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Re: [Archport] Resposta ao colega Paulo Félix

To :   Archport <archport@ci.uc.pt>
Subject :   Re: [Archport] Resposta ao colega Paulo Félix
From :   Paulo Felix <pfelix_pt@yahoo.com.br>
Date :   Wed, 30 Jul 2008 19:57:20 +0100

O meu comentário foi feito mais em jeito de desabafo do que de verdadeiro comentário. No entanto, o que está na base do mesmo representa o que eu penso sobre o retomar de uma discussão que estará, uma vez mais, destinada a não conduzir a lado nenhum. Não porque a mesma não fosse pertinente, sobretudo no plano dos princípios filosóficos, jurídicos e morais, mas porque, uma vez mais, iremos descambar na discussão dos assuntos que menos interessam (porque não têm cabimento na conjuntura político-económica actual) das tabelas de remunerações e das condicionantes contratuais. Aliás, há quem hoje esteja constrangido pelas amarras corporativistas das respectivas ordens profissionais e confesse que deseja um regime mais aberto e menos "paternalista".

Na sequência da "crise dos avençados" houve muita discussão em torno deste assunto, normalmente de fraco nível intelectual e recorrendo frequentemente a uma argumentação baseada em leituras rápidas da Lei nº 6/2008. Esta lei não tem como objectivo facilitar a criação de associações públicas profissionais, como muita gente julga, mas precisamente o contrário. As condições impostas em algum do seu articulado são de difícil satisfação, sobretudo para nós, classe heterogénea que responde sob o título genérico de "arqueólogo", profissionais de uma área de actividade com pouco ou nenhum reconhecimento social. Os problemas que nos afectam como classe profissional não se podem resolver com a criação de uma Ordem porque, pondo as coisas muito claras sobre a mesa, nunca será aceite a criação de uma Ordem dos Arqueólogos sem o prévio reconhecimento social da profissão. Conseguido isto é preciso ainda vencer a orientação ideológica actual que é fervorosamente contra qualquer intento de organização profissional de tipo corporativo.

Ainda antes de chegar à Assembleia da República, será necessário demonstrar que não existem alternativas à organização corporativa como forma de auto-regulamentação e auto-regulação da profissão. Neste ponto é que começamos verdadeiramente a divergir e é neste capítulo que deverá residir a discussão. Custa-me muito aceitar que não há alternativa à "filosofia do chicote", como poderia chamar à tendência eternamente reproduzida de que só somos capazes de cumprir para com os nossos deveres se a isso formos obrigados. As leis servem para regular, não para impor um ordenamento. Sei que temos problemas enquanto sociedade nos capítulos do cumprimento dos nossos deveres e do relacionamento com os demais. Mas não podemos continuar a pensar que tudo se resolve fazendo mais regulamentos, impondo mais obrigações e instituindo um regime policial. Esta opinião é válida tanto para a tarefa da regulação da profissão, como para o relacionamento entre nós e a sociedade.

Ora, penso que existem alternativas à auto-regulação profissional que não passam pela figura jurídica da associação de direito público: contrariamente ao espírito que fundamenta aquela figura, a verdadeira auto-regulação não deve ser imposta por decreto, como um conjunto rígido de obrigações regulamentares, hierárquicas e contratuais, mas mediante o desenvolvimento de uma estrutura organizacional mais aberta, de livre adesão, em que o fomento da auto-responsabilização profissional seja o pilar que sustente a formação e o crescimento de uma verdadeira consciência de classe. É no sentido expresso por estas ideias que se deverá entender o meu repúdio do espírito "paternalista" que ainda prospera na nossa sociedade e que, infelizmente, porque fazemos parte desta mesma sociedade, se reproduz entre nós. Se uma vez por todas, temos que ser capazes de funcionar autonomamente, auto-responsabilizando-nos pelas nossas acções e pelas suas consequências, sem que tenhamos pairando sobre nós quer o chicote, quer qualquer das tais figuras paternalistas. Mais importante ainda, sem que requeiramos a presença de um ou de outro para que nos vejamos obrigados a cumprir com os nossos deveres de forma recta, moral e deontologicamente sem reparos.

E, ao contrário do que pensa o João, não é na formação académica que se encontra a origem dos principais problemas que afligem a classe, sobretudo os de ordem deontológica, nem as "figuras paternalistas" da actualidade residem nesse meio. A má formação cívica de muitos dos nossos colegas vem de muito antes e não é maior nem menor que o que observamos noutras áreas profissionais. Não se cura com ordens profissionais nem códigos deontológicos de cumprimento "obrigatório". Cura-se, a montante, com mais e melhor educação e, a jusante, com mais e melhor formação. Neste aspecto estamos de acordo (acho...): é tempo de começarmos a pensar em criar mecanismos de formação e creditação profissional não dependentes  totalmente do círculo universitário. Será difícil, mas se entre todos, profissionais, empresas, Estado e universidades, começarmos a trabalhar com o  objectivo de contribuir para o melhoramento das competências técnicas, científicas e (muito importante!!) cívicas da classe em que todos nos incluímos, sem procurar ser protagonistas mas sim parceiros, então creio que dentro de alguns anos poderemos começar a ter resultados positivos nesta luta em prol da qualificação da arqueologia portuguesa. Sem ordens, chicotes, paternalismos ou instituições policiais.

Paulo Félix


On 2008/07/30, at 17:01, J M wrote:

«E voltamos de novo a este assunto...»
 
Na sequência das palavras do colega Paulo Félix , pelo qual tenho consideração, gostaria de esclarecer que a proposta de discussão que lancei hoje pretende retomar, de forma positiva e construtiva e num nível intelectualmente elevado, uma discussão que interessa a todos os profissionais.
Aliás, que eu saiba, em democracia, não há assuntos tabu, (ou haverá?).
Quanto à argumentação utilizada não vou fazer mais comentários, mas deixou mais uma nota alertando para a consequência nefasta que a desregulamentação tem sobre todas as partes envolvidas na actividade arqueológica, e que somente poderá interessar àqueles que eventualmente prosperem devido a essa mesma desregulamentação.
A criação de uma Associação Pública Profissional dos Arqueólogos faria justamente o oposto ao que é referido: retiraria de figuras «paternalistas, individuais ou institucionais», a formação e creditação profissional para a colocar nas mãos dos arqueólogos profissionais.

 

João Marques

 

 

«E voltamos de novo a este assunto... Será que só sabemos viver e trabalhar sujeitos a chicote? Não podemos aprender a ser responsáveis e a não depender de figuras paternalistas, individuais ou institucionais? Como é possível que ainda haja quem acredite que tudo se resolve com a "simples" criação de uma Ordem?

Paulo Félix»


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