RUÍNAS ROMANAS…
Mas não foi sempre assim? Os que sucedem, não vivem com os pés em cima dos escombros dos que os antecederam?
Não foi sempre assim desde o início da Vida na Terra há mais de 4 mil milhões de anos (ARN, ADN, célula, “last universal common ancestor of life”, multicelulares, bactérias, arcados, eucariotes, pluricelulares,
h.habilis, h.sapiens, etc.)? Não está soterrado, debaixo de cada geração, as gerações que a antecederam --- transformando o que veio do passado num composto mais complexo e integrado?
Inclusive, aquilo a que chamamos “o nosso corpo” não é, afinal, uma cidade de organismos vivos, na qual o que verdadeiramente é humano apenas perfaz 43%, sendo o resto microrganismos do microbioma (Ruth Ley, Max
Planck Institute, 2018)? Isto é, mesmo dentro daquilo a que chamamos “nós/eu” há essa transformação do passado em presente, e de ambos em futuro (enquanto houver a capacidade adaptativa de Continuar).
O Património que foi codificado no ADN --- isto é, aquilo que do passado transportamos e está guardado no núcleo das nossas células --- não é a mesma «coisa» do que as «coisas» que existiam antes da codificação.
Logo, o trabalho museológico e patrimonial que a Natureza fez antes dos seres humanos aparecerem mostra que sempre houve um soterramento e um desaparecimento das coisas anteriores. Que deu origem a uma transformação das coisas, noutras de outro tipo (de «It»
a «Bit», de coisa-objeto a coisa-informação).
Não se trata de coisas do passado, que se mantém inalteradas no presente. Não é uma coabitação, com quotas para cada parte, ficando tudo no mesmo estado inicial, lado-a-lado, em estado sedimentar. É uma
transformação daquilo que se era no passado, num nível de complexidade e de organização totalmente diferentes. Exigindo (como mostra a história natural do sistema nervoso central e a biologia molecular da cognição) um «programa de perpetração e coordenação»
cada vez mais complexo, capaz de gerir esse aumento de integração (chame-se-lhe: “software”, “algoritmo e equação neural-sináptica”, “mente/cérebro”, ou o que se quiser).
Assim sendo, é legítimo interrogar se o trabalho patrimonial sobre os objetos e materiais que constituem a “época Romana” (ou outra qualquer) continuará a ser corretamente feito se (apenas) desenterrarmos tudo
o que existe sobre ela. Em vez de transformarmos essa materialidade em conhecimento (informação), possível de ser codificado pelas gerações que nos sucederão. Isto é, passando-a para uma escala tal, que consegue ser guardada numa sequência bioquímica no ADN
dos que sobreviverem.
A geração atual --- e ainda mais as que a sucederão --- talvez já não tolerem viver rodeadas de ruínas e artefactos “Romanos”. Já nem será turístico, emblemático, folclorístico ou diferenciador. Já não haverá
sequer uma relação estética e cultural... agradável. Disso, em termos patrimoniais, talvez apenas queiram a lógica e a equação do que isso contribuiu
para se ser Humano. Ou seja, tal como desde o início da Vida, todo e qualquer património só será preservado se fôr codificável no sistema de memória e conhecimento que sobreviverá na viagem da Continuidade. Nessa viagem não cabem as coisas (em termos
de tamanho, peso e dimensão) tais como eram na sua materialidade quando foram originadas/criadas.
Ou seja, o que necessita de mudar não será o modo como devemos conceber e executar a atual Gestão do Património?
“[....] É esse erro que H-P.Jeudi (2001) comete ao querer explicar o valor patrimonial das fábricas desativadas (desmercantilizadas) pelo regime de tempo da época
em que estavam ativas, confundindo «objecto», «uso» e «valor patrimonial». Aliás um erro muito frequente nas análises sobre o Património, os Museus, e as Expografias. O valor patrimonial não está alojado na materialidade do objecto (as fábricas, neste caso,
de Jeudi), e, portanto, na relação com a perda de valor comercial como Jeudi defende; nem é por Basin & Selim alargarem a escala da análise à globalização capitalista, que evitam o mesmo erro de Jeudi.
A utilização do método comparativo permite evitar a subjetividade relativista característica das Humanidades, e aproximar-nos da validação mais científica das
Ciências Sociais. Permitindo constatar que o Património não são os objetos/factos, em si mesmos, sem a relação que estabelecem com a Realidade e com as Pessoas que os escolhem para ser «património». De certa maneira até poderíamos afirmar que uma parte da
qualidade patrimonial não está sedeada neles, mas sim na relação que estabelecem com a cognição das Pessoas. O ‘valor patrimonial’ depende do ‘uso’, o qual por sua vez não depende totalmente da materialidade ou do estado do ‘objecto’.” (Pedro Manuel-Cardoso,
15junho2014, “O Tempo e o Espaço do Património em Museologia”,
Lista Museum mensagem n.º 11859)
Pedro Manuel-Cardoso
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