Pelo que percebi, a resposta do IGESPAR, casuística, partindo de um caso em particular, tenta justificar o indeferimento com o injustificável. Dando de barato que põe os pés pelas mãos (e que o RTA é uma verdadeira aberração, pondo no mesmo plano de de igualdade um passeio pelo campo com o intuito de prospectar a existência ou ausência de materiais cerâmicos e a escavação destrutiva de uma cidade romana inteira, por exemplo), não se compreende como é que a uma licenciatura das "antigas" (quais? as de 4 ou as de 5 anos?) equivale hoje em dia a um grau de mestrado dos "novos".
É que, para todos os efeitos (legais, académicos, profissionais), um mestre "bolonhês" é equivalente, em termos de qualificação, a um mestre dos de antanho. Mais, se nos reportarmos ao caso da arqueologia, nada na legislação habilita particularmente um mestre a ser director de escavação - friso, não é o número de semestres, de aulas frequentadas, de teses elaboradas que torna alguém um bom director de escavação. O que o habilitará é apenas a prática, a tutoria que vier a experimentar sob a direcção de colegas mais velhos e o traquejo (à falta de melhor termo) que só muitos anos de terreno, de congressos e de artigos publicados e revistos pelos seus pares confere.
Mas vejamos o que diz a lei. De acordo com o Decreto-Lei n.o 74/2006, de 24 de Março, sabe-se que:
"A análise da experiência europeia mostra que ao 1.o ciclo correspondem, por norma, 180 créditos, isto é, três anos curriculares de trabalho.
Para algumas profissões—poucas—são internacionalmente exigidas formações mais longas, correspondentes a quatro, cinco ou seis anos curriculares de trabalho."
E cita algumas dessas excepções, pormenorizando três casos distintos:
1- "Contam-se neste grupo, desde logo, aquelas que são objecto de normas comunitárias de coordenação das condições mínimas de formação, como as constantes da Directiva n.o 2005/36/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Setembro (Jornal Oficial, n.o L 255, de 30 de Setembro de 2005), onde se incluem os médicos, os enfermeiros responsáveis por cuidados gerais, os médicos dentistas, os médicos veterinários, os enfermeiros especializados em saúde materna e obstetrícia, os farmacêuticos e os arquitectos."
2 - "Por outro lado, aquelas cuja duração mais longa resulta de uma prática estável e consolidada na União Europeia, como é o caso de algumas áreas de engenharia de concepção."
3 - "Finalmente, aquelas a que, por força de normas legais nacionais actualmente em vigor, deva ser fixada uma duração superior a 180 créditos."
Ora, não me parece que a arqueologia que se exerce em Portugal se encaixe em algum destes casos. Mais: querer fazer passar a atribuição de uma direcção de escavação apenas a quem demonstre ter mestrado é querer, ao arrepio da lei, promover " a adopção de formações artificialmente longas " o que, fora os contexto europeus de referência acima descritos, "não é naturalmente aceitável, não só pelo que representaria em desperdício de recursos, como pelo prejuízo em que se traduziria para os estudantes dos estabelecimentos de ensino superior portugueses."
Sabendo-se que a grande maioria dos licenciados que terminam agora o seus cursos bolonheses opta por ingressar directamente no mestrado - uma tendência que só beneficia as universidades que, como bem sabemos, estão a precisar de propinas como de pão para a boca - por medo de lhes ser negado o exercício da profissão, pergunto-me então: concluído o mestrado, estando potencialmente dotados de qualificação suficiente para dirigir uma escavação, que experiência terão estes putativos directores, tendo em conta que terão passado a maioria deles, quando muito, três ou quatro meses a remover entulho, a desmatar jazidas e a lavar materiais? Que aconteceu ao tirocínio de anos e anos, em que um recém-licenciado ia adquirindo conhecimentos de escavação, de interpretação de cortes, de identificação de materiais, de traquejo, enfim? Que currículo terão para apresentar ao IGESPAR?