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Re: [Archport] Sobre o tema do património subaquático...

To :   "'CEMar/UAL_Universidade'" <cemar@universidade-autonoma.pt>, <Archport@lserv.ci.uc.pt>
Subject :   Re: [Archport] Sobre o tema do património subaquático...
From :   "Filipe Castro" <fvcastro@tamu.edu>
Date :   Fri, 25 May 2007 09:52:57 -0500

Gostava de aproveitar e dar mais uma achega a esta discussão do património subaquático português, do modelo de gestão do CNANS e do ambiente de trabalho em Portugal. 

 

O meu intuito não é criticar o CNANS, nem Portugal, mas acho que vale a pena fazer uma reflexão e decidir se este modelo tem sido bom para o país, ou se merece correcções. 

 

O CNANS deve estar a fazer 10 anos e teve indubitavelmente uma actividade extremamente meritória, designadamente na luta contra o lobby da caça aos tesouros, que infelizmente tem ainda muitos e poderosos defensores em Portugal.  Além disso o CNANS funcionou muito bem como organização burocrática.  Quero dizer: o CNANS apoiou o Ministério da Cultura na produção de leis e regulamentos que considero impecáveis, internacionalmente participou activamente na elaboração da Convenção da UNESCO para o património subaquático – que é um documento extraordinariamente importante para o futuro do património náutico da Humanidade, mesmo quando se sabe que a UNESCO é feita de pessoas e portanto não é infalível em questões de implementação do documento.

 

Mas no terreno acho que o trabalho do CNANS ficou muito aquém do que eu acho que o Dr. Carrilho e a Dra. Simonetta tinham sonhado quando convenceram o PM Guterres a dar dinheiro para a criação do CNANS. 

 

Às vezes, vistas de dentro, as coisas parecem diferentes do que são, e eu percebo que a Vanessa não se tenha dado conta das muitas coisas que nós, cá fora, não sabemos. 

 

Tenho medo que o CNANS seja pequeno demais para sozinho e isolado, com este modelo de gestão, conseguir acudir a todas as emergências.  Percebe-se que com cortes orçamentais por todos os lados não se tenha feito muito no terreno.  Já não se percebe porque é que as publicações continuam a não aparecer.  Como dizia o Dr. Adolfo Silveira Martins, continuamos sem trabalhos de síntese sobre as grandes problemáticas da arqueologia do navio, salvo muito raras excepções, mas continuamos também sem artigos de progresso sobre os navios todos que o CNANS escavou nos últimos 10 anos.

 

Como tenho amigos no CNANS acabo por saber sempre o que se passa, mas acho que não é justo que quem não tenha amigos no CNANS não tenha acesso à informação. 

 

Afinal, uma das coisas mais importantes que a Convenção da UNESCO trouxe para a mesa foi a publicação e a partilha do conhecimento.  Não só para os contribuintes – que pagam as escavações – mas também para os políticos. A questão da educação dos políticos (e dos jornalistas) é extremamente importante.  E eu temo bem que o CNANS tenha ficado aquém do que poderia ter sido.

 

Aqui nos EUA nós empenhamos tempo e energia a explicar aos políticos porque é que o património é importante.  E mesmo assim descobrimos há uma semana que o candidato presidencial John Edwards é um entusiasta da caca aos tesouros e um dos maiores investidores da empresa Odyssey!

 

Acho que o CNANS se fechou muito nos últimos anos e não se deu conta do fosso que entretanto se cavou entre o Centro e a sociedade.  Comparados com outros povos, os portugueses parecem ter alguma dificuldade em aceitar críticas ou discutir coisas com a cabeça fria e muitas vezes acabam por não dizer o que pensam senão nas costas uns dos outros. 

 

Quando vou a Portugal e falo com pescadores e mergulhadores, eles referem-se ao CNANS como se fosse uma entidade distante, repressora, complicada, que dá cursos de formação em arqueologia e depois não deixa quase ninguém fazer nada, nem explica os critérios com que autoriza uns e proíbe os outros.

 

Eu sei que as pessoas são sempre injustas a julgarem-se umas às outras, mas temo bem que o CNANS tenha alienado uma parte substancial dos utentes do mar, que deveriam ser os seus parceiros privilegiados.  Fala-se de pilhagens um pouco por todo o lado.

 

Em suma, visto daqui acho que falta ar no meio da arqueologia subaquática portuguesa.  Dá-me ideia que o CNANS se tem empenhado em controlar, mais do que em gerir, e que é impossível controlar e policiar tudo e todos, perseguir os arqueólogos que foram rotulados de “inimigos” e apoiar os “amigos”, educar os políticos e os jornalistas, acompanhar as populações e os autarcas, cooperar em vez de competir e sobretudo perceber que não somos assim tão importantes e que certas violências – insultos e etc. – não fazem sentido num meio tão pequeno, onde não há praticamente dinheiro nem poder, nem espaço para vaidades e rivalidades tribais. 

 

Os países com mais sucesso na área da arqueologia náutica têm arqueólogos que cooperam, que se entre ajudam.  Mas sobretudo que não se levam a sério a si próprios, embora levem o trabalho e os outros muito a sério.  Não vejo razão nenhuma para Portugal, que é um país tão pequenino, ter tantos ódios tribais entre arqueólogos e tantos comportamentos tão disfuncionais, entre os quais o secretismo e o autoritarismo são dos piores.

 

O modelo de gestão que eu acho que devia ser implementado para a próxima década era muito mais aberto, com regras claras, definidas e aplicadas por igual a todos, “amigos” e “inimigos”, a encorajar a transparência e a discussão, definição e gestão de prioridades, e sobretudo a fazer um esforço muito maior na divulgação dos resultados no mundo anglo-saxónico.   

 

É tão frustrante ler todos os dias as coisas que os historiadores ingleses escreveram no século passado sobre os portugueses e os espanhóis e não ter quase nenhuma literatura que contradiga os mitos sobre os navios portugueses propagados pelos historiadores vitorianos e repetidos nos últimos cem anos como verdades insofismáveis!

 

Filipe Castro

Texas, EUA

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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