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[Archport] Incertezas

To :   archport <Archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] Incertezas
From :   "Rui Boaventura" <boaventura.rui@gmail.com>
Date :   Tue, 24 Jun 2008 08:53:53 +0100

Mais uma opinião acerca do Arquivo do ex-IPA no blogue  Destino Incerto http://bibliotecaipa.blogspot.com/ da autoria de Susana Correia
 
 
 Quem tramou o Arquivo da Arqueologia Portuguesa?

 

Tenho frequentemente reparado, no meu contacto com diversas instituições, que a questão dos seus arquivos é considerada uma questão menor ou, na melhor das hipóteses, subsidiária dos temas importantes que ali se tratam, discutem, decidem.

Não sei se isto acontece em outros países, e espero, sinceramente, que, mesmo em Portugal, existam instituições e entidades que dêem a este assunto a atenção que merece.

Não estou, aqui, a falar dos chamados Arquivos Históricos – estes já vão sendo objecto de uma outra atenção, quiçá devido ao ápodo "Histórico", que lhes confere, logo, um outro valor… A minha maior preocupação prende-se, de facto, com os arquivos que ainda estão em uso, e que são a pedra basilar do correcto funcionamento de qualquer instituição. Como não sou arquivista não lhes vou dar nenhum tipo de designação específica, mas creio que todos terão entendido o que quero dizer.

Devido ao acima exposto, não me agrada muito, logo à partida, que o Arquivo da Arqueologia Portuguesa apareça designado por Arquivo Histórico da Arqueologia Portuguesa – embora compreenda a intenção, já que os processos que o compõem representam documentos insubstituíveis, em muitos casos (dada a ausência de publicação de resultados de muitas intervenções arqueológicas) para a história da Arqueologia nacional. Centenas de relatórios de escavação, por exemplo, contidos nos processos do Arquivo, são o único testemunho da actividade arqueológica desenvolvida em sítios sobre os quais não foi, como disse, até ao presente, feita qualquer publicação.

O Arquivo da Arqueologia Portuguesa, porém, é Histórico mas não só, o que lhe confere características particulares: ele é, simultaneamente, um Arquivo vivo, já que a maioria dos processos corresponde, por exemplo, a um sítio arqueológico específico, nada impedindo que um sítio intervencionado em 1949, por exemplo, o venha a ser, de novo, em 2008.

O meu maior receio, ao ler a tal designação "Histórico" é, assim, que, para os "não-iniciados", o Arquivo possa ser encarado como algo para o qual é necessário encontrar um destino (espero que, no caso dos responsáveis do Ministério da Cultura, haja já, neste momento, a consciência dessa necessidade…), mas que poderá ser muito bem acondicionado e "arrumadinho" em qualquer parte, sem se garantirem as condições de acesso e consulta permanente que um arquivo com esta natureza terá, imperativamente, que ter.

Quando comecei a prestar funções no então Departamento de Arqueologia do IPPC, em data já longínqua, se calhar, para a maioria dos que me estão a ler, o Arquivo da Arqueologia Portuguesa encontrava-se, inclusivamente, disperso por diversos ministérios. Lembro-me, por exemplo, de ter ido ao Ministério da Educação localizar processos que aí estavam arquivados, trazendo-os para as nossas instalações, pois, dadas as vicissitudes por que passaram as questões da arqueologia a nível da administração central até à criação do IPPC, não existia um lugar único onde estes processos se concentrassem. Depois deste trabalho de pesquisa quase detectivesca, houve, seguidamente, que proceder à sua reorganização, já que, por vezes, existiam 2, 3 e 4 processos sobre o mesmo sítio arqueológico. Nesse trabalho ocupei longos dias de trabalho, dos quais nunca me arrependi, procurando contribuir para um arquivo que possuísse uma lógica interna, que fosse, numa palavra, eficaz. Estamos a falar dos anos oitenta do século XX, quando o António Carlos Silva era director do Departamento de Arqueologia do IPPC e todos acreditávamos que o futuro da Arqueologia portuguesa só poderia vir a ser cada vez melhor.

Até certo ponto, não nos enganámos e, com a criação do IPA e a realização de um conjunto de obras públicas de dimensão considerável à escala do nosso país, a Arqueologia conheceu um "boom" que, em certos aspectos, até hoje se manteve.

Esse aumento exponencial da actividade arqueológica ter-se-á traduzido, imagino, num aumento correspondente dos processos que integram o Arquivo da Arqueologia Portuguesa.

Hoje, com uma reestruturação da Administração Pública que todos desejávamos em abstracto mas que, infelizmente, no concreto, se tem vindo a traduzir, para a área que nos interessa, numa recomposição de serviços feita sem o necessário cuidado, com base em legislação contraditória e sem atender a aspectos essenciais que garantissem a operacionalidade dos serviços públicos na área do Património em geral e da Arqueologia em particular, todas as inquietações são lícitas, todos os cenários são possíveis.

Por isso considero necessário alertar, por todos os meios ao nosso alcance, as entidades com voto nesta matéria para que não tomem decisões precipitadas e encontrem, para o Arquivo da Arqueologia Portuguesa, a solução que lhe permita continuar a desempenhar o seu triplo papel: de repositório da actividade arqueológica, de elemento de consulta fundamental para investigadores e arqueólogos e de peça de uso quotidiano na gestão da arqueologia portuguesa.

Isso passará, em primeiro lugar, por encontrar uma localização para o Arquivo que lhe garanta condições ambientais adequadas, bem como acesso e consulta fáceis. O mesmo é dizer que essa localização terá que ser, necessariamente, próxima dos técnicos que com ele tenham que lidar quotidianamente. Seguidamente, e não menos importante, passa pela manutenção da unidade do Arquivo – considerar alguns processos "mortos", arrumando-os em algum local mais ou menos inacessível, será, na minha opinião, um erro, já que nada nos garante que, no dia a seguir ao da sua arrumação, não venham a ser, por algum motivo, necessários. Finalmente, passará pela consciência de que uma qualquer reestruturação dos serviços da Administração Pública não pode ser regida por critérios economicistas de curto prazo, ou seja, que, por vezes, há que gastar primeiro para se poder poupar depois (é pena que a visão de um Duarte Pacheco não seja extensível a muitos daqueles que, depois, foram (des)governando este país). Neste contexto surge, para mim, como imperativa a necessidade de digitalização do Arquivo da Arqueologia Portuguesa. Isso permitiria o seu acesso e consulta, quer pelos órgãos da tutela com responsabilidades na Arqueologia, quer pelos investigadores, sem danificar o fundo original. Aqui, o "choque tecnológico" seria bem aplicado, contrariamente ao estado de choque em que todos vivemos, ao irmos tomando conhecimento do avanço inexorável do projecto a implementar nas instalações do antigo IPA, sem a correspondente informação quanto à nova localização e condições de funcionamento desse serviço. Num momento em que, nos diversos organismos do Estado, se fala tanto em Missão, talvez seja chegado o momento de se começar a falar, igualmente, em Visão…

 

21 de Junho de 2008

 

Susana Correia



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Rui Boaventura
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