(Exmo....)
No Outono de 2020, a comunidade científica foi alertada para a descoberta de importantes vestígios islâmicos no claustro da Sé de Lisboa. Os achados superavam as estruturas já conhecidas desde os anos 90, pela sua monumentalidade e pela leitura que permitem
de uma rua da Lisboa islâmica e de um conjunto edificado complexo em cujas paredes foram registados esboços relacionáveis com a própria construção da Sé. Por essa razão, e porque se tratava de um conjunto excepcional, entendeu, e muito bem, a tutela ouvir
os especialistas e determinar uma alteração ao projecto de musealização em curso que salvaguardasse essas estruturas.
Foi por isso com espanto que, no final de 2021, tomámos conhecimento através de uma conferência de imprensa de uma alteração ao projecto, não publicitada, que salvaguardando é certo algumas dessas estruturas, se propõe desmontar (isto é destruir) uma parte
do complexo. A mesa-redonda “As Obras do Claustro da Sé. Património e Projecto” foi uma primeira reacção de um grupo de arqueólogos, historiadores e historiadores de Arte à ameaça de destruição iminente suspensa hoje sobre esse património.
Não discutimos a necessidade de musealização do sítio e a urgência dela, antes a saudamos. Mas separa-nos do projecto em curso a concepção do que deve ser uma musealização. Entendemos que esta não deve destruir o sítio que pretende musealizar. Ou dito de outra
forma, que o projecto se deve acomodar aos vestígios que o justificam e não o inverso, como aqui tem acontecido. Assim, propomos a alteração do projecto com a supressão do piso -1 no Claustro/núcleo museológico, mantendo a cripta arqueológica em vão único,
aberto e livre de qualquer construção, de forma a permitir a preservação integral visualização total e de conjunto do complexo monumental islâmico.
Não está em causa ainda o princípio da preservação pelo registo. Entendemos, porém, que esta opção deve ser a excepção e em nenhum caso aplicável quando se trata de um sítio tão sensível e importante como o complexo arqueológico e monumental da Sé e do Claustro
de Lisboa.
Suspendemos também, de momento, a discussão científica sobre a natureza dos vestígios, deixando a sua interpretação para o estudo que a comunidade científica deles fará, fora das contingências dos prazos de obra.
Junta-nos, porém, a consciência comum e cidadã da sua excepcionalidade também simbólica, e da excepcionalidade do sítio em Lisboa e em Portugal.
Porque se trata de um local de memória que permite uma leitura da História do Atlântico europeu nos últimos 3000 anos.
Porque se trata de uma chave para perceber a génese da História portuguesa entre o século XII e o XIV.
Porque os últimos achados sublinham o carácter múltiplo dessa História, permitindo perceber a interpenetração entre a Lisboa islâmica e a cristã.
Razões em si suficientes para não executar o projecto em curso na sua actual configuração. As destruições perpetradas no património arqueológico em Lisboa nos últimos trinta anos são tantas outras. Tempo de parar.
Com os melhores cumprimentos,
Hermenegildo Fernandes, historiador, diretor da área de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
(organização)
Carlos Fabião, arqueólogo, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e diretor da UNIARQ
(moderação)
Em representação dos participantes na mesa redonda,
Alexandra Gaspar, Ana
Gomes, António
Marques, Carlos
Almeida, Catarina Tente, Jacinta Bugalhão, Manuel Fialho,
Maria João Branco, Paulo Almeida Fernandes, Santiago Macias.
Anexo: Dossier documental "As obras do claustro da Sé: Património e Projeto". Igualmente disponível link para download: https://we.tl/t-xJiyY1UdSZ (até 30 de Janeiro de 2022)