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[Histport] CEM ANOS DE CIÊNCIAS EMPRESARIAIS, 1921-2021

To :   "histport" <histport@uc.pt>
Subject :   [Histport] CEM ANOS DE CIÊNCIAS EMPRESARIAIS, 1921-2021
From :   <jde@fl.uc.pt>
Date :   Tue, 15 Feb 2022 15:52:28 -0000

                Foi apresentado no dia 9, como se anunciou, o livro, da autoria do Doutor José Maria Amado Mendes, que consubstancia a história dos cem anos de estudos no agora designado (à moda internacional) COIMBRA BUSINESS SCHOOL, que os Portugueses estavam habituados a conhecer pela sigla ISCAC – Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra (sinal dos tempos!...).

                Na circunstância, o autor do volume fez as seguintes reflexões, estruturadas em três tópicos, de que – pela sua actualidade – me apraz fazer eco:

1. Relevância da história das empresas e organizações, na atualidade;

2. Afirmação e algumas “lutas” travadas ao longo do tempo;

3. Momentos mais assinaláveis na história desta Instituição centenária.

 

1.História das empresas e organizações

Relativamente ao 1.º Ponto – história das empresas e organizações –, sublinho que se trata de um novo “território” historiográfico muito desenvolvido, sobretudo desde meados do século passado.

Com o progresso socioeconómico exponencial no pós-II Guerra Mundial, nos chamados “30 anos de ouro da economia mundial”, chegou-se à conclusão que a análise histórica e a própria historiografia tinham que enquadrar, nas suas pesquisas e preocupações, outros domínios da realidade, para além dos tradicionais, muito focados nas vertentes política, militar, diplomática, factual e em personalidades de certas elites. A “história por reinados”, ensinada nas escolas até bem entrado o século XX, decorria dessa noção do evoluir histórico.

Foi assim que: o trabalho e o lazer, os “sem voz”, tecnologias e costumes, as mulheres, atividades económicas e profissionais, urbanização e infraestruturas, transportes e comunicações, cultura, educação e suas estruturas e protagonistas, para dar apenas alguns exemplos, passaram a ser objeto de investigação e ensino e considerados com “dignidade”  e a merecerem a devida atenção.

Por outro lado, tem vindo a ser superada aquela fixação tradicional dos historiadores, segundo a qual só passados um ou dois séculos se poderia efetuar investigação credível sobre eventos, personalidades ou organizações. Contrariando este novo ponto de vista, diversos investigadores têm ousado focar períodos mais recentes, segundo uma nova modalidade historiográfica, que é a história do presente.

Foi nesse contexto que se verificou o incremento da história empresarial e institucional, muitas vezes a pretexto de datas marcantes da respetiva história, com destaque para as de centenário.

O grande incremento da história das empresas, iniciado em meados do século XX nos Estados Unidos da América – com Chandler e seus discípulos – e, em seguida, praticada em diversos outros países, por exemplo, na Europa, no Japão e na América Latina.

Ora, Portugal não ficou imune a esse movimento, pelo que têm vindo a multiplicar-se os estudos – teses de doutoramento, dissertações de mestrado e outos trabalhos –, em especial no setor financeiro, mas também sobre grupos económicos e empresas.

Relativamente às instituições de ensino, não se tem avançado muito, pelo que há um longo caminho a percorrer. Com efeito, são escassos os trabalhos que foquem os estabelecimentos de ensino de forma abrangente, e não apenas os aspetos pedagógicos e relacionados com cursos, programas ou diplomas. Além da oferta formativa, há que prestar igualmente atenção aos seguintes fatores: recursos humanos e respetiva gestão, tecnologia e sua evolução, repercussões da formação no desenvolvimento socioeconómico e cultural, a nível da sociedade mas também do indivíduo, instalações, condições de trabalho e métodos pedagógicos, mercado de trabalho e suas necessidades, redes entre instituições e investigadores, a nível nacional e internacional, sem esquecer a responsabilidade social, tão propalada mas nem sempre praticada com deveria ser.

Foi esta perspetiva abrangente, mas rigorosa – com recurso a diversos tipos de fontes históricas, desde arquivísticas e bibliográficas, à legislação à imprensa, bem como às orais e materiais – que seguimos, na elaboração do livro ora apresentado.

 

2. Afirmação do ensino técnico-profissional e algumas “lutas” travadas ao longo do tempo

As raízes do ensino técnico-profissional remontam à época do Marquês de Pombal que, em 1759, fundou a Aula do Comércio. Em pleno período liberal, foram criadas a Escola Politécnica de Lisboa e a Academia Politécnica do Porto. Tratava-se ainda de um período politicamente conturbado, pelo que o sucesso daquelas escolas foi limitado.

A partir de meados de Oitocentos registaram-se consideráveis progressos, com a criação e desenvolvimento de escolas industriais e comerciais, de apoio aos locais onde se verificava um certo incremento da industrialização. Para isso muito contribuiu o papel relevante de políticos de mente aberta aos novos ventos da história, designadamente Fontes Pereira de Melo e António Augusto de Aguiar, para que muito contribuiu o facto de ambos serem engenheiros, ao invés da maior parte dos políticos do seu tempo, maioritariamente de formação jurídica.

Nos 16 anos da I República (1910-1926), não obstante terem sido de grande instabilidade política e governamental, foram dados passos importantes no campo da educação, não só a nível elementar (com as “Universidades Populares”, por exemplo), mas ainda com a fundação de novas universidades, em Lisboa e no Porto, em 1911, e a criação do Instituto Industrial e Comercial de Coimbra, em 1921, cujo centenário evocamos.

Sobre a forma como o governo republicano encarava o ensino industrial e comercial, permito-me recordar passagens de um diploma legal, de 1918:

«O nosso atraso provém apenas da insuficiência do ensino técnico, insuficiência que era um mal e hoje é um perigo, dada a luta da competência que é preciso suportar na concorrência aos mercados de todo o mundo. É que o ensino técnico é o mais essencial à vida e ao progresso das nações, porque da sua boa organização depende o desenvolvimento progressivo das maiores riquezas públicas. O país carece essencialmente de técnicos e não de diplomados. É pela gente com cérebro e com cérebro capaz de ser praticamente utilizado que uma nação demonstra o seu valor».

Nas primeiras décadas do Estado Novo, o ensino técnico-profissional não mereceu grande atenção da parte do Governo, embora com mágoa de espíritos clarividentes como Ferreira Dias e Ezequiel de Campos. A partir dos anos de 1950, mais por força do já referido desenvolvimento económico do que por convicção do Chefe do Governo – que, como á sabido, preferia a pacatez rural à agitação proletária dos meios fabris –, voltou a dedicar-se mais atenção ao ensino industrial e comercial.

Foi neste contexto favorável que se verificou a recriação do Instituto Industrial e Comercial de Coimbra, em 1965, que, em 1971, se desdobraria em duas unidades: Instituto Industrial, antecessor do ISEC, e Instituto Comercial, posteriormente ISCAC.

Nas últimas décadas do século passado, os referidos institutos, como os do Porto e Lisboa, foram lutando tenazmente pela sua afirmação, reivindicando melhores instalações e autorização legal para se transformarem de escolas de ensino médio em instituições de ensino superior, vindo a constituir um subsistema de ensino-aprendizagem a ombrear com as universidades.

Não se tratou de um processo fácil nem imediato, mas sim decorrente ao longo de décadas e que passou por diversas fases: cursos equiparados ao bacharelato, cursos bietápicos de licenciatura, licenciatura propriamente dita, mestrado.

Foi igualmente no período em que as diversas escolas existentes e outras, entretanto criadas, foram integradas nos Institutos Superiores Politécnicos, conferindo-lhes não só escala mas também reforçando a proximidade e a cooperação entre elas.

O processo ainda não acabou, aguardando-se agora que a tutela dê cumprimento ao que já está consagrado na lei, isto é, a possibilidade de as escolas dos Institutos Politécnicos poderem conceder o grau de doutor, como tem sido justamente solicitado e para o que algumas das ditas escolas já se estão a preparar. Justifica-se tal medida pelo facto de assegursarem ensino-aprendizagem inovador e de qualidade, por possuírem corpo docente próprio, constituído maioritariamente por doutores, disporem de centros de investigação, bem dotados e com provas dadas e, ainda, pelo elevado índice de empregabilidade que, no caso do ISCAC, alcança cerca dos 100%.

 

3. Momentos mais assinaláveis na história desta Instituição centenária

Por último, não vou obviamente narrar em pormenor a história da Instituição onde nos encontramos, quer porque o tempo de que disponho não o permite, mas também para não me substituir à leitura que, por certo, irão fazer, sobretudo quem se interesse por esta temática. Assim, apenas recordarei alguns eventos e datas mais marcantes– que constituem uma espécie de marcos miliários na história da Escola.

A já dita criação do Instituto Industrial em Coimbra que, numa primeira fase, partilhou as instalações com a Escola Técnica de Avelar Brotero, em 1921, ficou a dever-se não só ao impulso reformista educativo republicano como também ao empenho de António José de Almeida, então Presidente da República, natural do concelho de Penacova e muito ligado a Coimbra, em cuja Universidade fez a sua formação académica.

Estranhamente, e quando nada o faria prever, uma data tristemente célebre foi a extinção do Instituto recém-criado, logo em 1926, poucos meses após a queda da I República e o dealbar da Ditadura Militar (1926-1933), antecâmara do Estado Novo.

Os numerosos protestos, sobretudo publicados na imprensa regional e local, não foram suficientes para reverter a situação. Recordo ainda que, para que Coimbra voltasse a ter de novo o ensino industrial e comercial, mais do que a edilidade autárquica contribuíram as forças vivas da cidade: associações, imprensa, Secção Regional da Ordem dos Engenheiros e o deputado Dr. José Fernando Nunes Barata, natural da Pampilhosa da Serra – onde está sediada uma fundação com o seu nome –, licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra e que, na então Assembleia Nacional, muito se bateu para que Coimbra voltasse a ter o seu Instituto Industrial e Comercial.

Como já referi, com o desdobramento do Instituto em Industrial e Comercial, em 1971, este passou a administrar o Ensino do Curso de Contabilista e os preparatórios para o Ensino Superior de Economia e Finanças.

Por um diploma de 1976, os Institutos de Contabilidade e Administração passaram a gozar de personalidade jurídica e autonomia administrativa e pedagógica, bem como a possibilidade de aquelas escolas poderem oferecer formação mais avançada, além do bacharelato, especificando-se: «Neles se conferem os graus de bacharelato, licenciatura e doutoramento», não se tendo ainda concretizado a preceituado na legislação, quanto a este último grau, ou seja, o doutoramento.

Com a criação do Ensino Politécnico, em 1977, no Instituto Politécnico de Coimbra foram integradas várias escolas (1979), entre as quais a Escola Superior de Educação e Contabilidade. Nas décadas de 1980 e 90 o ISCAC passou a oferecer licenciatura, bacharelato, cursos especializados e de pós-graduação em várias áreas e, a partir do ano letivo de 2005-2006, diversos cursos de mestrado, facto marcante na história da Escola.

Na última década do século XX e primeiras do presente século, a Instituição entrou num período de desenvolvimento excecional, cuja evolução histórica, como sublinha o Professor José Manuel de Matos Carvalho, passou pelas seguintes fases, focadas desenvolvidamente ao longo de vários capítulos do livro:

1.ª :1990-200 – Fase de visão estratégica;

2.ª : 2001-2010 – Fase de instabilidade e perda de influência do IPC;

3.ª: 2011-2020 – Fase de afirmação da Escola, com visão estratégica e orientação de marketing.

Marco igualmente importante, na história da Escola, foi a inauguração e mudança para estas excelentes instalações, em 1996, ficando para trás as deficientes condições do antigo Colégio Luís de Camões, na Alta da cidade, no Bairro da Cumeada.

Particularmente significativa e digna de destaque é a evolução registada nos últimos anos (2018-2021), sob a administração presidida pelo Prof. Doutor Pedro Costa e que é sintetizada no 7.º e último capítulo da obra, no qual se sublinham, entre outros, os seguintes aspetos:

·                    Investigação, produção científica e eventos;

·                    Modelo de ensino-aprendizagem ativo e centrado no aluno, também decorrente das recomendações contantes do Processo de Bolonha;

·                    Adaptação, muito rápida e eficiente, às novas condições resultantes da COVID -19;

·                    Formação executiva ao longo da vida;

·                    Linhas de força orientadoras da escola nos últimos anos.

Por fim, permita-se-me que cite a última frase que consta da conclusão da obra:

«Com este percurso diversificado e com o legado recebido, compete aos continuadores – presentes e futuros – darem um futuro ao passado, continuando a desempenhar o papel de relevo que a instituição alcançou, no âmbito cultural, científico e cívico, em prol do país, da região e da comunidade internacional».


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