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Re: [Archport] Santa Marta das Cortiças (Falperra Braga) - Um caso insólito: GNR, PSP e SIR.

To :   Francisco Lemos <sandelemos@gmail.com>
Subject :   Re: [Archport] Santa Marta das Cortiças (Falperra Braga) - Um caso insólito: GNR, PSP e SIR.
From :   Alexandre Monteiro <no.arame@gmail.com>
Date :   Sun, 17 May 2009 09:02:05 +0100

Ora bem, neste – como noutros casos que têm vindo a ser paulatinamente denunciados aqui – eu pergunto: mas alguém fez queixa ao Ministério Público? 

O pároco? O Francisco Sande Lemos? Alguém?

É que uma coisa é denunciar atentados ao património aqui, neste fórum, e ficarmos todos a carpir o sucedido, tentando catequizar os já evangelizados; outra coisa, bem diferente, é a de denunciarmos esses mesmos atentados nos lugares próprios. É que, aposto, se todos o fizermos – e quem mais o fará, senão os arqueólogos e os mais defensores do património? – as coisas passarão a fiar mais fino para esses lados, mesmo dando de barato que a justiça portuguesa é lenta e nem sempre muito eficiente.

As denúncias, para serem eficazes, devem ser feitas em dois locais por excelência: à comunicação social, como foi feito, e às autoridades judiciais. Vejamos então o que diz a lei. 

De acordo com o artigo 213º do Código Penal, sob a epígrafe "Dano qualificado", sabe-se que:

“1 - Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável:
a) Coisa alheia de valor elevado;
b) Monumento público; (...)
d) Coisa pertencente ao património cultural e legalmente classificada ou em vias de classificação; (...)”

é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.”



A primeira questão aqui é: estava a jazida classificada? Se sim, aplica-se o artigo acima.


Se não estava classificada, então o caso é mais complicado, já que há que dar a volta ao texto e partirmos para o ponto 2 do artigo supra:


“2 - Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia:
(...)
c) Que possua importante valor científico, artístico ou histórico e se encontre em colecção ou exposição públicas ou acessíveis ao público; (...)

é punido com pena de prisão de dois a oito anos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 204.º, nos n.os 2 e 3 do artigo 206.º e na alínea a) do artigo 207.º
4 - O n.º 1 do artigo 206.º aplica-se nos casos da alínea a) do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2.”


Ou seja, alguém terá que defender o seu importante valor científico, artístico ou histórico e bater-se por defender que a jazida estava visitável e exposta ao público...


A questão premente é saber se quem agiu o fez consciente do facto que estaria a destruir património. 

Estava a zona assinalada como tal? Há um engenheiro responsável pela implantação da estrutura que deveria ter coordenado essa implantação com uma outra qualquer entidade e que não o fez por saber que impactaria uma jazida arqueológica? 

É que o crime de dano não pode ser negligente, tem que ter havido INTENÇÃO de danificar, de destruir, mesmo que apenas a título daquilo a que se chama "dolo necessário" (a vontade não é a de danificar de forma directa mas, para se atingir outro objectivo - neste caso, a colocação da antena, pelo que percebi - é  necessário danificar, e quem o ordena conforma-se com este resultado). Portanto, se havia esse conhecimento prévio, o agente do crime será a pessoa que disse ao empreiteiro, "avance" - nem mais, nem menos. E nem sequer se pode escudar perante o facto de estar a cumprir ordens do MAI – diz também a lei que ninguém está obrigado a cumprir ordens ilegais (e esteve muito bem, aqui, o empreiteiro que parou a obra, por sua iniciativa, quando o pároco o alertou para o facto). Mas essa questão ficará para a fase de investigação – o que é crucial é que se pare o atentado ao património.

Estes crimes, contra o património cultural, são de natureza pública - ou seja, não é preciso que o ofendido, que neste caso é o Estado, apresente queixa; basta que as autoridades tenham, por qualquer modo, conhecimento do crime e são obrigadas a agir (leia-se: a investigar). Isto significa que qualquer pessoa pode denunciar os factos em questão (na prática, o que se passa é que a denúncia deve ser feita numa esquadra qualquer de polícia ou melhor ainda, directamente e por escrito, entregue num DIAP qualquer, em princípio o do local onde ocorreu o dano. Esta hipótese é melhor, porque a denúncia fica logo directamente no MP. Se for na esquadra, fica lá a arrefecer durante meses para depois ser enviada ao MP. As polícias nada fazem sem delegação de competências por parte do MP, a não ser que tenha havido flagrante delito).

Quanto à inacção da polícia, e independentemente da competência territorial de cada uma, a que chegasse primeiro ao local estaria sempre obrigada a levantar um auto, a lei é clara como água. De acordo com o Código do Processo Penal:

“Artigo 242.º, n.º 1, al. a): A denúncia é obrigatória, mesmo que os agentes do crime não sejam conhecidos, para as entidades policiais, quanto a todos os crimes de que tomarem conhecimento.


Artigo 243.º, n.º 1: Sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória, levantam ou mandam levantar auto de notícia, onde se mencionem:


a) Os factos que constituem o crime;
b) O dia, a hora, o local e as circunstâncias em que o crime foi cometido; e
c) Tudo o que puderem averiguar acerca da identificação dos agentes e dos ofendidos, bem como os meios de prova conhecidos, nomeadamente as testemunhas que puderem depor sobre os factos. (...)
3 - O auto de notícia é obrigatoriamente remetido ao Ministério Público no mais curto prazo, que não pode exceder 10 dias, e vale como denúncia.”



Portanto, a actuação das polícias foi ilegal e o que há a fazer é, da próxima vez, ver os nomes que constem dos crachás nas lapelas e apresentar queixa imediata ao respectivo Comando-Geral (ou assustá-los com a ameaça disso), com os nomes concretos e individualizados; queixa contra o agente Silva, o cabo Costa, o graduado Andrade - só assim é que funciona (e a desculpa que a obra era do MAI não cola; é que não interessa se era o próprio MAI que estava a vandalizar - comete o crime quem sabia que ali havia património arqueológico susceptível de ser destruído e ordenou/permitiu que tal acontecesse. mesmo que alegassem que não sabiam da sua existência, passaram a sabê-la com a notificação do pároco e, tivessem persistido, estariam a cometer esse mesmo crime de forma consciente).

Resumindo: basta os defensores do património animados de consciência cívica redigir por escrito uma denúncia, de preferência assinada por alguém com créditos na matéria, se possível com indicação de provas (fotos do local, etc.), testemunhas se as houver, e até sugestão de diligências, se for caso disso, e entregá-la directamente nos serviços do Ministério Público de Braga, na secretaria. Se quem apresenta a queixa for uma das entidades que tutela o património arqueológico, por meio de um seu representante com poderes legais, até se pode constituir assistente e ter assim um papel muito mais interventor na investigação - e a garantia de que esta anda mais depressa. (Cuidado: a indicação de suspeitos só se deve fazer se tiverem MESMO a certeza do que afirmam, para que depois não fiquem atreitos a levar com um processo por denúncia caluniosa de volta).

Esta é a minha leitura dos factos relatados pelo Francisco, baseados no artigo do jornal.





2009/5/14 Francisco Lemos <sandelemos@gmail.com>
>
> De acordo com o Diário do Minho de hoje o Pároco de Esporões, tendo verificado que estava a ser destruído património arqueológico no sítio em epígrafe, chamou a GNR a qual todavia nem actuou nem elaborou o auto da ocorrência. Efectivamente não só a zona onde estavam a desenrolar-se os revolvimentos de terras está sob jurisdição da PSP de Braga como também as obras eram do próprio Ministério da Administração Interna (colocação de uma antena para o SIRESP). 
> Também a PSP, chamada a pedido da GNR, se recusou a registar a ocorrência pois era uma obra do MAI. O Ministério da Cultura não estava informado, nem a CMB, nem ninguém. O empreiteiro decidiu, por si mesmo, parar os trabalhos. O comandante da PSP de Braga só soube do problema a posteriori segundo declarações do próprio ao Diário do Minho.
> Ora o Monte de Santa Marta das Cortiças é um dos sítios mais relevantes do Noroeste Peninsular: habitat da Idade do Bronze; povoado proto-histórico, possível sede dos Bracari (segundo alguns); ruínas de fortificação tardo-romana; conjunto palatino suévico; e basílica paleo-cristã.
> Esperemos que o Comandante da PSP de Braga, António Fraga investigue o MAI, esclareça quem foi o mandante da destruição (será o Serviço de Informações da República?) e comunique o crime ao Ministério Público.
> Recomendo que a DRCN informe a GNR e PSP de Braga da sensibilidade do cume do monte que fica sobranceiro à cidade.
> Aliás o comando da PSP de Braga está instalado no Centro Histórico da cidade, numa área com grande valor arqueológico, mas julgo que disso está consciente o comandante (suponho) pois eu próprio já sublinhei essa circunstância várias vezes na Comunicação Social.
> Francisco Sande Lemos
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