Lista archport

Mensagem

[Archport] Vencimentos, mercado, qualidade e dignidade profissional

To :   archport <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] Vencimentos, mercado, qualidade e dignidade profissional
Date :   Sat, 24 Oct 2009 16:52:32 -0400

Caros colegas,

a troca de mensagens que se gerou após o relato da situação em Porto Torrão, infelizmente, não é nova nesta lista de discussão. Ciclicamente assistimos a denúncias, acusações, defesas da honra, comentários mais ou menos inconsequentes sobre as condições em que trabalham os arqueólogos em Portugal. Normalmente centradas em questões relativas ao vencimento dos arqueólogos, o fim da linha num processo que inclui muitos outros factores.

Não me parece que valha a pena apenas apontar o dedo aos arqueólogos que aceitam trabalhar com vencimentos tão baixos (embora, pessoalmente, nunca me tenha passado pela cabeça aceitar condições de trabalho que não considerasse dignas na profissão que escolhi e, por isso mesmo, profundamente respeito). Também a acusação não deve ser feita apenas às empresas que pagam tão mal (embora, pessoalmente, uma das razões que me faz não ter uma empresa de arqueologia é não admitir que se possam ter que propor vencimentos tão baixos para uma empresa se manter no mercado). A questão a colocar, como já alguém o fez aqui antes de mim, é saber porque é que os trabalhos de arqueologia valem tão pouco para quem os compra, a ponto de haver situações como as que foram aqui descritas.

A resposta é simples: quem compra trabalhos de arqueologia - na esmagadora maioria dos casos - é obrigado a fazê-lo e não tem qualquer benefício em pagar mais caro por um trabalho de qualidade. Isto acontece, na minha opinião, por duas ordens de factores. A primeira, a mais óbvia e mais frequentemente referida, é a desregulação da actividade e a demissão, pela parte do único organismo fiscalizador, da verificação da qualidade do trabalho realizado. Todos sabemos, e conhecemos casos que o ilustram, que um bom trabalho arqueológico, salvo honrosas excepções, tem o mesmíssimo tratamento que um mau trabalho arqueológico. Tudo quanto um promotor precisa é de um relatório aprovado e uma frente de obra liberta. E se esse objectivo é atingido com um trabalho barato de fraca qualidade, porque razão haveria vontade de pagar um trabalho caro de boa qualidade?

Mas também não vale a pena apenas apontar o dedo à tutela. A segunda ordem de factores obriga-nos a apontar o dedo a nós próprios. Que fazemos nós para convencer os nossos clientes (e aqui a palavra não se refere apenas aos promotores de obras mas a todos a quem a nossa actividade devia ser dirigida) que vale a pena pagar caro pela qualidade do nosso trabalho? Que benefício demonstramos nós que damos à sociedade por fazermos um bom trabalho?

Enquanto não soubermos responder de uma forma clara e inequívoca a estas questões, podemos continuar a discutir salários e condições de trabalho, a apontar dedos para todos os lados, que a situação fica exactamente na mesma. Haverá sempre alguém disponível para vender por muito pouco, se quem comprar tiver o mesmo resultado que comprando pelo preço justo da qualidade.

Naturalmente que o caminho da valorização da qualidade é difícil e, sobretudo, longo. Não há formulas mágicas, mas pode haver esforço. E o esforço não pode ser só dos "outros" - da tutela, da associação profissional, das empresas, dos "recibos verdes" - mas tem que ser assumido na primeira pessoa. E, por falar nisso, recordo todos os subscritores desta lista que são elementos de entidades colectivas que receberam recentemente um apelo da APA para se esforçarem connosco na construção de um modelo de certificação ou acreditação que possa funcionar como factor de discriminação positiva pela qualidade, que continuamos interessados na colaboração de todos.

Maria José de Almeida
Presidente da direcção da APA

P.S. A última frase exclui, obviamente - das 123 entidades a quem foi dirigido o mesmo apelo - as 10 que responderam positivamente e, dessas 10, as que se encontram desde já a colaborar activamente connosco neste projecto.


Mensagem anterior por data: [Archport] Res: Procedimento Concursal resposta Próxima mensagem por data: [Archport] FW: Res: Procedimento Concursal resposta
Mensagem anterior por assunto: [Archport] Veleia 30 2013 Próxima mensagem por assunto: [Archport] Alminhas estão mais abandonadas e aguardam protecção e salvação por responsáveis pelo património