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[Histport] Artigo: ADN do século XIV revela que rotas comerciais podem ter acendido o rastilho da peste negra

To :   histport <histport@uc.pt>
Subject :   [Histport] Artigo: ADN do século XIV revela que rotas comerciais podem ter acendido o rastilho da peste negra
From :   marioruisr@sapo.pt
Date :   Sun, 19 Jun 2022 20:42:09 +0100







A peste negra é, por larga margem, a pandemia mais mortífera de que há registos. As estimativas apontam que entre 75 a 200 milhões de pessoas morreram em apenas sete anos no século XIV – mas nunca percebemos qual a origem desta pandemia. Quase 700 anos depois, a pandemia da peste negra pode ter sido uma consequência das rotas comerciais e ter um novo local de partida: o Quirguizistão.

A partir da análise do ADN de sete pessoas que morreram antes daquela que é a data referencial de início dos surtos de peste negra (1346), uma investigação agora publicada sugere que a peste negra pode ser responsável por um surto no Quirguizistão quase dez anos antes. Através de registos antigos e da análise genómica do ADN antigo destas sete pessoas, os investigadores encontraram vestígios da bactéria da peste em três amostras que representam uma única variante e são o ancestral comum antes de um grande evento de diversificação – ou seja, antes da disseminação da peste negra.

Os resultados deste trabalho são agora publicados na revista científica Nature, por uma equipa de investigadores da Alemanha, Cazaquistão, Itália, Reino Unido e Rússia, liderada pelo paleogeneticista Johannes Krause e pelo historiador económico Philip Slavin.

A peste negra, causa pela bactéria Yersinia pestis, pode ter matado até 60% da população existente na região da Eurásia Central entre 1346 e 1353. Começou por ser conhecida por este nome devido às manchas pretas que surgiam no corpo das vítimas desta bactéria, que era transportada por pulgas que viviam em roedores.

O primeiro registo de um surto da peste remete-nos para Caffa na península da Crimeia (disputado pela Rússia à Ucrânia), sendo este um potencial foco inicial da pandemia – um campo ainda muito disputado na História e que agora tem um novo epicentro.

O big bang da peste negra

É, contudo, no actual Quirguizistão (rodeado na Ásia Central por Cazaquistão, China, Tajiquistão e Uzbequistão) que se centra esta nova etapa do percurso da peste negra. A equipa de investigação explorou dois cemitérios antigos no país, Kara-Djigach e Burana, onde um número invulgarmente elevado de campas datas de 1338 e 1339 foram encontradas no final do século XIX. Destas campas, dez tinham inscrições que apontavam para a “pestilência” como causa da morte.

Este excesso de mortalidade moveu os investigadores em busca de mais informação: será que a peste negra estava envolvida? A resposta é afirmativa. A partir dos restos mortais de sete pessoas, foram descobertos vestígios da bactéria da peste negra em três das amostras genéticas – e de uma variante única que pode ter sido responsável pelas infecções fatais da década seguinte.

As rotas comerciais entram agora. O Quirguizistão historicamente é parte da concorrida Rota da Seda que interliga o comércio entre a Ásia e a Europa. Os registos históricos destas campas mostram que existiam pérolas do oceano Índico, corais do mar Mediterrâneo e moedas estrangeiras, sugerindo um movimento comercial significativo nesta zona. Os investigadores apontam que estas rotas comerciais com passagem pela Ásia Central podem ter um papel importante na disseminação da peste negra.

Este pode ter sido o big bang, como refere o estudo, da peste negra, conduzindo a uma disseminação a partir da Rota da Seda e das outras travessias comerciais que eram percorridas pela Ásia Central. Ainda é precoce, no entanto, atribuir culpas somente ao comércio. A equipa liderada por Krause e Slavin pretende agora comparar os padrões de mortalidade dos cemitérios do Quirguizistão com os dos cemitérios europeus, bem como aprofundar o estudo das amostras de peste negra na Ásia. Até ao momento, a maioria dos estudos, indicam no artigo científico agora publicado, focam-se na vertente europeia da pandemia.

Quanto à origem, apesar de os registos históricos apontarem para que a Ásia Central tenha sido o epicentro desta pandemia, não existe ponto de partida definido para a propagação desta bactéria. O que os autores agora propõem é procurar mais pistas para completar a história de como, oito anos antes da peste atingir o continente europeu, a peste negra atravessou fronteiras: a aposta é nas rotas comerciais e que o ponto de partida possa estar nesta região.

A peste negra, também apelidada de bubónica, é a segunda peste pandémica depois da peste justiniana que matou mais de metade da população da Europa no século VI e VII (sendo baptizada pelo nome do imperador bizantino Justiniano I) e antes da terceira peste que atacou principalmente a China e a Índia no final do século XIX. Krause, já em 2012, tinha liderado um trabalho em que reconstituía um genoma da bactéria da peste negra para demonstrar que a primeira peste bubónica foi no século VI.

A pandemia do século XIV de peste negra foi porém a mais mortífera, tendo também consequências económicas e sociais graves. Apesar disso, a Península Ibérica terá sido das regiões menos afectadas pelos efeitos da peste negra. Ainda hoje, a doença causada por esta bactéria, entretanto já bastante alterada, está presente em roedores em quase todos os continentes, mas os cuidados de saúde e higiene impedem infecções – e quando as há, são facilmente tratadas com antibióticos.


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