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[Museum] PATRIMÓNIO E IDENTIDADE (corrigido)

To :   museum <museum@ci.uc.pt>
Subject :   [Museum] PATRIMÓNIO E IDENTIDADE (corrigido)
From :   Pedro Pereira <pedropereiraoffic@outlook.com>
Date :   Sat, 21 Aug 2021 10:30:29 +0000

 

PATRIMÓNIO E IDENTIDADE

Uma mudança nos critérios da Identidade está a afectar o viver humano na actual sociedade. E irá repercutir-se no “valor” atribuído ao Património.

No Hinduísmo, o desconforto perante esta mudança de Identidade há muito foi resolvido. Há uma divindade para cada um dos três movimentos que causam esse problema: criação (Brahma), preservação (Vishnu), destruição (Shiva). Concebem e aceitam esse devir constante e perpétuo, de fazer e refazer, que comanda Identidade humana. Uma tri-funcionalidade que Dumézil detectou na própria organização social, e que está incrustada nas línguas que fazem funcionar a cognição Indo-europeia.

Os conflitos --- a pretexto do “Padrão dos Descobrimentos” (e de outros monumentos e objectos um pouco por todo o mundo), do género (binário e não-binário) ou da cor-de-pele --- sucedem-se a um ritmo cada vez maior. Indicando que essa mudança está a ocorrer.

A “História” deixa de ser a mesma que nos foi ensinada nos bancos da escola. Ou aquela que os antigos nacionalismos ainda nos obrigam politicamente a contar (aquela que está escrita nos nossos actuais bilhetes-de-identidade e passaportes).

Hoje, os dados antropológicos, arqueológicos e etnográficos, somados aos avanços no estudo do ADN das populações e migrações humanas desde homo sapiens (há 400 mil anos, desde a 1.ª migração) destruturam as narrativas das actuais Identidades.

Basta olhar-se à nossa volta para vermos no mesmo território --- em todas as cidades, ruas, lojas, empresas, universidades --- juntas e trabalhando para objetivos comuns, pessoas de dezenas de identidades, cor-de-pele, proveniência de nascimento e etnias diferentes. Muitas já tiveram filhos e netos neste território (a que ainda se chama «Portugal»).

Acrescem, os casamentos já hoje celebrados entre humanos e robots; ou a personalidade jurídica de avatares e hologramas já consagrada na legislação de alguns países.

Esta realidade que nos cerca, e é inexorável, cria uma nova relação de Identidade entre a informação (bit) e a matéria (it), entre os «objectos e corpos» e a dita sua «imaterialidade».

Tal como sucede à maioria dos que têem a «nacionalidade» portuguesa, D. Afonso Henriques também não era «português», e o pai era borgonhês (francês). A rainha Filipa de Lencastre era inglesa. Pedro Nunes descendia de judeus. Camões "cantava a alma Lusitana", pressupondo uma identidade muito anterior à colonização galaica-portucalense do séc. XII do território dito “português”. De facto, os actuais documentos arqueológicos e etnográficos revelam a existência de “Humanos Modernos” neste território há 43 mil anos (Lapa do Picareiro), e comprovam a existência de dezenas de línguas de povos culturalmente diferenciados.

Onde estão esses «portugueses originais», tanto no passado como hoje? Terão sido os que automaticamente passaram a sê-lo no dia seguinte à entrada em vigor do “tratado de Zamora”, ou da bula “Manifestis probatum”? Ou aqueles que o deixariam de ser se a “União Europeia”, também por tratado, decretasse o seu fim? Ou aqueles que passariam a ser o “cidadão mundial n.º xn+1” decretado pela ONU? Não foi assim que surgiram as designações de todos os actuais “Países”, seus hinos e bandeiras?

Ainda não há uma “Ágora” para debater com serenidade esta mudança. Mas os “Estudos do Património”, e a responsabilidade dos que velam por ele, deviam esforçar-se por antecipá-la. Porque o passado ensina-nos que, são nestas ocasiões de mudança social e de mentalidade, que ocorrem as maiores delapidações do Património.

PARA ESSE OBJECTIVO, talvez pudéssemos contribuir com o seguinte exercício de diagnóstico à nossa Identidade:

 

1. Os Humanos conseguem dizer actualmente que, desde o início da Vida aqui na Terra, há mais de 4 mil milhões de anos, o seu corpo (tal como o dos arcados, eucariotes e procariotes) foi sempre um «robot» perpetrado por uma «informação» (codificada).

2. Que «aquilo que são» não é esse seu suporte (corpo). Mas outrossim, o «uso» que fazem de «todos e quaisquer objectos (incluindo os corpos) e de todas e quaisquer modalidades (tipos) de comportamento».

3. Estás-lhes vedado cognitivamente conseguirem imaginarem-se como sendo essa «coisa que usa todas as outras», que não são elas nem a sua forma/materialidade.

É-lhes difícil imaginarem-se como uma coisa diferente do seu actual suporte anatómico-cognitivo e do seu sistema sensorial-perceptivo corpóreo. Apesar de ter sido isso que lhes tem servido para dizer: “eu sou esta pessoa”.

4. Ainda não são capazes de explicitar (dizer ou escrever) a imputação da sua identidade fora das formas de um corpo/suporte. Ainda não são capazes de definir a sua identidade com base nesse «uso» que fazem das coisas e corpos. Ainda estão reincarnados e materializados nessa física, logo, em critérios como a cor-de-pele, o género, o formato étnico da anatomia, a nacionalidade, o local de nascimento do corpo proteico, e outros critérios do mesmo tipo.

5. Até se transformarem noutra Pessoa, talvez não consigam ultrapassar este seu actual limite. O máximo que conseguem discernir, fica sempre dentro na equação da probabilidade de T.Bayes ou no teorema da indecidibilidade de K.Gödel; numa asserção de Aristóteles nas “Categorias”, ou na prisão lógica (silêncio) de L.Wittgenstein.

6. Intuem e sentem que há «um lado de fora» do que são actualmente (sem terem a certeza), mas não conseguem visualizá-lo, formalizá-lo, e pô-lo em palavras. Provavelmente terão primeiro de se transformarem. Porque sem serem/estarem desse lado de fora, não conseguirão nem ser nem perceber mais do que são?

 

 

EM SUMA, obviamente que a Identidade está prestes a mudar, tal como ocorreu no passado. E novos critérios se forjarão para a reconstruir e recriar. Mas quais? E em que esta mudança social, técnica e de mentalidade afectará o Património?

Pedro Manuel-Cardoso

 





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