Porque esta não é (mais) uma questão de arqueólogos. É uma questão de salvaguarda de informação.
Como arqueólogos, sabemos bem que muitas vezes a informação por nós produzida é tudo quanto sobra de um sítio com ocupação humana antiga quando uma auto-estrada lhe passou por cima, a albufeira de uma barragem o submergiu. Mas talvez essa dimensão passe despercebida a outros que não sejam oficiais do ofício e é importante fazer passar essa mensagem.
Infelizmente não temos dados concretos, mas temos ideia que em Portugal neste momento se gasta muito mais dinheiro com trabalhos arqueológicos do que alguma vez aconteceu. E sobretudo dinheiro público, já que a grande maioria dos trabalhos arqueológicos, directa ou indirectamente, se faz no âmbito de obras públicas e estudos de impacte de grandes empreendimentos promovidos pela administração pública ou por empresas em que o Estado é o principal accionista. Ou, quando o financiamento é privado, também maioritariamente isso é consequência de condicionantes impostas pela administração central, regional ou local ao licenciamento de obras particulares.
Os mesmos poderes públicos que, por imposição das leis nacionais e convenções internacionais, determinam que se invista em trabalhos arqueológicos, preparam-se para deixar desmantelar o arquivo histórico da arqueologia portuguesa, a maior biblioteca especializada em arqueologia e para descontinuar a linha editorial que o Ministério da Cultura tinha dedicado ao património arqueológico. Preparam-se para afogar a informação produzida por décadas de trabalhos arqueológicos e para submergir dois importantes mecanismos de estímulo à investigação e à produção de novos conhecimentos e reflexões sobre informação arqueológica.
Como quero acreditar que o Estado continua a ser uma pessoa de bem, só posso achar que isto é resultado de alguma desatenção circunstancial. Alguém, sem dar conta, fez uma grande asneira que ainda pode ser corrigida. Tem que ser corrigida, sob pena de termos de considerar que o Estado assumiu a condição esquizofrénica de impor o investimento numa actividade destruindo simultaneamente o seu produto.
Enquanto cidadãos e não (só) enquanto arqueólogos, temos a obrigação de chamar a atenção do Estado de que não vale a pena investir em trabalhos arqueológicos sem salvaguardar a informação que a partir deles é produzida.
Maria José de Almeida
Presidente da Direcção da Associação Profissional de Arqueólogos»
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