Re: [Archport] Inscrições romanas pintadas. Será sério?
Prezado Snr, Rogério Domingos,
O seu e-mail abaixo contém numerosos motivos de reflexão, todos muito
interessantes.
A questão da boa ou má iluminação e posicionamento espacial das epigrafas na
exposição MNA deixa até de ter especial significado, tendo em conta a
profundidade das outras questões de ordem mais geral que refere.
Em todo o caso, ainda sobre esta primeira, renovo o entendimento que temos
de que as condições de visibilidade e leitura das epígrafes estão muito
próximas de ser as ideais.
Quanto à contextualização, é bem verdade que esta exposição se centra
intencionalmente nas peças, elas próprias. Textos (em português e inglês) e
imagens de apoio estão de propósito afastados das peças. Mas existem e são
de diferentes tipos:
-legendas curtas fixas
-legendas desenvolvidas (que incluem a transcrição e tradução para português
e inglês de todas as epígrafes) móveis, quer dizer que o visitante pode
levar com ele durante toda a visita
-textos curtos sobre peças ou temas particulares
-textos gerais sobre os sucessivos tópicos da exposição.
Além disto, o visitante dispõe ainda de:
-um roteiro muito breve da exposição
-um guia um pouco mais desenvolvido
-um catálogo extenso, uma verdadeira obra de referência
Dispõe o visitante ainda de diversos produtos para venda em loja, tais como:
-réplicas de peças
-t.shirts
-objectos de adorno pessoal
-postais ilustrados
-1 jogo de educativo de sociedade ("As Pedras que Falam")
Acrescem em termos educativos os numerosos programas, para todos os graus de
ensino e para públicos não escolares, que temos preparados e são executados
ao longo do ano e que pode consultar no nosso sítio Internet
(www.mnarqueologia-ipmuseus.pt)
Dirá que tudo isto é pouco. E é, de facto.
Mas, sendo pouco, já não é tão mau assim.
Seja como for, o seu comentário coloca questões de outro âmbito e, estas
sim, são muito sérias e merecem ampla reflexão.
Interessa-nos sobremaneira ter como interlocutores pessoas com visões como a
sua. Precisamos em Portugal e nos museus de ideias refrescantes e até
positivamente provocatórias. Essas ideias fazem-nos pensar; fazem-nos talvez
tomar consciência das limitações que nos impõem as nossas rotinas; ou então
e mais que não sejam, fazem-nos reforçar as nossas convicções, quando
entendemos que estamos a fazer bem o que fazemos.
Um fórum como o ARCHPORT não permite dialogar em profundidade sobre tudo que
refere no seu e-mail. E por isso desde já o convido a realizar uma palestra
no MNA, quando quiser, sobre os seus comentários não apenas sobre o MNA, mas
sobre os museus portugueses e/ou museus em geral. Como já deve ter
percebido, faço este convite sem qualquer reserva mental ou intenção oculta
- muito pelo contrário.
Entretanto, dir-lhe-ei ainda o seguinte acerca de algumas das suas questões
mais gerais.
No fundo, o seu argumento sobre os museus, sobretudo os museus nacionais (e
não apenas o MNA português), é que eles deveriam ser extintos e as colecções
dispersas, para serem porventura expostos localmente, nas próprias ruínas.
É uma ideia que tem sido ocasionalmente defendida e da qual discordo com
veemência.
Claro que dirá que discordo porque sou director do MNA - e eu não o posso
negar, já que, na velha consigna de Unamuno, cada um é aquilo que é e também
aquilo que a sua condição o deixa ser. Mas tento ter a distância
suficientemente para afirmar que discordo dessa ideia por razões bem mais
fundas e de cidadania.
Ao contrário que se possa supor, a fragmentação das colecções pela miríade
de locais de proveniência, não é democrática e conduziria, pelo contrário, a
índices de elitismo social incompatíveis com o conceito de cidadania que
prezo.
Imagine que alguém quer saber o que foi a "cultura" castreja ou a "cultura"
megalítica. Só em museus que realizem este tipo de sínteses, com peças
provenientes de muitos locais, o poderá concretizar.
Caso contrário, terá de ter tempo e dinheiro para circular por todos esses
outros locais e terá ainda de possuir o grau de literacia suficiente para ir
construindo em abstracto, na sua cabeça, a dita síntese.
Existe muito mais, muito mais mesmo, mas este argumento é talvez já
suficiente para se perceber porque considero que os museus, maxime os museus
nacionais, mantém toda a actualidade.
O exemplo que dá de Milreu é particularmente feliz (como seria o de
Alcalar), porque corresponde a uma visão estratégica, integrada, em que se
articularam exemplarmente os planos local, regional e nacional e as
valências dos sítios arqueológicos e dos museus, tendo sido opção consciente
não colocar colecções originais nos centros interpretativos dos sítios.
Quanto ao resto (devem os museus ser mais activos e atractivos; devem expor
mais colecções, etc.)... bom, quanto a tudo isso, temos muito que caminhar e
nós somos os primeiros a reconhecê-lo.
Alguma coisa temos feito (e agradeço ao Alexandre Monteiro, recordá-lo a
partir da exposição actual da Quinta do Rouxinol), mas muito, muitíssimo,
está ainda por fazer.
Em todo o caso, o que temos feito tem sido compensador, a começar pelo
aumento do número de visitantes que foi muito notável na última década,
colocando consistentemente o MNA como o segundo museu nacional (do MC) mais
visitado (cerca de 120 a 130 mil visitantes / ano).
Mas precisamos como pão para a boca da exigência construtiva de comentários
como o seu.
Bem-haja, pois. E quando lhe for conveniente, diga-nos. Teremos todo o gosto
em divulgar uma sessão pública em que exponha os seus pontos de vista, a nós
equipa do MNA, a nós profissionais de museus, enfim, a nós arqueólogos que
vivemos a arqueologia com um profundo sentido de responsabilidade social.
Luís Raposo
-----Mensagem original-----
De: Rogerio Domingos [mailto:rogerio.domingos@gmail.com]
Enviada: segunda-feira, 9 de Novembro de 2009 22:38
Para: MNArqueologia/Director - Luis Raposo
Cc: ARCHPORT
Assunto: Re: [Archport]Inscrições romanas pintadas. Será sério?
Caro Dr. Luis Raposo,
Não foi minha intenção fazer uma critica incisiva ao MNA, mas já que
estamos de "mangas arregaçadas", deixe-me esclarecer que a última vez
que visitei o MNA foi há dois (ou talvez três) anos atrás se bem me
recordo, e nessa altura, a exposição de epigrafia latina estava bem
diferente do que é apresentado na fotografia que inclui na sua
mensagem. A sala estava bastante escura, e a iluminação consistia de
spotlights de tons amarelados, que incidiam individualmente sobre cada
lápide - algumas das lápides só podiam ser vista em dois lados, os
outros dois estavam completamente no escuro. Do ponto de vista geral,
estava muito "in", parecia o lobby de um hotel de cinco estrelas ou de
uma galeria de arte, mas como museu cientifico e divulgação ao público
em geral, a exposição falhava bastante, não só pela iluminação como
também pela falta de material didáctico para uso na sala (haviam
algumas folhas plastificadas disponiveis) assimo como para ser levado.
O aspecto do "take away" de informação e imagens é bastante descurado
pelos museus portugueses - e contribui muito para o divórcio que
existe entre os Portugueses e os museus em Portugal, pois os museus,
especialmente os Museus Nacionais, continuam a ser vistos como museus
para as élites da capital.
Eu serei o último a querer ou poder "aconselhar melhores práticas de
conservação e fruição das colecções arqueológicas" - não sou
arqueologo profissional ou museólogo - fiz outras escolhas
profissionais - mas continuo apaixonado pelo tema e participo como
posso. De qualquer forma tenho visitado muito museus de arqueologia
pelo mundo, e permita-me que diga, que enquanto cidadão Português e
"cliente" (isto é, visitante), penso que o MNA - como museu - não
serve minimamente o país ou a arqueologia portuguesa. A área de
exposição é minima, para não dizer insignificante em relação ás
colecções que sei que o MNA guarda, e estruturada para mostrar os
"tesouros" da arqueologia portuguesa. A ideia de se querer continuar a
promover a "arqueologia como procura de tesouros" não serve a
arqueologia que se faz hoje em dia. Temos que abandonar o conceito de
museu como "gabinete de antiguidades". Eu sei também que o actual MNA
é o sucessor de algo muito mais antigo e o espaço que ocupa nos
Jerónimos traz problemas adicionais (não só de espaços como também de
politiquices com os outros stakeholders nos Jerónimos), e que talvez o
actual MNA seja o melhor que se tem podido fazer dentro dos parâmetros
que existem.
Atrevo-me contudo a dizer que, na minha óptica, o MNA deveria ser
extinto, e as colecções redistribuidas por novos museus regionais de
arqueologia, construídos de raiz, e com amplas áreas de exposição,
para que as exposições sejam maioiritáriamente permanentes e
musealizem adequadamente as colecções arqueológicas da região em
termos cronológicas e por sitios arqueologicos. Posso citar-lhe, a
exemplo, a villa romana de Milreu em Estoi - um conjunto adequadamente
protegido e enquadrado para o visitante, contudo os materiais
arqueológicos que teem vindo a ser recolhidos neste sitio desde o séc
XIX, estão dispersos pelo MNA, Museu de Faro, Museu de Évora e penso
também que num museu na Figueira da Foz (além do que está sómente
armazenado algures). Quem visita Milreu, não tem no Algarve, a
capacidade de visitar um museu que complete a "história" de Milreu
como um dos mais importantes sitios arqueológicos do Algarve.
Visitando o MNA também não o fará, pois só dois bustos encontrados em
Milreu estão expostos no MNA! Quem diz Milreu, diz Torre de Palma,
Miróbriga, Tróia, e muitos outros sitios arqueologicos em Portugal.
Sou de opinião que o conceito de museus de arqueologia terá que mudar
imenso em Portugal - temos que nos afastar de sermos um país de
grandes museus nacionais centrados em Lisboa, assim como dos museus de
paróquia ou de Câmara Municipal, que funcionam como sala de festas e
para sessôes solenes! Seria preferivél termos bons museus regionais,
"perto" dos sitios arqueologicos de onde proveem as peças, museus que
contem uma história para a população que não é arqueológa mas que
poderá ser educada em arqueologia, e porventura passar a ter maior
sensibilidade para a preservação da nossa herança arqueológica.
Não será á toa que temos um primeiro ministro/governo com especial
desprezo pela arqueologia - reflecte a sociedade portuguesa em geral,
que vê a arqueologia como uma ciência de élite para as élites. Os
museus, como apresentadores do produto final da arqueologia não
preservada in situ, têem que mudar a forma como exibem a arqueologia e
terão que fazer marketing como qualquer empresa o faz em conquista do
seu público, e também - e aqui isto é importante - saber ouvir a
opinião dos seus "clientes" (os visitantes) e reagir de acordo - um
museu sem visitantes (ou com números insignificantes) e pouca
visibilidade no mercado cultural, serve sómente para perpetuar a
imagem de que museus são a esfera privada de alguns que são pagos pelo
Estado para fazerem as suas investigações e publicarem obras e
enriquecerem o seu curriculo académico á conta do erário público.
Como disse de inicio, não quero ser incisivo nos meus comentários -
não os interprete dessa forma - mas sómente veicular a minha opinião,
que porventura poderá ser partilhada por muitos dos 10 milhões de
Portugueses que não arqueólogos ou museólogos. Penso que o propósito
da ARCHPORT é a partilha de informação assim como a discussão de
ideias, e dessa forma que subscrevo a lista e nela participo de quando
em quando!
Melhores cumprimentos
Rogério Domingos
2009/11/9 MNArqueologia/Director - Luis Raposo <mnarq.director@imc-ip.pt>:
> Em anexo, aspecto da exposição "Religiões da Lusitânia", onde se expõe
> maioritariamente epigrafia latina, com especiais cuidados de iluminação.
> Esta iluminação das epígrafes tem sido considerada muito positivamente
pelo
> público em geral e pelos especialistas.
> O mesmo se diga da secção de epigrafia egípcia.
> Supomos portanto que não seja em relação aos espaços abertos ao público
que
> o snr. Rogério Domingos tem tamanhas razões de queixa.
> Já a "reserva do MNA" (e não MNAE) não está aberta ao público, embora seja
> acessível aos investigadores e escolas. Aí, as condições de iluminação são
> efectivamente as gerais de espaços não abertos ao público.
> Aceitamos de bom grado o contributo do prezado snr. Rogério Domingos para
> nos aconselhar melhores práticas de conservação e fruição das colecções
> arqueológicas, nomeadamente as que temos em reserva.
> Trata-se de tema apaixonante, tão velho como Ruskin (da defesa da pureza e
> na dignidade da ruína, enquanto ruína) e Viollet-le-Doc (na defesa do
> restauro pesado, segundo o "espírito da época").
> Proximamente realizar-se-á em Cascais (26 a 28 de Novembro de 2009) um
> Encontro Internacional em que estas matérias deverão certamente ser
> abordadas: "A autenticidade e a identidade nas intervenções do património
> construído". E mesmo sem querer fazer publicidade pessoal, direi que
preparo
> agora uma intervenção a fazer ai sobre "A autenticidade em arqueologia: um
> terreno de compromissos".
> Falarei de estátuas pintadas e de monumentos reconstruídos e procurarei
> reflectir em comum sobre as vantagens e desvantagens de cada uma das
opções
> de fundo em presença.
> O prezado snr. Rogério Domingos será muito bem-vindo.
> Luís Raposo
> Director do Museu Nacional de Arqueologia (MNA)
>
>
> -----Mensagem original-----
> De: archport-bounces@ci.uc.pt [mailto:archport-bounces@ci.uc.pt] Em nome
de
> Rogerio Domingos
> Enviada: segunda-feira, 9 de Novembro de 2009 15:12
> Para: Joaquim
> Cc: archport@ci.uc.pt
> Assunto: Re: [Archport]Inscrições romanas pintadas. Será sério?
>
> No Römisch-Germanisches Museum em Colónia, um dos museus de
> arqueologia romana mais importantes fora de Itália, todas as
> inscrições romanas estão "pintadas" a vermelho, e segundo me recordo
> ler num quadro explicativo desse museu, terá existido evidência de que
> tal seria também feito no periodo em que essas inscrições foram
> feitas. De qualquer modo, o Doutor José d'Encarnação, mais do que
> alguém em Portugal, será a pessoa indicada para fornecer uma opinião
> de peso neste assunto, no que se refere a Portugal. Pessoalmente, não
> desgosto da "pintura" pois facilita bastante a leitura e apreciação do
> monumenos epigraficos - a experiência na visita á secção de epigrafia
> romana do MNAE em Lisboa é péssima, a sala tem pouca luz e as
> inscrições estão também mal iluminadas o que impossibilita a sua
> leitura!
>
>
> 2009/11/9 Joaquim <jbatista@esg.ipcb.pt>:
>> www.porterrasdoreiwamba.blogspot.com
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