(Texto publicado no Diário de Coimbra, de 5/5/2022, p. 11)
Prelo restaurado, património industrial preservado
A propósito do prelo de finais do século XVIII, restaurado e em exibição permanente na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, iniciativa deveras louvável, permito-me fazer algumas considerações sobre o património industrial, objeto de estudo pela Arqueologia Industrial, e sua relevância. Desde meados do século XX que tem vindo a ser dada especial atenção a este género de património – abundante e diversificado, fruto da desindustrialização –, muito do qual tem sido destruído, enquanto outro vai sendo restaurado, requalificado e reutilizado. Como Portugal é um dos países de industrialização tardia, ainda preserva elementos do referido património que já não se encontram em nações cujo desenvolvimento industrial foi mais precoce e intenso.
Certas estruturas do nosso património industrial têm mesmo despertado a atenção de investigadores estrangeiros, como sucedeu com as célebres colunas da chaminé da cozinha do Mosteiro de Alcobaça – em ferro fundido, caso raríssimo ou mesmo único, na primeira metade de Setecentos –, cuja história foi narrada pela Dr.ª Maria Augusta Ferreira, em obra que prefaciei. Com efeito, foram autores ingleses que primeiro chamaram a atenção para as referidas colunas, tal como foi um investigador norte-americano (Robert W. Oldham) que viria a constatar que o prelo em foco era mais antigo do que se pensava – ou seja, de 1784, e não de meados do século XIX, e que terá sido importado e não da autoria do famoso artista do ferro forjado, Manuel Bernardes Galinha. Este – que apenas terá produzido uma peça do prelo – era membro de uma família de oficiais do mesmo ofício, tendo-se celebrizado pela autoria do conhecido portão do Jardim Botânica que exibe o seu nome (Público, de 27-4-2022, e Diário de Coimbra, de 28-4-2022).
Recorda-se que Coimbra dispõe, ainda, de um património industrial considerável, apesar de muito já ter desaparecido. Assim, o Convento de São Francisco, em Santa Clara, a Casa das Caldeiras, na Rua Padre António Vieira (ao qual dediquei um artigo, destacando as suas potencialidades, como património industrial e cuja requalificação acompanhei) e o Museu da Água, no Parque Dr. Manuel Braga, constituem casos de sucesso, em termos de requalificação e reutilização de notáveis “monumentos” industriais, relevantes no desenvolvimento da História da Cidade. Para um melhor conhecimento da temática, seria de grande interesse que o Executivo Municipal ou outra entidade indagasse, junto do Sr. Varela Pècurto, se ainda dispõe do original do livro com o levantamento fotográfico do património industrial de Coimbra – fábricas antigas, desativadas ou ainda em laboração –, a fim de ser publicado, retomando um projeto de meados de 2000, ao qual dei o meu apoio, com um texto introdutório (que lhe remeti em 13-5-2000).
Além da incontestável relevância para um melhor conhecimento da história industrial da cidade e elemento de reforço do turismo cultural e industrial, esta iniciativa seria como que uma gratificante “prenda de anos”, para o grande artista que é o senhor Varela, no âmbito da recente comemoração do seu 97.º aniversário.
José Amado Mendes
(Texto publicado no Diário de Coimbra, de 5/5/2022, p. 11)