PATRIMÓNIO E IDENTIDADE
Uma mudança nos critérios da Identidade está a afectar o viver humano na actual sociedade. E irá repercutir-se no “valor” atribuído ao Património.
No Hinduísmo, o desconforto perante esta mudança de Identidade há muito foi resolvido. Há uma divindade para cada um dos três movimentos que causam esse problema: criação (Brahma), preservação (Vishnu), destruição
(Shiva). Concebem e aceitam esse devir constante e perpétuo, de fazer e refazer, que comanda Identidade humana. Uma tri-funcionalidade que Dumézil detectou na própria organização social, e que está incrustada nas línguas que fazem funcionar a cognição Indo-europeia.
Os conflitos --- a pretexto do “Padrão dos Descobrimentos” (e de outros monumentos e objectos um pouco por todo o mundo), do género (binário e não-binário) ou da cor-de-pele --- sucedem-se a um ritmo cada vez
maior. Indicando que essa mudança está a ocorrer.
A “História” deixa de ser a mesma que nos foi ensinada nos bancos da escola. Ou aquela que os antigos nacionalismos ainda nos obrigam politicamente a contar (aquela que está escrita nos nossos actuais bilhetes-de-identidade
e passaportes).
Hoje, os dados antropológicos, arqueológicos e etnográficos, somados aos avanços no estudo do ADN das populações e migrações humanas desde homo sapiens (há 400 mil anos, desde a 1.ª migração) destruturam as narrativas
das actuais Identidades.
Basta olhar-se à nossa volta para vermos no mesmo território --- em todas as cidades, ruas, lojas, empresas, universidades --- juntas e trabalhando para objetivos comuns, pessoas de dezenas de identidades, cor-de-pele,
proveniência de nascimento e etnias diferentes. Muitas já tiveram filhos e netos neste território (a que ainda se chama «Portugal»).
Acrescem, os casamentos já hoje celebrados entre humanos e robots; ou a personalidade jurídica de avatares e hologramas já consagrada na legislação de alguns países.
Esta realidade que nos cerca, e é inexorável, cria uma nova relação de Identidade entre a informação (bit) e a matéria (it), entre os «objectos e corpos» e a dita sua «imaterialidade».
Tal como sucede à maioria dos que têem a «nacionalidade» portuguesa, D. Afonso Henriques também não era «português», e o pai era borgonhês (francês). A rainha Filipa de Lencastre era inglesa. Pedro Nunes descendia
de judeus. Camões "cantava a alma Lusitana", pressupondo uma identidade muito anterior à colonização galaica-portucalense do séc. XII do território dito “português”. De facto, os actuais documentos arqueológicos e etnográficos revelam a existência de “Humanos
Modernos” neste território há 43 mil anos (Lapa do Picareiro), e comprovam a existência de dezenas de línguas de povos culturalmente diferenciados.
Onde estão esses «portugueses originais», tanto no passado como hoje? Terão sido os que automaticamente passaram a sê-lo no dia seguinte à entrada em vigor do “tratado de Zamora”, ou da bula “Manifestis
probatum”? Ou aqueles que o deixariam de ser se a “União Europeia”, também por tratado, decretasse o seu fim? Ou aqueles que passariam a ser o “cidadão mundial n.º xn+1” decretado pela ONU? Não foi assim que surgiram as designações de todos os actuais
“Países”, seus hinos e bandeiras?
Ainda não há uma “Ágora” para debater com serenidade esta mudança. Mas os “Estudos do Património”, e a responsabilidade dos que velam por ele, deviam esforçar-se por antecipá-la. Porque o passado ensina-nos que,
são nestas ocasiões de mudança social e de mentalidade, que ocorrem as maiores delapidações do Património.
PARA ESSE OBJECTIVO, talvez pudéssemos contribuir com o seguinte exercício de diagnóstico à nossa Identidade:
EM SUMA, obviamente que a Identidade está prestes a mudar, tal como ocorreu no passado. E novos critérios se forjarão para a reconstruir e recriar. Mas quais? E em que esta mudança social, técnica e de mentalidade
afectará o Património? Pedro Manuel-Cardoso |
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