Uma lição de história (e humildade) sobre Portugal e o Bangladesh
Temos ouvido muito barulho ultimamente sobre a comunidade do Bangladesh em Portugal.
Um barulho que, muitas vezes, é de raiva, medo e xenofobia, vindo de sectores da extrema-direita ligados ao partido fascista Chega.
Dizem que são "muitos", que são "diferentes", que são uma "invasão" ou que "Isto não é o Bangladesh", berra o dirigente fascista do Chega, semeando ódio e racismo.
Agora, deixem-me contar-vos uma história. A nossa história.
No século XVI, quando os portugueses chegaram a Bengala (onde hoje é o Bangladesh), não fomos propriamente em paz.
Claro, houve comércio, mas também e sobretudo houve mercenários portugueses, conhecidos como "Harmads" (de "Armada").
Estes "Harmads" aliaram-se a piratas locais, pilharam aldeias e, o mais grave de tudo, capturaram e venderam dezenas de milhares de bengalis como escravos. A nossa presença lá foi, em muitos aspectos, violenta e de rapina.
Quando os navios portugueses partiram de Bengala, a nossa história ficou lá, escrita de duas formas que sobrevivem até hoje:
1. Na Voz (palavras), a língua bengali está cheia de vestígios dessa interação. Quando hoje um bengali diz chabi (chave), janala (janela), almari (armário), sabun (sabão) ou pau-ruti (pão), está a falar um pouco de português sem o saber.
2. Na Miscigenação, o legado ficou nas pessoas. Os mercenários portugueses tiveram filhos com mulheres locais. Os missionários converteram (e o sistema colonial baptizou à força) escravos e novos cristãos, dando-lhes nomes portugueses.
Hoje, uma parte significativa da comunidade cristã no Bangladesh carrega no seu passaporte a prova viva dessa miscigenação: apelidos como Gomes, Rozario (Rosário), D'Costa (Costa), Pereira e D'Souza (Sousa) são *a marca humana indelével do nosso encontro histórico.*
Hoje, vivem em Portugal cerca de 50.000 bengalis.
Eles não vieram em navios armados. Não vieram pilhar. Não vieram escravizar ninguém.
Vieram em paz.
Vieram trabalhar nos trabalhos que muitos de nós já não queremos, na agricultura que nos põe comida na mesa, na restauração que nos serve.
Vêm procurar uma vida melhor, tal como milhões de portugueses fizeram (e fazem) noutros países.
Quando vejo o ódio dirigido a estas pessoas, só consigo pensar no profundo paradoxo:
Quando nós fomos lá, fomos com a espada e levámos escravos. Quando eles vêm cá, vêm com as mãos para trabalhar.
A história, quando aprendida, devia dar-nos humildade. Devia dar-nos perspectiva.
A comunidade bengali em Portugal merece respeito, dignidade e segurança. Não merecem o racismo de quem, ironicamente, representa um país que tem no seu passado episódios de violência extrema nessa mesma região do mundo.
Empatia e memória. É o mínimo.
Jorge Van Krieken