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[Museum] Patrimologia em tempo de guerra: «Perguntar aos Museus se nos podem libertar do Opressor»

To :   museum <museum@ci.uc.pt>
Subject :   [Museum] Patrimologia em tempo de guerra: «Perguntar aos Museus se nos podem libertar do Opressor»
From :   Pedro Pereira <pedropereiraoffic@outlook.com>
Date :   Fri, 10 Jun 2022 17:37:50 +0000

 

Mesa-Redonda

Patrimologia em tempo de guerra:

«Perguntar aos Museus se nos podem libertar do Opressor»

Coord. Pedro Manuel-Cardoso

Sítio do Impronuncialismo, Jardim do Campo Grande, Lisboa

10 junho 2022

Texto que introduz o debate:

Ó Museu, diz-nos, se nos podemos libertar dele: do algoz que nos oprime.

Ó Museu, diz-nos. Mas não digas «sim» ou «não», porque estás proibido de dizer que estás «contra» ou «a favor», já que é dessa condenação que nos queremos libertar. Terás palavras, imagens ou exposições? Haverá imagens, exposições ou palavras que possam «dizer e não-dizer» ao mesmo tempo? Mas mesmo que «existam ou não existam», não continuaremos a viver? Logo, não é tempo perdido andar atrás de palavras, textos, imagens e exposições?

Ó Museu, olha para todos estes desgraçados adiante, que continuam a andar à procura. Para quê inventar mais uma filosofia, uma imagem, uma exposição, um conjunto de palavras? Estas já não são uma impossibilidade bastante? Já não estamos fartos de todos estes derrotados?

Ó MUSEU, DIZ-NOS SE NOS PODEMOS LIBERTAR DELE: DO ALGOZ QUE NOS OPRIME

1 – Sim. Refiro-me ao algoz que nos torna escravos do conhecimento e da sabedoria, como se esses dois venenos não fossem o engodo dessa nossa escravidão. Refiro-me ao «regime de oposições binárias, inversas, isomorficamente simétricas, em permanente conflito». Esse dimorfismo herdado, que sujeita a mente humana à dialogia. Essa trágica dicotomia, de um distrofismo do pensamento que cinde a razão em formas contrapolares (0/1, sim/não, mal/bem, morte/vida, ser/não-ser, certo/errado, nós/eles, esquerda/direita, verdade/mentira, inocentes/culpados, oriente/ocidente, e assim sucessivamente). Como nos poderemos livrar dessa tirania dual, do cárcere dimórfico humano?

2 – Perante uma mesma evidência, ... onde  metade vê «heroicidade», a outra metade vê «infâmia»; onde metade vê uma «vitória», a outra metade vê uma «derrota»; onde metade vê uma «conquista», a outra metade vê um «roubo»; onde metade vê um «acto fundador» (até, de um país), a outra metade vê um «acto criminoso»; onde metade vê «puro», a outra metade vê «impuro»; onde metade diz «sim», a outra metade diz «não»; onde metade vê o «lado positivo», a outra metade vê o «lado negativo»; onde metade vê a «verdade», a outra metade vê a «mentira».

3 – Para os Humanos a «evidência» é simultaneamente «o verso e o anverso», «a afirmação e a negação», «a lembrança de uma parte e o esquecimento da outra»; e assim sucessivamente.

4 – A mentalidade atrasada e primitiva dos autoproclamados “Humanos” -- todos ufanos de si próprios -- não consegue ultrapassar a polissemia e a plurissignificação. Para eles a moral e a ética não são o joker do seu facciosismo?

5 – O cérebro atrofiado dos Humanos não está totalmente dominado pela genética herdada? Porque não conseguiu evoluir para lá do «regime de oposições binárias, inversas, isomorficamente simétricas, em permanente conflito»? Os Humanos não estão partidos nessas duas metades, que oscilam para sempre, impedindo-os de comandarem o seu destino?

6 – Os Humanos não vivem numa trágica dicotomia? Causadora do distrofismo do seu pensamento, e que lhes cinde a razão e o discernimento em formas contrapolares? O seu dimorfismo herdado terá cura? A mente humana não estará condenada a uma dialogia eterna, e à tirania dual do cárcere dimórfico (cromossomas Y e X; feminino/masculino, etc.)?

Diz-nos, Ó Museu. Mas não digas «sim» ou «não», porque estás proibido de dizer que estás «contra» ou «a favor», já que é dessa condenação que nos queremos libertar. Terás palavras, imagens ou exposições capazes disso? Haverá imagens, exposições ou palavras que possam «dizer e não-dizer» ao mesmo tempo? Se, mesmo que «existam ou não existam» não continuaremos a viver? Logo, não é tempo perdido andar atrás de palavras, textos, imagens e exposições? Já não estamos fartos de todos estes derrotados?

 

Ó MUSEU, OLHA PARA TODOS ESTES DESGRAÇADOS QUE ANDARAM À PROCURA. PARA QUÊ INVENTAR MAIS UMA FILOSOFIA, UM MODO DE DIZER, UMA EXPOSIÇÃO? ESTAS JÁ NÃO SÃO UMA IMPOSSIBILIDADE BASTANTE? JÁ NÃO ESTAMOS FARTOS DESTES DERROTADOS?

Quer em «modo masculino» (na perspetiva de Jean-François Dortier):

1.“Sócrates – o regresso da lenda”

2.“Platão – o filósofo que queria ser rei”

3.“Aristóteles – o pensador de todos os saberes”

4.“René Descartes – a idade da razão”

5.“Montaigne – o saber céptico”

6.“David Hume – o sol levantar-se-á amanhã?”

7.“Emmanuel Kant – pensar o pensamento”

8.“Georg Hegel – em busca do espírito absoluto”

9.“Edmund Husserl – em direção a uma ciência das ideias”

10.“De Husserl a Heidegger – variações sobre o Tempo”

11.“Ludwig Wittgenstein – analisar a linguagem”

12.“Ciência e Filosofia – uma história de amor em cinco actos”

13.“Karl Popper – contra os sistemas fechados”

14.“Jacques Derrida – o desconstructor”

15.“Gilles Deleuze e Félix Guattari – a arte do conceito/conceptual”

16.“Como nos transformamos em filósofos”

[In « L’art de penser », Les Grands Dossiers des Sciences Humaines nº34, avril-mai 2014, Sciences Humaine, Auxerre]

... Quer em «modo feminino» (na perspectiva de Catherine Halpern):

1.“Viver em filosofia”

2.“A filosofia antiga supunha uma conversão”, entrevista com Jean-François Balaudé

3.“Sócrates – o intransigente”, Louis-André Dorion

4.“Platão – viver para as ideias”, Étienne Helmer

5.“Aristóteles – exercer a virtude”, Christelle Veillard

6.“Diogénio – o regresso radical à vida simples”, Suzanne Husson

7.“Pyrrhon – a sabedoria não tem opinião”, Suzanne Husson

8.“Epicuro – a disciplina da felicidade”, Ariel Suhamy

9.“Os Estóicos – encontrar a paz de alma”, Christelle Veillard

10.“Plotin – “não cesses de esculpir a tua própria estátua”, Jerôme Laurent

11.“Sabedorias Orientais”, points de repère

12.“A experiência filosófica da Idade Média”, Dominique Demange

13.“Montaigne – “o meu ofício e a minha arte, é viver”, Bernard Séve

14.“Pascal e Kierkegaard – a escolha de Deus”, Bernard Séve

15.“Spinoza – a arte da alegria”, Ariel Suhamy

16.“Rousseau – usufruir/gozar a natureza”, Florent Guénard

17.“Kant – o dever como farol/guia”, Raphaël Ehrsam

18.“Schopenhauer – a arte de não ser demasiado infeliz”, Santiago Espinosa

19.“David Thoreau – o que é o perfeccionismo moral?”, Sandra Laugier

20.“Nietzsche – encontrar o sal da vida”, Patrick Wotling

21.“Uma arte de viver entre Marx e Oscar Wilde”, Philippe Corcuff

22.“John Dewey – a experimentação como modo de viver”, Stéphanne Madelrieux

23.“Os filósofos perante a Morte” (Platão, Os Estoicos, Epicuro, Spinoza, Schopenhauer, Hiedegger, Jankelevitch), points de repère

24.“Jean-Paul Sartre – a existência embarcada”, Samuel Webb

25.“Emil Cioran – a arte do desespero”, Vincent Piednoir

26.“Albert Camus – viver o absurdo” (imaginar o Sísifo feliz), Samuel Webb

27.“Ivan Illich – o programa convivial”, Martine Fournier

28.“Pierre Hadot e Michel Foucault – a cultura de si”, Danielle Lorenzini

29. “Arne Naess – a «deep ecology»”. Thomas Lepeltier

30.“Peter Singer – diminuir o sofrimento”, Thomas Lepeltier

31.“Agir contra as fraquezas” (Donald Davidson, Jon Elster, a procrastinação), points de repère

32.“Martha Nussbaum – aceitar a nossa fragilidade”, Solange Chavel

33.“Richard Shusterman – o corpo pensante”, Barbara Formis

34.“Os filósofos que nos querem tornar felizes” (Vincent Cespedes, André Comte-Sponville, Luc Ferry, Alexandre Jollien, Frédéric Lenoir, Robert Misrahi, Michel Onfray), Fabien Trécourt

35.“Estação das derivas da «filosofo-felicidade»”, entrevista com Roger-Pol Droit

[In « La philosophie, un art de vivre », Les Grands Dossiers des Sciences Humaines nº43, juillet-août 2016, Sciences Humaine, Auxerre]

PARCIALIDADES?

Ó MUSEU, SERÁ QUE POPPER TEM RAZÃO?

"A única forma de resolver a dificuldade é, creio, «introduzir conscientemente um ponto-de-vista preconcebido». O historicismo confundiu erradamente «interpretações» com «teorias». É possível, por exemplo, interpretar a História como a «história da luta de classes», ou como a «história da luta pela supremacia», ou como a «história da luta pelo progresso científico e industrial». Todos estes pontos-de-vista são mais ou menos interessantes, e perfeitamente plausíveis. Mas os historicistas não os apresentam como tal; não aceitam que existem necessariamente uma pluralidade de interpretações equivalentes (mesmo que algumas delas possam ser mais interessantes do que outras devido à sua fertilidade; este aspecto é muito importante, por não ser por causa dessa maior ou menor fertilidade que deixam de existir e serem possíveis). Em vez disso, apresentam-nas como doutrinas ou teorias, afirmando que toda a História, por exemplo, é a «história da luta de classes», ou da «luta pela supremacia”, ou do «progresso científico e industrial», etc.. Os historiadores clássicos que se opõem, com razão, a este processo, acabam por cair noutro erro, pois, nesse desejo de serem «objetivos e imparciais» e de evitarem qualquer ponto-de-vista seletivo, como isso é impossível, acabam por adoptar também pontos-de-vista sem se aperceberem de que o estão a fazer."

(Karl Popper, 1956, “A miséria do Historicismo”, in Paul Veyne “Como se escreve a História”, col. Points, Seuil, Paris, pp.148-150)

OS INDIANOS DIZEM QUE NUNCA LÁ CHEGAREMOS ATRAVÉS DA PALAVRA, DA LINGUAGEM, DAS EXPOSIÇÕES, OU DOS TEXTOS. Ó MUSEU, SERÁ QUE TÊM RAZÃO?

O pensamento indiano foi objeto de descoberta recente no Ocidente, sobretudo a partir dos anos-1980. Hoje conhecemos melhor a sua história e o seu desenvolvimento. Se na Alta Antiguidade o pensamento indiano exprimia-se através do «veda» sob uma perspetiva essencialmente religiosa. Porém, mais tarde, quando é reagrupado nas «darshanas» (“pontos-de-vista”), passa a adquirir um carácter filosófico e metafísico, expressando-se sob a forma de especulações filosóficas. As escolas budistas e bramânicas também permitiram o desenvolvimento do debate de ideias e de uma arte do diálogo bastante apurada, porém, o pensamento indiano, diferentemente delas, não se limitou à procura da Verdade”.

(Catherine Halpern, 2016, «Philosophie indienne : tendre vers le silence», Les Grands Dossiers des Sciences Humaines nº43, Juin-juillet 2016, «La philosophie, un art de vivre», Sciences Humaines, Auxerre, p.29)

 

Se os Gregos procuravam evitar os erros e as ilusões através do diálogo ou da demonstração, do lado indiano, o pessimismo é mais profundo quanto à capacidade de exprimir a Verdade através da linguagem. Seja qual for a época ou escola de pensamento há uma profunda unidade no pensamento indiano visando um único objetivo: o «nirvana» ou «moksha» (o fim do ciclo dos renascimentos/reencarnações). O «samsâra» é um ideal místico que se situa para além das palavras. O objetivo supremo da filosofia indiana reside numa busca espiritual e existencial que tende para o silêncio. Um silêncio que não é sinal de ignorância, mas de uma certa maneira de viver o mundo/vida. «Shankara», o mais importante conceito da filosofia hindu, que surgiu no séc.VIII, expressa a «não-dualidade» como o objetivo supremo da filosofia. Estado que não pode ser alcançado senão por uma disciplina simultaneamente espiritual, corpórea, moral ... e não apenas por via dos conceitos.”

(Michel Hulin, 2001, “L’unité de la pensée indienne”, entrevista conduzida por Jean-François Dortier, Sciences Humaines nº118, juillet 2001).

 

 

 

 

 


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