O falecimento do Dr. Manuel Maia Há, naturalmente, notícias que nos custam dar muito mais do que outras. Esta é uma das que nos dilacera o coração, por se tratar de um companheiro de viagem desde os bancos da Universidade, quando ambos cursámos História na Faculdade de Letras de Lisboa (1964-1969) e integrámos o grupo de estudantes que se deixou facilmente entusiasmar pelo magistério de D. Fernando de Almeida. Depois, fizemos o Curso de Conservador de Museus no Museu Nacional de Arte Antiga, em 1972-1973, sempre acompanhados pela Maria (a Dra. Maria Adelaide Maia), sua mulher também já falecida. Daí terem ido ambos trabalhar de seguida para o Museu Nacional de Arqueologia. Uma cumplicidade enorme nos ligou sempre, nessas lutas pela Arqueologia e pelos museus. Consumado o 25 de Abril, ele e a Dra. Maria Adelaide ficaram como assistentes da Faculdade, na altura de renovação dos quadros. Interessava-se, então, pela ocupação romana da actual Beira Alta, tendo sido dos primeiros a rever a problemática do templo de Almofala (comunicação ao II Congresso Nacional de Arqueologia, em Coimbra); e desse território «interaniense» estudou as vias e as villas romanas (O Arqueólogo Português 1974-1977). Manuel Maia chegaria mesmo a propor-se a doutoramento com uma tese sobre ânforas, um domínio de investigação que, na altura, dava entre nós os primeiros passos. Não chegou a ser aceite, não se tendo então compreendido muito bem as razões aduzidas, o que lhe provocou alguma mágoa duradoura. Aliás, esse facto, aliado às circunstâncias políticas e académicas posteriores levaram-nos a sair de Lisboa e, no Algarve, deram corpo ao grande projecto de preservar a cidade romana de Balsa, em Tavira, criando um Campo Arqueológico, a designação comum na altura para as estruturas de apoio a um sítio arqueológico. Aí desenvoklveram uma actividade a todos os títulos notável, podendo mesmo afirmar-se que, sem o seu entusiasmo e dedicação, de Balsa se não conheceria o que se sabe hoje. De Balsa seguiram para Castro Verde, onde deram corpo ao mui singular Museu da Lucerna e se dedicaram a explorações arqueológicas que muito contribuíram para o conhecimento da ocupação romana nessa área da Lusitânia. Recorde-se que foi de Manuel Maia a ideia de terem existido ‘castelos’ no início da permanência dos Romanos nesse território, como locais altaneiros destinados não apenas à defesa militar mas também à organização económica, designadamente ligada à mineração (cf. «Fortaleza romana do monte Manuel Galo», comunicação apresentada ao III Congresso Nacional de Arqueologia, no Porto). Aliás, Manuel Maia colaborou intensamente com a empresa das minas Neves-Covo, sempre procurando salvaguardar tudo o que fosse possível. Deve-se-lhe – e a Maria Maia – muito do que se sabe acerca do depósito votivo de Santa Bárbara de Padrões, onde – em seu entender (e não só) – se deverá localizar a cidade romana de Arandis (cf. MAIA, Maria Garcia Pereira, Lucernas de Santa Bárbara. Castro Verde: Núcleo de Arqueologia da Cortiçol, 1997). Da sua bibliografia pode ainda destacar-se: MAIA, M. (1984) - Os povos do sul de Portugal nas fontes clássicas - Os Cónios. Arqueologia e História. série X. 1/2, p. 71-9. MAIA, M. (1985) - Celtici e Turduli nas fontes clássicas. Actas del III Coloquio sobre Lenguas e Culturas Paleohispánicas da Península Ibérica (Lisboa. 1980). Salamanca, p. 165-77. No voto de pesar hoje mesmo apresentado pelo Município de Castro Verde, pode ler-se: “O seu desaparecimento físico constitui para Castro Verde e para a comunidade científica ligada à História a perda irreparável de alguém que, nos últimos 40 anos, assumiu no nosso concelho e no país um forte compromisso cívico e de carácter social”. Do saber e experiência de Manuel Maia, ora falecido aos 76 anos, ainda havia, naturalmente, muito a esperar, porque se mantinha activo e entusiasmado. A cada passo me dava conta do aparecimento de mais uma epígrafe (que publicámos no Ficheiro Epigráfico). Custa-nos muito vê-lo partir! Que descanse em paz! José d’Encarnação |
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