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[Archport] Ministro da Cultura: habituado a ganhar

Subject :   [Archport] Ministro da Cultura: habituado a ganhar
From :   Alexandre <no.arame@gmail.com>
Date :   Sun, 2 Mar 2008 10:14:47 +0000

Enquanto não chegam as políticas ou os resultados, aqui fica o panegírico...


"José António Pinto Ribeiro
Habituado a ganhar

Diz que sente sempre culpa. Talvez por isso tenha "uma esquizofrenia
benigna". Ganhou a vida a defender a banca mas deu o resto do tempo às
lutas cívicas. Vem da extrema-esquerda, mas de gravata de seda. Os
próximos dizem que é inteligente, rápido, eficaz, solidário e culto.
Há quem diga que é vaidoso, mas de resto não se ouvem críticas.
Espantou a nomeação para ministro da Cultura. Esperava-se antes na
Justiça. Talvez depois. Entretanto, não tem tempo nem dinheiro

Por Alexandre Lucas Coelho, Público de 02 de Março de 2008

A 9 de Setembro de 2006, acompanhado por músicos, Camané foi
prenda-surpresa de "um grande amigo" que fazia 60 anos. "Fomos ao
Alentejo, a uma casa dele, cantar fados", conta ao P2. Ideia de outros
grandes amigos, como Nuno Artur Silva, que sabem como o aniversariante
"adora o Camané e Camané o adora".

"Conhecemo-nos há muitos anos, nas noites de fado que havia na
Comuna", recorda o fadista. "Eu ia lá cantar, o Zé Mário [Branco] e a
Manuela [de Freitas] foram com ele ouvir-me e nessa noite ficámos
amigos."

Não devem encontrar-se no Teatro A Comuna muitos homens como esse. Não
tanto pela aparência — o fato, certamente de excelente corte e tecido,
a gravata, certamente de seda, os sapatos, certamente luzentes.
Sobretudo pela agenda. Porque esse homem, que está entre amigos na
Comuna, é um "habilíssimo" advogado que tem defendido e assessorado
bancos (Português do Atlântico, Comercial de Macau, Comercial
Português, Totta & Açores, Kleinworth Benson, Privat Banken, Chemical
Finance) e empresas (TAP, Brisa, Soponata, o grupo Carlo Benedetti);
esteve na origem da SIBS (empresa do Multibanco) e elaborou os
estatutos da Associação Portuguesa de Bancos; fez projectos para o
governo sobre empresas públicas bancárias, off -shore e lei das
sociedades comerciais; negociou em nome do Estado financiamentos,
dívidas, aquisições e alienações; liderou análises de take overs para
bancos, seguradoras e empresas; foi administrador não-executivo de
várias sociedades, incluindo a Portucel; e até Fevereiro de 2008
estava em várias sociedades (Banco de Investimento Global, Victoria
Seguros, Sofinloc, Carris, Vicra Desportiva, Produções Fictícias) e
era administrador da PT Multimédia e da Fundação Berardo.

Estas actividades são referidas no curriculum disponível em
www.portugal.gov.pt de José António Pinto Ribeiro ( JAPR), desde há um
mês ministro da Cultura. Quem o descreve ao P2 como "negociador
habilíssimo" é o advogado e antigo ministro da Defesa António
Vitorino, também advogado, resumindo o que parece ser uma reputação
consensual na banca e nas empresas. É nestes meios que JAPR tem
passado grande parte da vida. Paralelamente deu aulas de Direito
Comercial em diversas faculdades. Mas é por uma actividade
não-remunerada que se tornou figura pública: uma intervenção no
domínio dos direitos cívicos, fundador do Fórum Justiça e Liberdades,
disponível para debates e para um escrutínio crítico do Estado, em
particular do sistema judicial, com críticas regulares ao poder da
acusação — ou seja, Ministério Público — em relação aos acusados.
Depois, numa esfera mais privada, os seus interesses focam-se na
cultura e no entretenimento, onde sempre teve amigos — de Eduardo
Prado Coelho e Jorge Silva Melo a Ricardo Araújo Pereira ou José Luís
Peixoto —, vários dos quais representou ou representa como
advogado.

Deixou cargos e um escritório muito lucrativo porque, de um dia para o
outro, a meio da legislatura, aceitou ser ministro. Não da Justiça,
como se poderia esperar — e eventualmente se continuará a esperar (há
quem creia que é essa a meta de JAPR) —, mas da Cultura, em
substituição de Isabel Pires de Lima, ministra quase unanimente
contestada, desde a nomeação até ao recente abaixo-assinado com muitos
criadores de impacto.

Em geral, a nomeação de JAPR espantou — quem não o conhecia, mas
também quem o conhece muito bem. O enteado Ivan Nunes, 34 anos, que
com ele viveu até aos 20, ficou
"completamente surpreendido". "Liguei o telemóvel às cinco da tarde e
tinha umas 20 chamadas e várias mensagens a falar do ministro da
Cultura. Liguei a um amigo e perguntei, 'Ouve lá, quem é o ministro da
Cultura?' Ele disse: 'É o teu padrasto.' E nisto ele aparece a ligar.
Atendo, dizendo-lhe que acabava de saber. Concluímos que estávamos a
dois minutos a pé um do outro, encontrámo-nos e a primeira reacção foi
expor a minha completa perplexidade."

Porquê? "Porque acho que é um cargo horrível. Porque não há dinheiro
nenhum, porque há muita gente dependente, ele entra na altura em que o
Governo já está desgastado, e tinha uma vida extremamente activa." O
que o terá levado a aceitar? "Acho que para ele é uma oportunidade. É
uma coisa que não fez e que quer tentar fazer. É tentar meter as mãos
na massa."

Ao ser nomeado, JAPR declarou que queria "fazer mais e melhor com
menos meios". Num Fórum TSF sobre património disse que as suas
prioridades seriam património, língua e indústrias criativas. Dentro
do ministério tem estado a estudar pastas e a ouvir criadores.
Declinou o pedido do P2 para uma conversa e, segundo o assessor, não
tenciona falar aos media até meados de Março, altura em que deverá ir
à Assembleia
da República.

Formado para fazer

Pinto Ribeiro nasceu em Moçambique em 1946, veio para Portugal em 1949
e só voltou à terra natal quase 50 anos depois. A família instalou-se
no Porto, numa grande moradia na Foz. O pai era dentista e os dois
irmãos mais velhos vieram a ser médicos. Numa entrevista à Grande
Reportagem, JAPR definiu o pai como um "homem republicano, democrata,
liberal, muito preocupado com a igualdade de oportunidades para as
pessoas".
Amigos como Nuno Artur Silva ficaram com a imagem de um pai "grande
figura, com histórias épicas em África, destemido, corajoso".

Quando JAPR tinha seis anos, a mãe ficou com esclerose múltipla e o
pai tomou em braços a educação. JAPR teve uma "fraulein", uma "miss",
uma "madame" e fez a Escola
Alemã. Foi preparado para ser autónomo e ser autónomo implicava ser
muito bom. Um dos resultados é falar alemão, inglês, francês, espanhol
e italiano.

"Carrego comigo um grande sentimento de culpa", contou numa entrevista
a Anabela Mota Ribeiro para o DNa. "Senti uma hiperresponsabilização
da parte do meu pai sobre o meu futuro, sobre o de cada um de nós.
Vivi esse tempo com o peso de não poder perder tempo. Não poder fazer
mal as coisas para não ter de as fazer segunda vez."

E volta a referir-se à culpa: "Gostava de ser irresponsável, mas tenho
a noção de que socialmente não é possível. E em boa verdade não é a
responsabilidade que me pesa. O que não suporto é a culpa. Mesmo que
fosse possível viver numa situação em que nada justificasse sentir
culpa, eu sentiria culpa à mesma."

O que talvez ajude a compreender a relação entre as suas várias
actividades —da Banca à Comuna, passando pela Academia —, em que umas
compensam as outras, e nenhuma  basta para cumprir as exigências
profissionais, cívicas e estéticas em que JAPR foi educado e que
desenvolveu.

Ganhar dinheiro na advocacia comercial, para além do prazer do duelo e
da vitória, permite dar tempo e perder dinheiro no empenhamento cívico
e cultural — que por sua vez pode atenuar a culpa do conforto
económico. Nesta entrevista JAPR fala mesmo
numa "esquizofrenia": "Faço Direito Comercial — contratos, sociedades,
banca, sobretudo a parte financeira. É muito criativo, mas muito
abstracto. Depois tenho uma esquizofrenia benigna e à noite, às vezes,
faço Direitos Humanos. Mas não é a minha actividade profissional."

E na sua actividade profissional estabelece limites: "Não faço Penal,
recuso-me, dado o sistema processual penal que temos, que não é
adversarial, que não é um processo de partes e limita
extraordinariamente as garantias da defesa. É injusto."

Pensou ser arquitecto. "Gosto de não depender senão de mim. Daí a
preferência por uma profissão liberal." Mas o pai achava que ele daria
um bom advogado. "Convenceu-me da grandeza que era merecer a confiança
que os outros em nós depositam para os representar e defender." Assim
veio JAPR para Lisboa, estudar, em 1964.

Caloiro interferente

Apenas dois anos mais velho, o escritor Mário de Carvalho, também
advogado, coincidiu algum tempo com JAPR na Faculdade de Direito:
"Vi-o intervir muitas vezes em reuniões associativas. Tinha excelente
capacidade de argumentação, boa presença e criava simpatias."

Sendo o que os comunistas de então, como Mário de Carvalho, chamavam
"um esquerdista" — "à esquerda do PCP" —, nem por isso vestia a farda:
"Nos tempos da bombazine e do cabedal, andava sempre de gravata."
Diferente na aparência, "mas não nos modos nem no comportamento".

Vinte anos mais tarde, entre alunos da Faculdade de Direito, o
assistente JAPR continuava a ser visto como "o UDP das gravatas de
seda". Da turma de Mário de Carvalho era o advogado Nuno Brederode
Santos, que define JAPR como "um
extrovertido". Há dias, encontrou um antigo colega que lembrou como
lhe chamavam. "Era o caloiro interferente, porque desde caloiro que
não tinha cá timidezes, e nos primeiros anos não era comum os caloiros
interferirem." De resto, sabe por experiência própria que "ele era um
campeão dos matraquilhos".

O que não impediu JAPR de também ser prémio Gulbenkian para melhor
aluno de jurídico-económicas. Depois, fez o estágio de advocacia com
José Dias Marques e começou a exercer em 1971. Sendo de Direito,
"dava-semuito com pessoas da Faculdade
de Letras", lembra o escritor Nuno Júdice, amigo de então. Além da
faculdade, encontravam-se na pastelaria Granfina, em Entrecampos, e
depois em O Tempoe o Modo, onde JAPR "não escreveu muito, mas
aparecia". E discutia. Na faculdade, "distinguia-se por se vestir
sempre impecável, mas ao mesmo tempo com uma visão crítica, à esquerda
do PC, que escapava à linha ortodoxa", sem pertencer a nenhum grupo.
"Gostava muito de ouvir. E era fascinante pelo raciocínio, de uma
enorme inteligência a avaliar as situações."

O marxismo de JAPR seria "mais um instrumento de análise do que um
compromisso". Num tempo em que só ser aluno da Faculdade era um
privilégio, "a oposição era uma forma de contrariar essa condenação ao
privilégio". Em 1974, JAPR já estava casado, tinha um filho — o seu
único filho, além do qual tem dois enteados —, e vivia no Lumiar, em
Lisboa, vizinho por exemplo do amigo Eduardo Prado Coelho.

"Na véspera do 25 de Abril, estávamos em casa dele, a falar da
decomposição do regime, e o Alexandre Pomar deu a entender o que se ia
passar, mas nós não acreditámos", conta Nuno Júdice. Pouco depois da
nomeação de JAPR, um anónimo deixou no blogue Cinco Dias um comentário
que gente próximo do ministro reconhece como um retrato pertinente.
"Conheço o senhor desde os idos de 1975 e tenho sobre ele a seguinte
opinião: a) qualidades — competente tecnicamente na sua área (direito
comercial), decidido,
esclarecido e empenhado; b) defeitos— convencido, egocêntrico, vedeta,
toleirão e galã de telenovela. De tudo isto somado resulta um gajo
porreiro, mas que não consegue
resistir a um microfone. Oriundo da esquerda trauliteira (foi ele quem
rasgou os contratos dos professores da FDL em 1974, nos tempos do
MRPP), logo transitou para a esquerda caviar quando começou a facturar
bem — ainda todos andávamos de Fiat 600 e de 4 L, já ele andava de
Renault 16 (como Mário Soares). No entanto, dava aulas animadas e
interessantes e, apesar de esquerdista, não se cansava de se referir a
Harvard. Todos os alunos gostavam dele, e as alunas mais… Era rigoroso
mas de forma urbana e até simpático com os alunos da noite (os
trabalhadores estudantes). Dava a cara nas RGA,
sentando-se no anfiteatro no meio da malta, e discutia as suas
propostas com os simples alunos. Convencido como era, propunha sempre
coisas pessoalmente, sem apoios de outros subscritores. Muitas vezes o
vi perder votações e aguentar-se democraticamente, aceitando a decisão
da maioria."

Amigo de JAPR desde os anos 60, Jorge Silva Melo contesta a ideia de o
actual ministro da Cultura ser visto como alguém com poucas ligações à
cultura. Essa ligação sempre esteve lá, descreve, por mail: "Além de,
profi ssionalmente, ter advogado vários casos relacionados com
actividades culturais e até ter defendido em tribunal assuntos bem
bicudos, sempre o conheci como um activo parceiro, que, desde muito
novo, conviveu e trabalhou com artistas e jornalistas (a mim foi-me
apresentado pelo Eduardo Prado Coelho no café Granfina — em 1966? em
1967? — como 'o homem mais inteligente de Lisboa' — pois lia alemão(!)
e, assim, sabia que o Dasein de Heidegger dificilmente seria o Être-là
dos franceses que nos chegavam...), diplomatas e activistas políticos.
Estive muitas vezes em casa dele com artistas ou políticos, passei
divertidos dias no Café Gijon de Madrid (cidade onde me recomendou
maravilhosas livrarias como a AntonioMachado), encontrei-o vezes sem
conta em locais de reduzido público (e noutros
de muito grande), cruzei-me em manifestações políticas (contra Bush!),
sempre falei com ele de literatura (partilha comigo uma ingénua
admiração por Françoise Sagan), até foi actor em peça de Tennessee
Williams (é ver o CETBASE)... A cultura não é só a do
'poder' e do Ministério — e eu sempre vi o José António nas margens
onde vivo, onde a vida se faz, na Livrelco, antigamente, na
Cornucópia, na Comuna, na Cinemateca, nas Quinzenas do Bom Cinema do
Artur Ramos no Monumental, no Coliseu dos Festivais Gulbenkian, na
Abril em Maio..."

O miúdo a marcar golos

Na Cinemateca Portuguesa, JAPR foi assessor jurídico a partir de 1996
— com as Produções Fictícias e a Fundação Berardo, são as suas três
ligações mais públicas à cultura.

Nuno Artur Silva, o director das Produções Fictícias, conheceu-o em
2001. "Foi-me recomendado como advogado. Gerou-se uma empatia imediata
que me levou a convidá-lo para advogado das Produções." Reconheceu-lhe
logo "rapidez, eficácia, capacidade de detectar problemas e propor
soluções, mobilização, energia e confiança".

Assim passou a sócio e a amigo próximo. Porque aceitou ser ministro?
"A possibilidade de fazer. É isso que o faz mover. Oiço-o muitas vezes
dizer: 'Ó Nuno, faça, por que não?' Nesse sentido é muito pouco
português." A isto junta-se "uma enorme solidariedade". "Recebe um
telefonema às dez da noite a meio de um jantar e lá vai para o outro
lado
da cidade ajudar alguém. Já o vi fazer isso tantas vezes por tanta gente."

Não corre o risco do excesso de voluntarismo? "Não me parece que tenha
tido maus resultados. Não é alguém que tenha perdido batalhas. Em tudo
o que se meteu, ganhou." A "inteligência superior e a experiência não
permitem que seja ingénuo", e a isso soma-se uma "capacidade de
trabalho impressionante" de "fazer tudo e tudo bater certo".

No consenso de elogios que JAPR parece reunir, a vaidade é o defeito
geralmente apontado. E ainda assim ressalva Nuno Artur: "Eu
substituiria vaidade por um entusiasmo juvenil. De repente vejo um
menino a marcar golo. É: 'Nuno, conseguimos!'
Não é: 'Eu fiz, eu posso.' É um contentamento generoso. Ele é muito
mais novo do que eu em termos de cabeça. Entra aqui e diz: 'Então o
que há aí de humor internacional?' É de uma curiosidade incrível. Está
sempre a querer saber tudo, música pop, humor: 'Então mostre-me lá…
Há-de me gravar isso…' E "quando não domina, enquanto não domina é
incansável."

Nuno Artur não se espanta que JAPR seja ministro. "A surpresa é que
não tenha sido há 20 anos. E que não tenha sido convidado para a
primeira área em que se pensa." A ustiça.
"Não sendo a Justiça, faria bem mais duas ou três pastas, como a
Cultura ou as Finanças."

Na Cultura, Nuno Artur Silva vê-lhe três vantagens: Primeira: "Tem
capacidade para avaliar as leis, um dos problemas da área." Segunda:
"Está bem posicionado para a
ponte com a Economia, a ligação ao mecenato. Tem a leitura do
negócio." Terceira: "Sendo alguém com certo peso político, pode fazer
outras pontes, com os Negócios
Estrangeiros, com a Educação e ter ligação directa ao primeiro-ministro."

Obstáculos? "Falta de tempo. Entra num comboio com a legislatura a um
ano e meio de
acabar e com falta de dinheiro." As poucas ligações públicas à Cultura
são vantagem, desvantagem ou isso é irrelevante? "Há uma vantagem, não
poder pô-lo em qualquer lobby. Desvantagem é não conhecer os
dossiers." O que será compensado pelo facto de JAPR "ser advogado de
muitos artistas e um homem culto".

Para o resto do retrato, Nuno Artur adianta que JAPR fuma "um charuto
de vez em quando e gosta de bons prazeres". Livros? "Quer conhecer
tudo, mas sobretudo lê romances e ensaio. Por exemplo, de Coetzee e
Roth tudo o que sai já leu. Lembro-me
de falarmos do Disgrace." Como do Saraband de Bergman. Música? "Chico
Buarque, Jobim…" E se Joe Berardo contou que o ministro lhe ligara a
anunciar que era ministro, Nuno Artur diz: "Telefonou às pessoas a
quem estava profissionalmente ligado. Também
me ligou a mim."

O elo Berardo-Estado

De onde se conhecem JAPR e Berardo? "Desde a África do Sul", conta Joe
Berardo. "Conhecemo-nos há 20 anos pelo menos, quando eu era
presidente do Bank of Lisbon and South Africa e ele ia lá
frequentemente com o BNU [Banco Nacional Ultramarino, um dos
accionistas], como advogado que acompanhava o conselho
deadministração."
Berardo garante: "Nunca foi meu advogado, mas tinha e tenho relações
de amizade com ele."

Assim, quando a Fundação Berardo foi constituída, em meados de 2006,
o nome de JAPR surgiu como o indicado pelas duas partes, Berardo e
Estado. "Antes ele não teve papel negocial, de interferência." De quem
partiu a iniciativa de o indicar? "Eu é que me lembrei e propus", diz
Berardo. "E o Governo aceitou logo. Acho que ele vai ser bom ministro,
embora não acredite que faça mais omeletes com menos ovos, não
acredito nisso."

O milionário acha que o sim de JAPR tem a ver com o seu "american
style, de fazer pelo país e não o país por nós". "Eu gostei. Como
advogado facturava muito, agora vai ficar a trabalhar para o governo.
Mas também é só um ano e meio." Os mais cépticos acham que, além da
falta de tempo, o ministro vai ter problemas por ter aceite sem exigir
mais dinheiro, quando toda a gente está com expectativas.

No Norte, onde JAPR não é facilmente identificado como alguém da
cultura, responsáveis ou criadores contactados pelo P2 como José Luís
Ferreira (Teatro São João)
e Catarina Martins (Visões Úteis) têm "expectativas muito positivas" e
nada mais, porque o desconhecem.

João Fernandes (Museu de Serralves), que o conhece "na qualidade de
excelente tribuno"
espera que "possa haver uma visão que leve o contexto cultural a ter
condições". Pedro Burmester (Casa da Música) apenas diz "esperar que
seja desta que o orçamento chega
a um por cento". Paulo Brandão (Teatro Circo de Braga) nem sequer
espera e acha que o ministro entrou mal: "Assusta-me que tenha dito
que vai fazer mais com menos dinheiro.
É a bitola que gere o país." E lembrando que em sete anos houve sete
ministros crê que "este pouca diferença fará", visto que "o papel do
ministério é insignificante".

Dimensão política

António Pinto Ribeiro, actualmente programador na Gulbenkian —
inicialmente correu que o ministro era ele e ele próprio "soube da
notícia porque uma jornalista [lhe] telefonou a perguntar se era ele"
— crê que o seu homónimo tem "qualidades, carácter e um empenho de
cidadania que certamente farão dele um bom ministro".

Mas uma das dificuldades será a gestão dos dossiers a que não está
habituado e dos mecanismos de governança da cultura, hoje muito mais
complexos do que há dez ou 20 anos". Como? "A cultura tem uma escala
como nunca teve, pessoas, organismos, cooperação internacional,
disputa de territórios, transversalidade, tudo a mudar a uma
velocidade permanente".

Problema de fundo, é que JAPR "precisa urgentemente de quadros muito
bem formados" e de "uma arquitectura legislativa, porque há uma
confusão indescritível de dispositivos legais". Aplaude a escolha da
secretária de Estado. "É uma excelente gestora. Vai ser
fundamental na profissionalização do ministério, que está numa
situação de enorme amadorismo."

E JAPR? "Vai ser um político. Espero que dê a dimensão política que a
Cultura precisa para se impor." Então presidente do Instituto de
Estudos Estratégicos Internacionais,
Álvaro Vasconcelos foi anfitrião de JAPR em debates sobre a Europa e
acha que ele, europeísta crítico, se inscreve "numa coisa que existe
pouco em Portugal, os activistas
da sociedade civil". Não ficou surpreendido por ele aceitar: "Estas
pessoas querem que o Estado corresponda aos valores, então é difícil
dizerem que não. Depois têm um desafio enorme. Quem admira a sua
militância da sociedade civil só espera que como governante seja capaz
de pôr em prática aquilo que defendia."

O parceiro desses debates, sempre vivos, era António Vitorino: "Tem
qualidades que lhe permitiriam exercer funções não apenas nesta
pasta, mas também nesta. É um habilíssimo negociador enquanto advogado
e essa longa prática vai ser necessária para gerir a pasta da cultura,
onde existe um sistema feudal em alguns sectores."

Jorge Silva Melo vê "um defeito (e grande)": "o resto do Governo." Só
espera que José António Pinto Ribeiro "não esmoreça e que a sua sã
alegria não se transforme em melancolia". Tal como a amiga Maria João
Seixas, que conta vê-lo ser ministro "com a mesma tonificante  energia
a que nos habituou nos outros passos da vida".


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