[Archport] Portugal reclama dois milhões de quilómetros quadrados no oceano
E que tem isto a ver com a arqueologia? Tudo: Portugal, como um dos
signatários da Convenção da UNESCO para a Protecção do Património
Subaquático, tem jurisdição (muito limitada, é certo, mas jurisdição)
sobre a sua Zona Económica Exclusiva e a sua Plataforma Continental no
que diz respeito aos bens arqueológicos. Diga-se de passagem que esta
zona toda, a actual e a de alargamento é aquela onde se sabe existir o
maior número de "alvos" apetecidos pelos caçadores de tesouros,
nomeadamente os correspondentes aos destroços das naus de Castela e de
Portugal que vinham de torna-viagem.
"Portugal quer aumentar mais de 20 vezes a sua área
Público, 10.05.2009, Andrea Cunha Freitas
Portugal reclama amanhã os direitos de exploração de uma área que
ultrapassa os dois milhões de quilómetros quadrados no oceano
A Portugal vai ficar maior. A proposta de extensão da plataforma
continental é entregue amanhã nas Nações Unidas e reclama a jurisdição
de um fundo de mar que ultrapassa largamente os 1,4 milhões de
quilómetros quadrados inicialmente previstos. São, afinal, mais de
dois milhões de quilómetros quadrados, o equivalente a mais de 23
vezes a área do continente.
É um mundo novo submerso que pode esconder preciosos recursos
minerais, genéticos e biológicos ao alcance dos cientistas
portugueses. E, enquanto se espera pela decisão da Comissão de Limites
da Plataforma Continental que pode demorar quatro anos, a equipa que
preparou a proposta promete continuar a descobrir novos limites deste
território.
Nos últimos anos, a equipa da Estrutura de Missão para a Extensão da
Plataforma Continental (EMEPC) esforçou-se por reunir todos os dados e
argumentos científicos capazes de convencer as Nações Unidas de que o
território português se prolonga além das 200 milhas náuticas (370
quilómetros) da chamada Zona Económica
Exclusiva. A prova científica não significa que, por exemplo, Portugal
possa vir a pescar mais longe. Trata-se da definição de novas
fronteiras no subsolo oceânico, sem que isso tenha qualquer efeito na
coluna de água. Mas então qual é o interesse nisso? "Há um novo mundo.
Um mundo de descoberta", anuncia Pinto de Abreu, o engenheiro
hidrógrafo e oceanógrafo físico que coordena a EMEPC, apostando no
campo da biotecnologia com origem no mar (ver caixa).
As previsões de alargamento do território submerso mais optimistas
foram ultrapassadas e é mesmo provável que ainda possam aumentar nos
próximos anos. Havia dois cenários possíveis: um alargamento
minimalista (240 mil quilómetros) e um mais optimista (com o fundo
português a estender-se por 1,3 milhões de quilómetros quadrados). "O
que está proposto é mais que o mais optimista, são mais de dois
milhões de quilómetros quadrados", adianta Pinto de Abreu, fazendo as
contas: são mais de 23 vezes a área de Portugal continental. Mas, mais
do que isso, enquanto espera a decisão das Nações Unidas, a equipa da
EMEPC não vai ficar de braços cruzados e é possível que consigam levar
ainda mais longe estes limites. "Vamos continuar a trabalhar. Neste
momento, explorámos ao máximo os dados que tínhamos. No entanto, há
áreas que não sabemos se para lá do sítio aonde chegámos podemos ir
mais. Porque não temos dados", explica o coordenador da EMEPC. Para
já, acrescenta, tudo o que existe são alguns sinais promissores. Há,
por exemplo, amostras recolhidas noutros projectos e noutras zonas que
mostram um património semelhante ao que foi encontrado na nossa
plataforma dos Açores. Sendo assim, é provável que se esteja perante
um prolongamento dessa massa terrestre. "Vamos fazer o aproveitamento
da continuidade geoquímica do território e haverá possibilidades de
estender para leste e para oeste dos Açores. Poderemos vir a crescer
ainda mais", arrisca.
Novo mergulho em Setembro
A tese das novas fronteiras portuguesas só deverá ser defendida dentro
de dois anos, quando estiver constituída a subcomissão que vai avaliar
a proposta da EMEPC. Assim, a equipa tem dois anos para trabalhar e
verificar se, afinal, está tudo incluído ou não. "Em Setembro vamos
novamente para o mar fazer novos cruzeiros", avisa Pinto de Abreu. E,
nessa altura, é provável que o navio oceanográfico leve a bordo outros
tripulantes além da equipa da EMEPC. "O nosso interesse e grande
empenho é trazer o maior número de investigadores nacionais a
dedicar-se a este material que nós temos e que ainda vamos recolher".
Uma equipa de centenas de pessoas ajudaram a fazer a proposta. O
primeiro levantamento dedicado foi a 13 de Janeiro de 2005 e os
últimos levantamentos hidrográficos para recolha de dados que foram
incluídos no processo de candidatura terminaram no final de Março
deste ano, na área dos Açores. Agora, será necessário esperar pela
decisão. "Em 2013 devemos ter este processo concluído".
Portugal não é único país a reclamar a extensão da sua plataforma,
como permite a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Os
primeiros foram os russos, em 2001, mas mais de trinta países já o
fizeram. Muitos viram a sua pretensão negada.
"Há países que conseguem provar uma extensão da plataforma olhando
apenas para a forma do fundo submarino. Fazem uma sondagem simples,
descobrem qual é a forma e conseguem", nota. Para nós não foi, nem
será, tão fácil. "Nós temos tudo. A nossa área, que se estende desde a
planície do banco da Galiza até ao extremo dos Açores, é complicada e
diversa. Se compararmos o Sudoeste da Madeira com o Norte de Portugal,
não têm nada a ver um com outro".
Pinto de Abreu lembra: "Se pensarmos hoje, temos mais países com
capacidade de fazer exploração aeroespacial do que ir ao fundo do mar.
Nós estamos lá e temos essa capacidade. Nós podemos ir lá e chegar a
todos os pontos do mar português".
Há possibilidades de que a extensão da plataforma continental ainda se
alargue mais para leste e oeste dos Açores
Robô ROV foi decisivo
O veículo de operação remota (ROV) foi uma ferramenta decisiva para a
equipa. Por três milhões de euros, o Ministério da Defesa adquiriu o
equipamento que nos colocou mais perto do chão submarino. Um trabalho
de pesquisa que antes era realizado com recurso a um balde mergulhado
nas águas foi substituído por um ROV capaz de descer até aos seis mil
metros. O ROV foi entregue em Setembro mas após dois ou três mergulhos
precisou de atenção. "Havia um barulho estranho no guincho e como
estava na garantia chamámos o fabricante que corrigiu o
funcionamento", explica Pinto de Abreu. Oito dias depois estava a
mergulhar outra vez e até agora, recolheu várias amostras.
Entre outros locais, o ROV mergulhou até tocar dois montes submarinos.
Os dados recolhidos não serviram só a EMEPC, houve recolha de amostra
de águas e dados de parâmetros físicos da água do mar. "Há muita gente
a trabalhar neste momento com material recolhido durante esse cruzeiro
e que ainda vai trabalhar muito tempo". O próximo mergulho é em
Setembro. "Quando viermos de Nova Iorque, vamos começar a preparar a
próxima campanha. Vamos fazer alterações de equipamentos, colocar
outros equipamentos". E, sublinhe-se, com ou sem ROV o "balde" nunca é
deixado de lado. "As ferramentas clássicas não se deitam fora, até
porque são mais baratas. Não vamos pôr um ROV na água se pudermos
recolher com um balde", confirma Pinto de Abreu. A.C.F.
Uma visão cristalina do fundo do oceano
Marina Cunha, bióloga de Aveiro, relata as experiências que viveu a
bordo de um navio
Não foi uma das campanhas oceanográficas mais marcantes da carreira de
Marina Cunha, investigadora da Universidade de Aveiro (UA), mas o
embarque no Navio da República Portuguesa (NRP) Almirante Gago
Coutinho, em Outubro do ano passado, valeu pelas várias experiências
vividas a bordo. Em especial pela oportunidade de testemunhar a
estreia do ROV (Remotely Operated Vehicle) adquirido pelo Estado
Português e que conseguiu superar todas as expectativas em termos de
nitidez nas imagens captadas no fundo do oceano.
Esta bióloga marinha foi uma das duas cientistas convidadas pela
Estrutura de Missão Para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC)
para acompanhar o primeiro teste daquele robô submarino, em grande
parte devido à experiência que já tinha com outros modelos de ROV, em
várias campanhas que realizou enquanto investigadora. Terão sido já
cerca de 20 campanhas, quase todas em navios estrangeiros -
nomeadamente alemães, holandeses e ingleses, e também no navio russo
que está ao serviço da UNESCO.
"Esta última campanha foi essencialmente experimental, uma vez que o
ROV tinha acabado de chegar e, como é um equipamento complexo,
necessitava de uma série de ajustes", testemunha a investigadora, ao
mesmo tempo que reconhece que a viagem de duas semanas, a bordo do NRP
Gago Coutinho, que partiu de Setúbal rumo à zona dos Açores (São
Miguel), "não foi muito produtiva em termos científicos". "Passámos
vários dias a resolver questões técnicas", lembra Marina Cunha, muito
embora faça questão de garantir que não dá como "tempo perdido" os
dias passados a bordo.
Para esta investigadora do laboratório Cesam (Centro de Estudos do
Ambiente e do Mar) que já participou na descrição de 20 novas espécies
marinhas, a viagem valeu sobretudo para "conhecer e estabelecer
contactos para futuras colaborações com a equipa" que trabalha com o
robô. "É um equipamento essencial para o estudo dos fundos marinhos",
evidencia Marina Cunha, já a perspectivar o recurso àquele equipamento
para projectos de investigação que tem em mãos.
É certo que foram necessários alguns dias para colocar o ROV na água,
mas a espera parece ter valido a pena. "Quando conseguimos chegar com
a câmara ao fundo do mar, vimos tudo com uma clareza extrema. A
qualidade das imagens deste equipamento é excelente", atesta a bióloga
marinha, bastante habituada a trabalhar com outros modelos de ROV.
M.J.S."