Gostava de aproveitar e dar
mais uma achega a esta discussão do património subaquático português, do modelo
de gestão do CNANS e do ambiente de trabalho em Portugal. O meu intuito não é
criticar o CNANS, nem Portugal, mas acho que vale a pena fazer uma reflexão e decidir
se este modelo tem sido bom para o país, ou se merece correcções. O CNANS deve estar a
fazer 10 anos e teve indubitavelmente uma actividade extremamente meritória,
designadamente na luta contra o lobby da caça aos tesouros, que infelizmente
tem ainda muitos e poderosos defensores em Portugal. Além disso o CNANS
funcionou muito bem como organização burocrática. Quero dizer: o CNANS apoiou
o Ministério da Cultura na produção de leis e regulamentos que considero impecáveis,
internacionalmente participou activamente na elaboração da Convenção da UNESCO
para o património subaquático – que é um documento extraordinariamente
importante para o futuro do património náutico da Humanidade, mesmo quando se
sabe que a UNESCO é feita de pessoas e portanto não é infalível em questões de implementação
do documento. Mas no terreno acho que o
trabalho do CNANS ficou muito aquém do que eu acho que o Dr. Carrilho e a Dra.
Simonetta tinham sonhado quando convenceram o PM Guterres a dar dinheiro para a
criação do CNANS. Às vezes, vistas de
dentro, as coisas parecem diferentes do que são, e eu percebo que a Vanessa não
se tenha dado conta das muitas coisas que nós, cá fora, não sabemos. Tenho medo que o CNANS seja
pequeno demais para sozinho e isolado, com este modelo de gestão, conseguir
acudir a todas as emergências. Percebe-se que com cortes orçamentais por todos
os lados não se tenha feito muito no terreno. Já não se percebe porque é que
as publicações continuam a não aparecer. Como dizia o Dr. Como tenho amigos no
CNANS acabo por saber sempre o que se passa, mas acho que não é justo que quem não
tenha amigos no CNANS não tenha acesso à informação. Afinal, uma das coisas
mais importantes que a Convenção da UNESCO trouxe para a mesa foi a publicação
e a partilha do conhecimento. Não só para os contribuintes – que pagam
as escavações – mas também para os políticos. A questão da educação dos políticos
(e dos jornalistas) é extremamente importante. E eu temo bem que o CNANS tenha
ficado aquém do que poderia ter sido. Aqui nos EUA nós empenhamos
tempo e energia a explicar aos políticos porque é que o património é
importante. E mesmo assim descobrimos há uma semana que o candidato
presidencial John Edwards é um entusiasta da caca aos tesouros e um dos maiores
investidores da empresa Odyssey! Acho que o CNANS se
fechou muito nos últimos anos e não se deu conta do fosso que entretanto se
cavou entre o Centro e a sociedade. Comparados com outros povos, os
portugueses parecem ter alguma dificuldade em aceitar críticas ou discutir
coisas com a cabeça fria e muitas vezes acabam por não dizer o que pensam senão
nas costas uns dos outros. Quando vou a Portugal e
falo com pescadores e mergulhadores, eles referem-se ao CNANS como se fosse uma
entidade distante, repressora, complicada, que dá cursos de formação em
arqueologia e depois não deixa quase ninguém fazer nada, nem explica os critérios
com que autoriza uns e proíbe os outros. Eu sei que as pessoas são
sempre injustas a julgarem-se umas às outras, mas temo bem que o CNANS tenha alienado
uma parte substancial dos utentes do mar, que deveriam ser os seus parceiros privilegiados.
Fala-se de pilhagens um pouco por todo o lado. Em suma, visto daqui acho
que falta ar no meio da arqueologia subaquática portuguesa. Dá-me ideia que o
CNANS se tem empenhado em controlar, mais do que em gerir, e que é impossível controlar
e policiar tudo e todos, perseguir os arqueólogos que foram rotulados de “inimigos”
e apoiar os “amigos”, educar os políticos e os jornalistas, acompanhar
as populações e os autarcas, cooperar em vez de competir e sobretudo perceber
que não somos assim tão importantes e que certas violências – insultos e
etc. – não fazem sentido num meio tão pequeno, onde não há praticamente
dinheiro nem poder, nem espaço para vaidades e rivalidades tribais. Os países com mais
sucesso na área da arqueologia náutica têm arqueólogos que cooperam, que se entre
ajudam. Mas sobretudo que não se levam a sério a si próprios, embora levem o
trabalho e os outros muito a sério. Não vejo razão nenhuma para Portugal, que é
um país tão pequenino, ter tantos ódios tribais entre arqueólogos e tantos
comportamentos tão disfuncionais, entre os quais o secretismo e o autoritarismo
são dos piores. O modelo de gestão que eu
acho que devia ser implementado para a próxima década era muito mais aberto,
com regras claras, definidas e aplicadas por igual a todos, “amigos”
e “inimigos”, a encorajar a transparência e a discussão, definição
e gestão de prioridades, e sobretudo a fazer um esforço muito maior na divulgação
dos resultados no mundo anglo-saxónico. É tão frustrante ler
todos os dias as coisas que os historiadores ingleses escreveram no século passado
sobre os portugueses e os espanhóis e não ter quase nenhuma literatura que contradiga
os mitos sobre os navios portugueses propagados pelos historiadores vitorianos
e repetidos nos últimos cem anos como verdades insofismáveis! Texas, EUA |
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