliciantes quanto mais do quotidiano
e explicações interculturais contiverem, por exemplo quanto à alimentação.
PORTUGAL GLOBAL é irrepetível e pode e deve ser evocado com abordagens
científicas extremamente rigorosas, numa descomplexada visão mundial, que ajude a perceber a época actual e seja também um
contributo para a Paz de que o Mundo tanto necessita.
Há cerca de 50 anos defendo
essa iniciativa, a qual a Academia Portuguesa da História, desde há dois anos,
apoia “com o maior entusiasmo” (ofício de 27/3/2018).
Devo sublinhar que também há dois anos chamei a esta iniciativa MUSEU
PORTUGAL GLOBAL, designação esta sem
contestação.
Este projecto tem já recebido também incentivos vindos dos outros
continentes e de países do mundo lusófono, mas não só.
Tenho apresentado este projecto inclusivamente através de textos,
alguns dos quais com a ampla divulgação
que o “Observador” faculta.
Esperemos que esta especial reabertura dos museus em 2020 traga o
arejamento e a ousadia, que todos devíamos ter herdado dos Navegadores e dos
Viajantes como Alexandre Rodrigues Ferreira, e de tantas outras Personalidades
ao longo dos séculos, para, finalmente, se criar o MUSEU PORTUGAL GLOBAL!