Pedro,
Agradeço o comentário. Como sabes, concordando ou não, leio e as mais das vezes aprendo com os teus textos e recordo as ocasiões em que te convidei para participares nas actividades do ICOM Portugal, quando o presidia.
Muitos desviar-se-ão depressa demais, a meu ver, das tuas construções, que lhes parecerão irreais, senão estéreis. Eu confesso que às vezes também as considero irreais. Nunca estéreis. Mais que não sejam porque me obrigam a esforço de entendimento e, por vezez, me ensinam coisas novas.
Quanto ao que agora dizes, acho que nos situamos em planos diferentes. Eu e o ICOM, ouso dizer, no da sabedoria popular, do género de "quem anda à chuva, molha-se" ou "amanhã haverá novo dia"... mesmo que biblicamente saibamos que o Apocalipse virá aí e com ele o fim dos tempos. Tu, no plano cosmogénico ou até metafísico, aquele que diz que nem sequer sabemos definir com rigor o que seja a vida - algo tão certo como o saber que nos ensine que uma cachaporrada bem aplicada pode acabar com ela.
Finalmente e talvez para tua aprendizagem (desculpa a presunção, mas eu como disse antes também aprendo contigo): o museu no sentido em que usas a palavra é bem anterior aos Homo sapiens. Não vai até às "algas" verdes-azuis ou os protocariotes, é certo. Mas é pelo menos dos Homo neanderthalensis, como em tempos disse à Madalena Brás Teixeira, que o incluiu na tese de doutoramento. E que museu era esse? Colecções de coisas bizarras para eles (fósseis, minerais), guardadas e expostas em nichos nas cavernas.
Cá está: colecções e expostas, aquilo que a sabedoria popular e qualquer dicionário rasca nos diz ser um museu.
Um abraço amigo do,
Luís Raposo
Data: Mon, 12 Sep 2022 15:20:31 +0000
Assunto: [Museum] RE: A nova definição do ICOM e os “museus-não-museus”, por Luís Raposo.
“Mas só será relevante como museu, se se mantiver museu.”
(Luís Raposo)
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Permitam partilhar, o total acordo com a opinião de Luís Raposo.
De facto, só é importante para a Vida aquilo que lhe dá maior probabilidade de Continuar. E só é a isso que a Sociedade dá recursos e meios para se desenvolver.
Há muitas maneiras de avaliar aquilo que é relevante para a Vida em cada época. Por exemplo, as áreas e os projetos humanos em que o valor dos investimentos é superior. E, a montante, de modo consentâneo com essa “escolha”, por exemplo, no próximo ano lectivo 2022-2023, o valor das notas exigidas aos jovens da nova geração para ingressarem nos três cursos universitários (formação) que dão acesso a essas áreas onde o investimento é maior. A escolha da Relevância, e as atividades que beneficiam de maiores recursos, medem-se através destes indicadores concretos e objetivos.
“Um museu para se manter museu”, como defende Luís Raposo neste artigo, necessita de saber com rigor e precisão aquilo que o define, aquilo foi a causa da sua origem, e a missão que a Sociedade Humana espera deles no presente e futuro.
O “nome” não é a “coisa nomeada” (como afirmou G.Bateson). De facto, a Vida não começou quando xs humanos inventaram a palavra “vida”. O mesmo acontece com o Museu. A “definição de Museu” são palavras recentes, criadas apenas após o aparecimento do dito “ser-humano” (homo sapiens sapiens). Porém, muito antes, no momento em que ocorreu o caminho que conduziu a esse “ser-humano”, há mais de 2 mil milhões de anos, o atual “museu” teve por antecedente a estratégia de Vida eucariote: “Os eucariotes, diferentemente dos procariotes e das eubactérias, guardam as informações vitais no núcleo da célula, protegidas por uma membrana, para as transmitirem as gerações seguintes.” (G. Lecointre; H. Le Guyader, 2001, “Classification phylogénétique du vivant“, Belin, Paris, p.56).
Logo, se quisermos recuperar o prestígio do Museu, e obter mais recursos para o desenvolver, não podemos defini-lo como o ICOM e o ICOFOM fizeram, no séc.XX, após 1945.
O lugar o Património, quer no «modelo de compreensão do comportamento humano», quer nessa estratégia eucariote da Vida, são a condições essenciais para que as palavras de Luís Raposo possam ter um efeito prático.
Concretamente, definir Museu e a sua Missão devem ter em consideração o seu contributo na estratégia da Vida e da Sociedade humana:
Variável 1
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Variável 2
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Variável 3
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Variável 4
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Variável 5
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CORPO
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COGNIÇÃO
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COMPORTAMENTO
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REGULAÇÃO SOCIAL
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RELEVÂNCIA-VALOR
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Suporte e infraestrutura herdada, memória codificada a priori
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Atividade não-visível provocada pela gradual complexidade do cérebro
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Atividades visíveis; formas, acções, técnicas e práticas físicas exteriorizadas
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Institucionalização do efeito coletivo e colaborativo dos comportamentos individuais
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Escolha, hierarquização e classificação de «aquilo que é Relevante» (dito, “património”) e deve permanecer em memória
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[A «escolha da Relevância» (“património”) interfere com a Variável 1, e Re-inicia a condição inicial do processo]
A utilização de «suportes» feitos de partículas sub-atómicas (eletrões e fotões, etc.) para a transmissão de informações foi a condição que permitiu interferir culturalmente na “Variável 1”. Pois o nível Físico está (em termos de escala e energia) a montante do nível Biológico (químico, molecular, proteico) inerente àquilo que se designa por “Vida”.
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“Homo habilis, há 2,4 milhões de anos, cérebro com 600 cm3 ... Cérebro dos atuais humanos (média) 1450 cm3” ... “O que é sentido pelo corpo é transmitido ao cérebro. A resposta é coordenada pelo córtex e executada pelo corpo. Tudo acontece tão rapidamente que parece ser instantâneo” (“Cérebro”, 2019, F.C.Gulbenkian, p.36).
«Ensinar as máquinas a aprenderem a aprender» (2022, IA, machine-learning).
«Robotizar o comportamento humano» (2022, robótica, redes neurais).
«Expandir-se e evoluir fora da Terra».
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“Comportamento (gestus) é um movimento (motus) com uma determinada forma (figuratio) que procura um efeito-resultado (agendi, acção) e um valor (habendi, atitude)”. [Hugues de Saint-Victor (1117-1141) “De institutione novitiorum. De virtute orandi. De laude caritatis. De arrha animae”]
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“Human Evolution: the rise of the innovative mind” … “It’s not how smart you are. It’s how well connected you are" (M.Thomas)… “The ability to pass on knowledge from one individual another” … “Worked collaboratively” (H.Pringle, march2013, Scientific American).
“O individual sob a influência do coletivo“. “As representações públicas colocam as memórias individuais em rede” (D.Sperber, 2006, Les Dossiers de la Recherche n.º22, p.78-79).
“Confiando na escrita (e na linguagem), é o exterior (o social), e não o interior de si mesmos, que servirá para os indivíduos passarem a lembrar-se e a remorarem as coisas” (Platão, Fedro, anos 385-370 a.C., pp.274-275).
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“It was an enhancement of working-memory capacity that powered the final evolution of modern mind.” (Wynn & Coolidge, 2010, “Working Memory: Beyond Language and Symbolism”, Current Anthropology, vol. 51, Sup. 1, June 2010, p.S5).
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Pedro Manuel-Cardoso
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