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[Histport] O pergaminho século XIV!

To :   "histport" <histport@uc.pt>, "museum" <museum@ci.uc.pt>
Subject :   [Histport] O pergaminho século XIV!
From :   José d'Encarnação <jde@fl.uc.pt>
Date :   Thu, 13 Aug 2020 16:25:16 +0100

         Perdoar-me-á, Amigo, se lhe roubo mais uns minutos ao proporcionar-lhe as bem oportunas reflexões de Rainer Daehnhardt, que tanto tem feito para salvaguardar o nosso património (sobretudo móvel e documental).

         Agradeço ao Doutor Saul a resposta pronta e a Rainer… a sua luta!

Nesse caso das capas, é uma chamada de atenção do maior interesse. E adianto uma experiência: quando, a 24.07.1994, fui a Pedrógão Grande, o então presidente da autarquia fez questão em apresentar-me o original do foral da vila. E qual não foi o meu espanto quando me apercebi que a capa era justamente um pergaminho com pautas gregorianas. Creio que o alertei para a importância de se preservar e se proceder ao eventual estudo do que ali estava, mas, confesso, nunca mais pensei no assunto. Quando, agora, Rainer aduz este testemunho, lembrei-me de imediato do caso de Pedrógão. E quantos não haverá por i?!

         E assim vamos lutando pela defesa do que é nossa tradição e memória!

 

                                               J. d’E.

 


De: Quinta Wimmer [mailto:quintawimmer@gmail.com]
Enviada em: quinta-feira, 13 de Agosto de 2020 15:04
Para: Prof.Dr. Encarnacao pessoal
Assunto: FW: [Histport] Descoberto dentro de uma capa do séc. XVI um pergaminho século XIV!

 

Melhor ainda!!!

Um Professor  académico de Cascais enviou as fotos com meu texto aos seus Conhecidos e como resposta obteve agora a resposta muito válida de um Conhecedor desta área específica.

Sendo cuidadoso nas minhas afirmações e sabendo que as folhas do antifonário grande seria do século XVI (do qual enviei uma folha ao Papa e guardei outra, quase igual, visível numa das fotos) atrevi-me em datar a folha dupla descoberta dentro da capa como tendo mais cem ou 150 anos , datando assim cerca do ano 1350. O QUE É UMA BOA SENSAÇÃO! A data por mim proposta baseia-se no pormenor de haver apenas uma linha nas pautas, sinal de ser muito anterior ao século XVI. Também a paleografia em si, me parecia ser nitidamente muito anterior ao século XVI.

Agora uma personagem de mais conhecimento nesta área do que disponho, classificou a pequena folha dupla biface, colada no interior da capa para reforço da encadernação, em propondo uma datação entre os finais do século XII e o primeiro terço do século XIII.

 

Que maravilha!

 

Mais uma DESCOBERTA IMPORTANTE dentro de uma DESCOBERTA INESPERADA em si já importante!

 

E o dono esteve mesmo renitente em entregar a peça porque parecia “obsesso” com a ideia de queimar toda a capa na lareira!

Os meus agradecimentos aos Professores José d’Encarnação e Saul Gomes por nos terem ajudado esclarecer mais ainda com suas achegas a salvação deste pedaço da história do património luso.

 

Tudo isto me faz lembrar a uma pergunta que me foi feita numa entrevista à uma televisão. A pergunta era mais ou menos: “ Quem é que nos roubou mais obras de arte ? Os franceses ou os espanhóis?” Ao que respondi mais ou menos da seguinte forma: “ Os franceses entraram queimaram e saquearam. Os britânicos entraram ajudaram aos franceses de transportar seu saque de Cascais, Mafra e Lisboa, nos navios ingleses, para Marselha. Os espanhóis até nos salvaram as tapeçarias de Pestrana porque se não  as tivessem “retirado” de Portugal, no Grande Terramoto teriam sucumbido com tantas outras.

 O que porém mais estragos nos causou, não foram os estrangeiros, mas velhos costumes ligados a uma palavra da língua lusa. Em inglês, por exemplo, a palavra “old” significa idoso, ou seja merecedor de atenção cuidados e carinho. “Something old or somebody old”  é merecedor de respeito e guarda-se com o cuidado adequado. Nas conclusões  da nossa palavra “ velho” passamos para a ideia dos trapos velhos, não prestam e consequentemente  deitam-se fora. Assim deitamos fora grande parte do que nos foi deixado pelos nossos antepassados. Felizmente porém temos uns lados positivos que poucos povos têm. O desenrascanço e o reaproveitamento. Assim desenrascamos o problema da difícil segurança entre uma capa de madeira e a sobrevivência dos finos cordéis, que nela se juntem, dos cadernos de folhas de pergaminho, colando velhas folhas, já não utilizadas no intermédio. Foi graças a este desenrascanço e a reutilização de folhas de pergaminho já muito idosas que não serviam para mais nada, que esta descoberta magnífica se tornou possível!

Dá que pensar!

O meu grande BEM HAJA aos que nos ajudaram!

Rainer Daehnhardt

 

 

De: José d'Encarnação [mailto:jde@fl.uc.pt]
Enviada: quinta-feira, 13 de Agosto de 2020 11:50
Para: saul
Cc: rainer
Assunto: RES: [Histport] Descoberto dentro de uma capa do séc. XVI um pergaminho século XIV!

 

Bem hajas, Saul!

Dou conhecimento a Rainer.

Abraço

 

J. d’E.

 


De: Saul Gomes [mailto:saulggomes@gmail.com]
Enviada em: quinta-feira, 13 de Agosto de 2020 07:23
Para: José d'Encarnação
Assunto: Re: [Histport] Descoberto dentro de uma capa do séc. XVI um pergaminho século XIV!

 

Caro Prof. José d'Encarnação

 

Bonito fragmento litúrgico.

Deve datar, paleograficamente, de finais do século XII ou, mais provavelmente, do primeiro terço do XIII. Hei-de vê-lo melhor.

 

Um abraço (desconfinado) do

Saul Gomes

 

Sem vírus. www.avast.com

 

 

José d'Encarnação <jde@fl.uc.pt> escreveu no dia quarta, 12/08/2020 à(s) 23:06:

Partilho, com a devida vénia, informação veiculada pelo meu amigo Rainer Daehnhardt, perito em descobertas e intuições assim que sumamente enriquecem o património nacional! Bem hajas, Rainer! – J. d’E.

 

Imaginem só. As descobertas de hoje ainda não terminaram!

Examinei agora as duas capas do cantochão (Antifonário) que foi desmanchado em Coimbra, nos anos sessenta do século passado, para vender à folha para lojas de decoração fazerem "abatjours".

 

Mandei uma folha ao Papa Benedictus XVI e guardei uma outra do mesmo coral "BENEDICTUS qui venit in nomine Domini".

Agora examinando as capas, em madeira forradas a cabedal (muito danificadas), reparei que usaram pergaminhos antigos para fortalecer a divisória entre as partes da madeira e os cadernos das folhas de pergaminho.

Não seria a 1ª vez que encontro fragmentos de documentos mais antigos cortados às fatias para reutilização.

O que porém não estava à espera foi o que encontrei!

Uma folha dupla completa, em pergaminho (biface), de um outro antifonário, cerca de um século até um século e meio anterior, datando assim cerca de 1350.

 

FIQUEI MUITO CONTENTE COM ESTA DESCOBERTA EXTRA! Totalmente inesperada!

Lembro-me na compra inicial, há muitas décadas, ter insistido com o dono, que já tinha vendido grande parte das folhas, para me incluir também as capas de madeira. Ele disse que as iria deitar fora porque já para nada poderiam servir. Não esteve para as procurar. Sentei-me ostensivamente num banco e disse que apenas compraria as folhas restantes, desde que me incluísse também as capas.

Seu estado de conservação não me preocupava. Poucos minutos depois veio, mostrou-me as capas e disse "O que o Senhor quer fazer com isto?"-"Não serve para nada!". Mal sonhava ele que o que iria queimar mais valia do que todo o cantochão! (Na altura também, não o sabia, apenas sentia que devia trazer as capas e depois , algum, dia se veria!).

Nem ele, nem eu na altura sabíamos o que se encontrava colado dentro da capa, um pequeno tesouro!

 

Esta folha dupla é mesmo de grande raridade! Em milhares de folhas de pergaminhos que folhei na minha vida, apenas uma única vez encontrei uma folha destas, também do século XIII ou XIV. Tenho-a emoldurada!

É muito natural que se perguntem agora como é que se pode distinguir uma folha de pergaminho medieval de outra quando não costumam estar datadas.

 

Para isso basta estudar um pouco e descobrir que as mais antigas pautas de música apenas possuem uma única linha horizontal. Isto dificulta imenso a leitura. Assim já na 2ª metade do século XV surgem as pautas com cinco linhas horizontais, o que hoje ainda temos. (Hoje apenas usam notas redondas, desde do século XVIII). As notas antigas são sempre quadradas.

 

Assim as pautas de música da folha oferecida ao Papa Benedictus XVI data do século XVI e mostra cinco linhas paralelas. A folha dupla metida como reforço interior da encadernação em utilização de restos de um antifonário já antigo, ultrapassado e considerado velho e sem interesse, é um "desenrascanço" por reutilização de algo válido para isto que por acaso estava à mão.

Esta folha dupla de linha única, que mesmo monetariamente vale pelo menos cem vezes mais do que uma folha com cinco linhas, ainda outra surpresa nos trouxe.

 

Um cântico destacado com a grande maiúscula "M" começa com o nome do ARCANJO "MICHAEL". Devo explicar de que SÃO MIGUEL-ARCANJO era o PADROEIRO DE PORTUGAL, portanto não poderia ser melhor!

Bendita a minha teimosia, muitas décadas atrás, em exigir os restos das capas, que destinadas à lareira estavam.

 

O nosso Museu tem assim uma inesperada entrada (por descoberta casual) de uma folha dupla das mais antigas pautas de música que há.

 

Alegra-me muito poder partilhar isto convosco!

 

Devo acrescentar que foi também por acaso que se descobriu há pouco, numa biblioteca nos Estados Unidos da América, dentro da capa de um livro antigo, dois fragmentos de um portulano português da costa australiana datável um século antes  da chagada dos holandeses e dois séculos antes da dos ingleses.

Estamos todos de parabéns!

 

Meu grande abraço a todos E meu grande BEM HAJA a SÃO MIGUEL ARCANJO que deste forma mais uma vez à Portugal e sua gente ajudou!

Vosso

Rainer

 

 

Sem vírus. www.avast.com

 

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